A Equipe de Conservação da Amazônia (ACT Brasil), responsável pelo mapeamento de 15 milhões de hectares de áreas indígenas de 22 etnias na Região Norte do Brasil, foi reconhecida internacionalmente pela Agência dos Estados Unidos para o Desenvolvimento Internacional (USAID), um dos mais importantes do gênero no mundo, com o Certificado de Apreciação. O documento destaca os notáveis resultados no âmbito dos projetos e atividades implementadas pela instituição em parceria com o Programa de Meio Ambiente da USAID/Brasil, e a contribuição pela gestão sustentável das terras indígenas nas regiões amazônicas brasileiras.
Voltada para proteção biocultural da Amazônia e dos povos que nela residem, a ACT Brasil já capacitou cerca de 400 guarda-parques indígenas e não-indígenas, em curso realizado no Amapá desde 2003 e treinou mais de 2 mil pessoas nas áreas de gestão de projetos, manutenção de equipamentos, GPS, entre outros.
A proposta, segundo Vasco van Roosmalen, presidente da entidade, é incentivar o fortalecimento de associações indígenas, com a inserção de metodologias e tecnologias como forma de capacitá-los e permitir que eles administrem as próprias atividades. “Dessa forma não interferirmos nem afetamos a cultura e as tradições desses povos”, destaca. Em entrevista exclusiva para o Responsabilidade Social.com, Roosmalen fala sobre as ações da instituição, os projetos em curso e como a questão ambiental entrará na agenda política neste ano. Confira.
1) Responsabilidade Social – A ACT Brasil foi criada em 2002 para atender às necessidades das comunidades indígenas da Amazônia. Como é pautado o trabalho da instituição e de que forma a entidade trabalha para proteger a cultura e os povos que residem na floresta?
Vasco van Roosmalen – O trabalho é pautado em cima das demandas das comunidades parceiras de forma a fortalecê-las para que tenham o conhecimento e os instrumentos para dirigir os seus próprios projetos, estratégias e destinos.
2) RS – Umas das frentes de atuação da entidade é valorizar a cultura local. Mas como intervir nos costumes dos povos sem afetá-los? Como se dá o processo de construção das atividades desenvolvidas?
VR – O diferencial do nosso trabalho é inserir metodologias e tecnologias como forma de capacitá-los e permitir que eles administrem as próprias atividades. Dessa forma não interferirmos nem afetamos a cultura e as tradições desses povos. As atividades construídas são efetuadas por eles próprios para o bem da comunidade. Todos os projetos da entidade atualmente têm acompanhamento antropológico.
3) RS – Por levar em conta o conhecimento indígena, o trabalho da ACT Brasil serve de parâmetro para ações dentro e fora do país, quando o assunto é conservação ambiental. Como é a troca de saberes? Quais os principais conhecimentos apreendidos ao longo desses anos?
VR – Incentivamos a sabedoria da comunidade como um todo. Acreditamos que as melhores decisões em favor do futuro são feitos quando toda uma comunidade se junta pra analisar e decidir o melhor caminho. A troca de saberes acontece também no dia a dia entre as equipes técnicas e os representantes indígenas, que nos sensibilizam para termos paciência e entendimento pelas diferenças culturais. Podemos levar vários dias em reuniões apenas para expor o ponto de vista de cada comunidade envolvida.
4) RS – Como o senhor avalia o que foi feito pela ACT Brasil na Amazônia de 2002 até hoje? Quais os principais resultados que podem ser apresentados e os principais projetos em curso?
VR – De forma concreta já realizamos o mapeamento de 15 milhões de hectares de áreas indígenas de 22 etnias no Norte do País. A ACT Brasil também capacitou cerca de 400 guarda-parques indígenas e não-indígenas, em curso realizado no Amapá desde 2003, e mais de 2 mil pessoas treinadas nas áreas de gestão de projetos, manutenção de equipamentos, GPS e etc. Também incentivamos o fortalecimento de associações indígenas que hoje desenvolvem os próprios projetos e programas.
Como resultado, expandimos a rede de parcerias com instituições não-governamentais e governamentais para atingir um maior número de áreas e povos. Produzimos cerca de 40 publicações, entre revistas, livros, guias e folders, que mostram o trabalho como um todo da instituição e ensinam a forma de se desenvolverem trabalhos como, por exemplo, o mapeamento cultural das comunidades e o curso de guarda-parques.
5) RS – Como o senhor analisa a forma dos europeus e norte-americanos inserirem a questão das mudanças climáticas em suas agendas políticas? Que perspectivas existem depois de Copenhague? Esse modelo de reuniões diplomáticas do porte da COP15 ainda faz sentido?
