
Um dos quartos das crianças da ONG Vida Positiva
Crianças e adolescentes de Brasília driblam o preconceito e mostram que é possível, sim, viver bem com a Aids
Exposição fotográfica no Senado Federal, mostra de pintura com todos os quadros vendidos, boas notas escolares, disposição para atividades físicas, fluência no francês. Essa é uma pequena lista das conquistas diárias de 17 crianças e adolescentes de um grupo de 26.792 pessoas com idades entre 0 e 19 anos diagnosticadas com Aids no Brasil, de 1980 a 2007.
Fora a rotina de medicamentos anti-retrovirais tomados de quatro a sete vezes ao dia, seguindo rigorosamente os horários estabelecidos pelos médicos, e os efeitos colaterais provocados por eles, elas mantêm uma agenda semelhante à de qualquer outra criança. Todas estão matriculadas e freqüentam a rede de ensino, praticam esportes, assistem TV, jogam vídeo-game, vão ao cinema, teatro, etc. Isso graças ao trabalho realizado pela instituição Vida Positiva, instalada em Taguatinga, no Distrito Federal, que abriga e dá assistência a menores com idades entre 3 e 15 anos soropositivos.
A instituição oferece auxílio médico, odontológico, psicológico, social e educacional. Somente na parte médica, são 18 profissionais técnicos em saúde, responsáveis por ministrar os medicamentos nos horários precisos, conforme cada caso. Há, ainda, uma nutricionista responsável por elaborar um cardápio específico para cada uma delas possibilitando, dessa forma, controlar com mais eficácia os riscos das doenças metabólicas e um profissional voluntário de Fisioterapia, que atende as crianças uma vez por semana.
Todas as despesas dos jovens, como vestuário, material escolar e atividades de lazer são custeadas pela organização, que conta com o apoio financeiro de voluntários. “Quando elas passam o final de semana com os pais, garantimos uma alimentação de qualidade, o gás, tudo. Por conta dos remédios algumas têm colesterol alto, diabetes. E a gente não pode descuidar, né?”, explica a presidente do instituto, Vicky Tavares, chamada por “Vó Vicky”, pelas crianças.
Algumas crianças moram no local, o que exige profissionais em tempo integral para cuidar delas. “As crianças são encaminhadas à instituição pela Vara de Infância e Juventude do DF e o abrigo se tornou a casa de muitas delas, ou porque o juiz suspendeu o contato com os pais, muitas vezes por uso de drogas, ou por falta de vínculo familiar”, explica.
O resultado do trabalho realizado pela instituição é visto na saúde das crianças. Hoje, a quantidade de vírus no sangue, em muitos casos, é tão baixa que nem é possível detectar. Exemplo é a menina Vitória*, hoje com 15 anos, que aos nove chegou a pesar 6kg. “Ela é um exemplo de superação. A carga viral dela é praticamente inexistente e hoje ela vive a vida de uma criança sem a doença”, comemora a coordenadora.
Driblando o preconceito
Para a jornalista de 60 anos, que desde a década de 80 oferece apoio a pessoas que convivem com o vírus HIV, a maior barreira para realizar trabalhos desse tipo no Brasil ainda é o preconceito. Dias atrás, por exemplo, um professor de música se recusou a dar aula para as crianças quando soube que elas têm HIV. “O Estado peca em não informar que o vírus não passa no toque, no beijo, no aperto de mão, no abraço. Mas a sociedade também tem que fazer a sua parte. Tem que procurar conhecer mais sobre esse universo”, argumenta.
Para Vicky Tavares, que em junho tornou-se Cidadã Honorária de Brasília em reconhecimento ao trabalho que realiza na entidade, as crianças são conscientes que vão sofrer preconceito em vários lugares e que precisam superar essa dificuldade diariamente. “Quando ocorre alguma coisa na escola, por exemplo, a gente conversa sobre o assunto até na hora do almoço se for preciso. E elas são fortes. Já aprenderam a conviver com isso”, completa.
Indo contra a maré, a funcionária pública Margareth Cristini Pereira decidiu festejar o aniversário deste ano de forma muito especial e solidária. Os 26 anos foram comemorados no último domingo (17) na Fraternidade Assistencial Lucas Evangelista (Fale), que abriga 100 famílias com HIV. Aos amigos, solicitou doações para a entidade como presente, e claro, a presença na festa. “Conheci a entidade há dois anos e sei que existe muito preconceito. A idéia foi mostrar que é possível convivermos todos, sem segregação”, completa.
Segundo a coordenadora da entidade, que tem o vírus HIV, Dalva Maria da Silva, a realização de eventos como esse ajuda na divulgação da instituição e atrai mais pessoas para conhecer o trabalho da Fale. “Por meio de uma pessoa, a gente conhece outra e assim nós vamos vivendo”, diz, otimista.
Ela afirma que a entidade vive apenas de doação e não recebe qualquer auxílio governamental. “Nós estamos sempre precisando de algumas coisas. Nos últimos dias, ganhamos uma Kombi e a gasolina também vem de doação. Nossa necessidade agora é carne, material de limpeza, fralda e leite”.
* O nome da menor é fictício.
Vida Positiva – Tel.: (61) 3034-0947 / 0948; Fundação Assistencial Lucas Evangelista – Tel.: (61) 3331-3556
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