Por Ana Lúcia Gomes
O Brasil está enfrentando fortemente uma trajetória histórica de violação dos direitos humanos e sociais, com destaque para a área da infância e adolescência. A experiência brasileira de implementação da Convenção sobre os Direitos da Criança na garantia dos direitos de crianças e adolescentes tem reconhecimento internacional ao lado do Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), promulgado pela Lei 8069/90, que tem servido de inspiração e modelo para vários países. O Estatuto reafirma o paradigma da proteção integral, inspirado pela concepção da criança e do adolescente como prioridade absoluta, sujeitos de direito, em condição peculiar de desenvolvimento.
Soma-se o fato do país ser signatário das Convenções 182 e 138 da Organização Internacional do Trabalho – OIT, respectivamente sobre as piores formas de trabalho infantil e sobre a idade mínima para admissão ao emprego, e a promulgação do Decreto Nº 6.481, assinado pelo Presidente da República em 12 de junho de 2008, discutido e encaminhado pela Comissão Nacional de Erradicação do Trabalho Infantil (Conaeti), estabelecendo a Lista das Piores Formas de Trabalho Infantil incluindo a exploração sexual, e qualificando o enfrentamento desta perversa violação de direitos.
A primeira década dos anos 2000 tem se caracterizado pela proposição de ações articuladas e intersetoriais, a exemplo do Plano Nacional de Enfrentamento da Violência Sexual Infanto-Juvenil, aprovado em 2002 como resposta do Estado Brasileiro ao compromisso assumido no I Congresso Mundial de Enfrentamento da Exploração Sexual de Crianças e Adolescentes, realizado em Estocolmo/1996, produto que expressa concretamente a mobilização governamental e da sociedade civil frente à violação de direitos da criança e do adolescente, além dos Planos Nacionais de Erradicação do Trabalho Infantil e do Direito à Convivência Familiar e Comunitária.
No contexto das políticas sociais, o Brasil está vencendo a fome e defronta-se hoje com o desafio de reduzir cada vez mais a pobreza e as desigualdades. Desde 2003, com a posse do presidente Lula, a implantação do Programa Bolsa Família e a criação, em 2004, do Ministério do Desenvolvimento Social e Combate à Fome (MDS), o governo federal desenvolve, de forma articulada, integrada, participativa e republicana, três importantes políticas: transferência condicionada de renda, assistência social e segurança alimentar e nutricional.
Em 2005, o MDS, a partir de pactuação federativa com os estados, os municípios e o Distrito Federal e de aprovação e articulação com o Conselho Nacional e os Conselhos Estaduais e Municipais de Assistência Social, implantou o Sistema Único de Assistência Social (SUAS), dando materialidade à política pública de assistência social, reorganizando os seus projetos, programas, benefícios e serviços e resignificando a sua gestão e o seu financiamento, na perspectiva de assegurar direitos de cidadania.
Com o SUAS as ações de assistência social são organizadas tendo como referência o território onde as pessoas moram, considerando suas necessidades e potencialidades. Os serviços devem ser desenvolvidos nos territórios mais vulneráveis, tendo a família como foco da atenção, por meio de dois tipos de proteção social – básica e especial – desenvolvidas e coordenadas pelas unidades públicas: Centros de Referência de Assistência Social (CRAS) e Centros de Referência Especializados de Assistência Social (CREAS).
O CRAS é uma unidade pública estatal descentralizada de assistência social, localizada em áreas com maiores índices de vulnerabilidade e risco social dos municípios. Caracteriza-se como o lugar que possibilita, na maioria das vezes, o primeiro acesso das famílias ao campo dos direitos socioassistenciais e, portanto, à proteção social. E, por meio do Programa de Atenção Integral à Família (PAIF), oferta serviços e ações socioassistenciais de caráter continuado, por meio do trabalho social com famílias em situação de vulnerabilidade social. Tem por objetivo prevenir o rompimento dos vínculos familiares e a violência no âmbito de suas relações, garantindo o direito à convivência familiar e comunitária.
É um programa estratégico do Sistema Único de Assistência Social (SUAS), pois potencializa a atenção da política de assistência social às famílias, por integrar os serviços socioassistenciais, programas de transferência de renda, benefícios assistenciais e por re-significar os territórios onde é implantado, identificando seus recursos, estimulando a construção de projetos coletivos e auxiliando no desenvolvimento local.
O atendimento especializado às crianças, aos adolescentes e famílias em situação de violência, abuso e exploração sexual ocorre por meio do CREAS, unidade pública estatal de proteção social especial que oferece atenções especializadas de apoio, orientação e acompanhamento a indivíduos e famílias em situação de ameaça ou violação de direitos, contando com uma equipe multiprofissional que presta atendimento e acompanhamento técnico psicossocial e apoio jurídico. Além de equipes de abordagem em locais públicos, que realizam o mapeamento e encaminhamento das situações de risco e/ou violação de direitos que envolvam crianças e adolescentes.