VR – Não apenas a Europa e EUA, mas todos os países do mundo devem estar atentos às mudanças climáticas do planeta, algumas inclusive que já podem ser percebidas pelas próprias comunidades indígenas. É obrigação de todos trabalhar em conjunto dentro das suas possibilidades para mitigar os impactos e ajudar os países já afetados por estas mudanças a se adaptar de forma digna. De qualquer forma, isto não tira a responsabilidade dos que têm se beneficiado de forma mais ampla com as atividades que geram os impactos sobre o clima mundial. O ideal é que esses países e povos contribuam de forma concreta para implementar programas de mitigação em conjunto a fim de respeitar as prioridades e a qualidade de vida dos povos tradicionais.
6) RS – Qual é a sua avaliação sobre a forma que o governo brasileiro tem conduzido as questões ambientais? Para o senhor, os investimentos feitos nas causas ambientais são suficientes?
VR – É importante destacar que a discussão das soluções ambientais necessita da participação das comunidades locais visto que são as mais afetadas. Achamos que o investimento tem que ser direcionado à capacitação e geração de renda da sociedade civil ligado diretamente à conservação. É por isso que desenvolvemos o programa de guarda-parques para proporcionar um treinamento ao povo local e para que sejam reconhecidos e capacitados para atuarem diretamente na conservação do meio ambiente.
7) RS – O combate ao desmatamento no Brasil, inclusive com mecanismo de Redução de Emissões por Desmatamento e Degradação Florestal (REDD) está comprometido ou enfraquecido com o resultado da COP15?
VR – Eventos como o COP 15 são importantes para alinhar as discussões e procurar soluções mais viáveis para serem implementadas. Chegar a um consenso é um processo demorado, mas não é por isso que devemos desistir. Esse deve ser um processo paralelo às ações de cada país, que devem possibilitar o desenvolvimento de modelos para serem seguidos por outros países e eventualmente por todo o mundo.
8) De modo geral, o senhor acredita que a existência das leis ambientais, aliada a uma necessidade mundial de se desenvolver com sustentabilidade, tem melhorado a atitude das empresas em relação aos crimes ambientais no Brasil? Quem são os responsáveis pelos maiores crimes contra o ambiente no país?
VR – A ACT Brasil, sendo uma instituição que trabalha principalmente na capacitação de comunidades locais com soluções técnicas, não possui um levantamento de crimes ambientais. O nosso objetivo é criar a capacidade local dentro da sociedade civil para trabalhar com as autoridades do governo e as empresas envolvidas a solucionar cada caso. Isso porque a responsabilidade pelos crimes ambientais é variada e depende da realidade de cada lugar e de cada situação. Grandes empresas estão envolvidas, mas também muitos problemas são gerados pela falta de opções de renda e sustentabilidade econômica do povo local. Por isso cada caso precisa ser avaliado dentro do seu contexto. As leis precisam ser aplicadas para solucionar os problemas e não somente a repressão. Acreditamos que o aumento da geração de oportunidades seja decisivo para uma mudança de comportamentos.
9) RS – E sobre as questões relacionadas à diversidade. Como elas têm avançado no Brasil? Qual o panorama da situação do índio hoje nas políticas públicas?
VR – Atualmente existem diversos mecanismos como a Comissão Nacional de Política Indígena – CNPI em que representantes indígenas podem participar de debates públicos. O código civil também possibilita o direito às comunidades de se auto-representarem com suas associações. Por se tratar de uma minoria, é importante dar continuidade à criação de mecanismos que fortaleçam a comunicação e a discussão da temática.
10) RS – As próximas eleições presidenciais no Brasil serão influenciadas pela conferência de Copenhague? Que peso as questões climáticas terão nos planos governamentais dos candidatos?
VR – Todos os candidatos têm que ter uma proposta ambiental que una questões climáticas com assuntos que contemplam a preservação do meio ambiente como água limpa, poluição, uso sustentável dos recursos do país, entre outros. Esperamos que esses assuntos incentivem os debates não só na esfera presidencial, mas também em todos os níveis de candidatos, de vereador a senador.
11) RS – O que o senhor entende por responsabilidade social?
VR – Entendo que todos nós temos uma responsabilidade social e ambiental com a sociedade como forma de respeitar as pessoas independente da sua cultura, raça, crença ou classe. É nosso dever atuar no dia a dia para viver num mundo mais justo ambientalmente e socialmente, e para que possamos ser mais produtivos, gerando menos impacto no meio ambiente. Entendo que não fazemos isso apenas para os nossos filhos e netos, mas também por nós mesmos no presente.
Também gostaria de ressaltar que o discurso sobre o ambientalismo hoje às vezes tem sido usado numa linguagem que externaliza o assunto. “Fazemos isso pelo planeta” ou “o melhor para o meio ambiente”. O planeta vai continuar independente da gente. O meio ambiente é o nosso meio ambiente. Preservamos a água, o ar e os recursos naturais para garantir o nosso bem estar hoje e no futuro. Acredito que o desejo maior é que nossos filhos também possam usufruir das facilidades criadas e construídas pelo homem nas últimas décadas e que trazem melhorias na saúde e qualidade de vida. É para isso que lutamos.
ACT Brasil – Tel: (61) 3323-7863
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