
Ricardo Rose
Por Ricardo Rose.
A água sempre desempenhou um papel muito importante na cultura de todos os povos. Os antigos egípcios contavam que no início dos tempos havia um grande mar primordial, chamado Nun, cujas forças caóticas continham as sementes de todas as formas de vida possíveis. Foi a partir de Nun que todo o universo, incluindo os seres vivos, se desenvolveu. Os babilônios, povo contemporâneo dos egípcios, também tinham seus mitos de criação relacionados com a água. No início, nada havia além de Apsu, o oceano de água doce, e Tiamat, o mar de água salgada. Da combinação destes dois oceanos surgiram as diversas divindades, dentre as quais Anu e EA, que geraram Marduk, mais tarde a divindade máxima da babilônia.
No outro lado do mundo, o povo maia criou um império que se estendia do México até a Guatemala, dominando a região de 300 d.C. a 900 d.C. Alguns arqueólogos relacionam o desaparecimento do império maia a questões ambientais, entre as quais a escassez de água. Não é por acaso que duas divindades muito importantes do panteão maia foram Tlaloc, o deus da chuva e Chalchiutlique, a deusa da água. A relação com a água se repete entre todos os povos, inclusive os gregos e romanos, que também tinham suas divindades relacionadas com as fontes, às águas e o mar. O próprio surgimento da filosofia, no século VII a.C. entre os gregos, tem relação com a água: Tales da cidade de Mileto (atual costa mediterrânea da Turquia) considerava a água o elemento primordial, aquele que tinha dado origem a todas as coisas e todos os seres. Convêm lembrar que a própria ciência contemporânea dá como local de origem da vida a água, há cerca de 3,8 bilhões de anos.
Se nos antigos mitos de povos tão díspares, a água – seja como oceano, rio ou chuva – aparece tão freqüentemente, podemos imaginar o quanto aquelas civilizações veneravam a água, expressando-o em suas religiões. Tinham consciência de que a ausência das benéficas enchentes do Nilo ou do Eufrates poderia causar fome e conflitos sociais; significaria o fim do seu mundo. Nós, habitantes de um século com confortos materiais nunca imaginados por nossos antepassados, esquecemo-nos de que ainda há duas ou três gerações não havia água facilmente disponível como hoje. Em nossa sociedade consumista ignoramos o valor da água; sua disponibilidade é evidente, basta abrir uma torneira, um registro ou destampar uma garrafa.
No próximo dia 22 de março comemora-se o Dia Internacional da Água. A data, festejada em todo o mundo, deve servir de alerta e lembrar-nos de que os recursos hídricos são finitos e que não foram poucos os povos que desapareceram (muitos sem deixar memória) por falta de água. De acordo com o Relatório de Desenvolvimento Humano 2006, publicação anual do Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (PNUD), cerca de 90% da população do Brasil tem acesso à água potável. Esta proporção é semelhante à de países com alto índice de Desenvolvimento Humano (IDH), como a Coréia do Sul (92%) e Cuba (91%). Todavia, a distribuição deste serviço no território brasileiro é desigual. Em muitos estados brasileiros o número de residências ligadas à rede de abastecimento chegou a cair como é o caso do Amazonas, Goiás, Amapá, Pará e do Distrito Federal. Com relação ao tratamento de esgoto, a situação brasileira é péssima: somente cerca de 15% de todo o esgoto doméstico é efetivamente tratado e devolvido à natureza em condições razoáveis. O restante do volume é despejado nos cursos de água, aumentando a poluição e encarecendo o custo do tratamento da água para consumo, extraída dos mesmos rios. A represa de Guarapiranga, localizada na zona sul da cidade de São Paulo e suprindo com água grande parte desta região, é um exemplo típico do que vem acontecendo em muitas regiões do país. Segundo o jornal O Estado de São Paulo, em sua edição de 25 de marços de 2007, “na década de 80, a SABESP (companhia estadual que trata a água e o esgoto da região metropolitana de São Paulo e de grande parte do estado) usava 25 kg de produtos químicos para cada 1.000 m³ de água da Guarapiranga. Nos anos 90, esta proporção subiu para 60 kg de substâncias como sulfato de alumínio e cloreto férrico. Hoje são necessários 80 kg.” O motivo de tal poluição da água, segundo o jornal, é o aumento da população no entorno da represa, ocupando áreas que deviam estar sob proteção. De acordo com um documento produzido pela ONG Instituto Socioambiental (ISA) o reservatório tem 57% de seu entorno alterado por atividades humanas. Mais de 80% do esgoto produzido por essa população (cerca de 900.000 segundo a SABESP) é despejado diretamente no reservatório. São fatos que assustam e forçam-nos a pensar no futuro do abastecimento de água da cidade de São Paulo.
Um providência que poderá ajudar bastante a resolver a questão do saneamento do Brasil é a efetiva implementação da lei de cobrança da água, ou seja, todos aqueles – sejam municípios, empresas ou particulares – que retirarem água de rios, lagos ou do solo, devem pagar uma taxa. O recurso foi criado pela Lei de Recursos Hídricos de 1977, mas até agora só foi introduzido nas bacias hidrográficas do estado do Ceará e nos rios Paraíba do Sul (São Paulo, Minas e Rio) e Piracicaba/Capivari, em São Paulo. Os recursos arrecadados pela cobrança são investidos nos próprios comitês de bacia hidrográfica, na realização de obras que melhorem a qualidade da água dos rios.
A piora da qualidade da água poderá diminuir ainda mais a qualidade de vida de milhões de brasileiros. Aumentarão os casos de doença e mortalidade infantil, assim como outras moléstias ligadas à poluição dos recursos hídricos. Já é hora do governo parar de fazer superávit no balanço, à custa de investimentos em setores vitais à população.
Ricardo Rose é Diretor de Meio Ambiente da Câmara de Comércio e Indústria Brasil-Alemanha. E-mail: mambiente@ahkbrasil.com
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