O CREAS deve funcionar de forma articulada com o Sistema de Garantia de Direitos, incluindo outras políticas públicas e promovendo a referência e a contra-referência com os programas e serviços de proteção social básica, como o CRAS.
Em 2004, esse atendimento era ofertado em 226 municípios, com custo anual de R$ 14.2 milhões. A partir de 2005, passou por um significativo processo de reorganização no âmbito do SUAS, que desencadeou uma relevante expansão de atendimento, abrangência e recursos realizados com base na Matriz Intersetorial de Enfrentamento da Exploração Sexual Comercial de Crianças e Adolescentes (ESCCA) e no pacto federativo entre as três esferas de governo, contemplando todos os municípios com incidência do fenômeno apontados nesse instrumento nacional de pesquisa, bem como as regiões de fronteira e cidades gêmeas do país. Em 2007 atingiu 1.109 municípios, com transferência de recursos no valor de R$ 58.549.200,00 milhões, permitindo o atendimento de aproximadamente 65,9 mil crianças e adolescentes em 933 CREAS.
No ano de 2008 o MDS está implantando 124 novos CREAS com o custo mensal adicional de R$ 544.300,00, totalizando o co-financiamento de 1.054 CREAS, entre eles, 42 de abrangência regional, o que representa uma cobertura de 1.230 municípios em todas as regiões brasileiras. Os recursos mensais destinados ao co-financiamento desta ação, referente ao mês de outubro de 2008, totalizaram R$ 6.934.936,00.
O combate ao trabalho infantil ampliou-se com a integração entre o Programa de Erradicação do Trabalho Infantil (PETI) e o Programa Bolsa Família. O processo permitiu o alcance das famílias incluídas no maior programa de transferência de renda do Brasil, que é o Bolsa Família, na medida em que estende às famílias com crianças/adolescentes em situação de trabalho os serviços socioeducativos do PETI no contra turno escolar e o acompanhamento dessas famílias pelos programas e serviços do SUAS, na dinâmica da integração dos benefícios com os serviços sociassistenciais.
O PETI, integrado ao Bolsa família, atende atualmente 859.809 crianças/adolescentes retirados do trabalho em 3.471 municípios, com possibilidade de ampliação mediante a identificação das situações de trabalho infantil e a inserção dos dados dessas crianças/adolescentes no Cadastro Único do Governo Federal, pelos municípios.
No mês de outubro foi efetuado o repasse de R$ 48.733.518,00 para a transferência de renda direta às famílias e R$ 21.865.500,00 para os municípios executarem o atendimento por meio dos Serviços Socioeducativos do programa.
Ao integrar os programas, os beneficiários assumem compromissos nas áreas de Saúde, Educação e Assistência Social – denominadas “condicionalidades” – cujo objetivo é ampliar o acesso dos cidadãos aos seus direitos sociais básicos.
Por esta trajetória e, sobretudo, pelo firme propósito de se avançar na construção de intervenções no âmbito das políticas públicas, centradas no princípio da defesa dos direitos, da universalidade, das gestões participativas e descentralizadas, por meio de práticas transdisciplinares, integradas e intersetoriais, que o Brasil assumiu o compromisso de realizar, neste ano, o III Congresso Mundial de Enfrentamento da Exploração Sexual de Crianças e Adolescentes, no Rio de Janeiro, com o objetivo de fomentar e construir coletivamente ações para promover uma significativa mobilização nacional e internacional acerca da temática, pautando 170 países, 160 delegações oficiais, num universo de 3.147 delegados/as inscritos/as, com vistas a fortalecer o diálogo e a proteção e promoção dos direitos de crianças e adolescentes num contexto mundial.
Durante os três dias de evento, o tema foi debatido em 77 oficinas, 200 experiências (nacionais e internacionais) e 12 diálogos com segmentos de governos, gestores públicos, jornalistas, parlamentares, pesquisadores, empresários, justiça, Ongs, entre outros. Foi elaborado o Pacto Internacional do Rio de Janeiro, afirmando ou reafirmando compromissos dos setores público e privado, da sociedade civil e da cooperação internacional com avanços e ações que priorizem a eliminação da exploração sexual no cenário mundial.
Cumpre ressaltar que a escolha do Brasil para sediar o evento demonstra o reconhecimento internacional acerca dos avanços das estratégias e políticas adotadas pelo país e que se constituem, hoje, referência não apenas no âmbito do Mercosul, mas também nas cooperações Ibero-Americana e Sul-Sul.
Ana Lúcia Gomes – Secretaria Nacional de Assistência Social; Ministério do Desenvolvimento Social e Combate à Fome (MDS)
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