
Jovens aprendem técnicas de percussão corporal e recebem prêmio nacional
O coordenador do Instituto Batucar, Ricardo Amorim, detalha na entrevista exclusiva ao Responsabilidade Social.com os principais resultados da instituição que há dez anos utiliza a cultura como ferramenta de inclusão social.
Com sede no Recanto das Emas, área de baixa renda do Distrito Federal (DF), o instituto oferece aulas de percussão corporal e atende atualmente mais de 90 famílias. O projeto também tem uma proposta educacional e realiza reforço escolar que já elevou para 93% o índice de aprovação entre os participantes das atividades.
“Nosso principal desafio consiste em sistematizar nossos procedimentos e apresentar nossa experiência como um modelo, que possa nortear futuras políticas públicas de inclusão sociocultural para o DF”, defende Amorim.
Nesta segunda-feira (7), o instituto recebeu o troféu de ouro do “Prêmio ANU 2010/CUFA”, criado pela Central Única das Favelas (Cufa) e que tem por objetivo chamar a atenção da sociedade para os projetos socioculturais que impactaram positivamente as comunidades populares durante o ano de 2010. Confira na matéria como o trabalho do Batucar é realizado e as principais metas para 2011.
1) Responsabilidade Social – O Instituto Batucar há dez anos oferece aulas de percussão corporal para jovens de baixa renda do Distrito Federal. Para o senhor, de fato a cultura é um meio eficaz e sustentável de transformação social?
Ricardo Amorim – Ao promovermos o desenvolvimento da expressão artística de grupos de camadas populares, os impactos principais observados, num primeiro momento, são as aprendizagens que a habilidade artística descortina para o dia a dia e o mundo do trabalho.
Temos assim, a arte como instrumento de conhecimento e transformação, e, a educação como caminho e processo para o saber. Num segundo momento, observamos a construção de conteúdos ao longo do processo que são pautados na cultura humanista, no protagonismo e na autonomia juvenil, na cidadania e na valorização da cultura local. Dessa forma, os jovens, adolescentes e crianças inseridas em nossos programas passam a ser reconhecidos como promotores de transformações sociais.
O incentivo à formação artística em populações vulneráveis permite a articulação de espaços, tempos, objetos e sujeitos de aprendizagem, estimulando, assim, o conhecimento dos bens e valores culturais no território. O resultado de tudo isso é belo e intangível, uma vez que mobiliza a produção de sentidos outros: sentidos de pertencimento, sentidos de mais vida, sentidos de comunhão com os territórios, com a cidade, com país e com o mundo.
2) RS – Como é pautado o trabalho da instituição e quantas pessoas estão envolvidas hoje?
RA – O trabalho do Instituto Batucar é pautado para promover a educação para a cidadania alicerçada no tripé: educação, cultura e proteção social, integradas às noções de cultura, identidade e patrimônio cultural, bem como, criar e desenvolver espaços de arte, esporte e lazer para promover transformações sociais a partir da conexão sadia entre indivíduo e sociedade. Finalmente, desenvolver trabalhos que criem perspectiva de sustentabilidade de modo a contribuir no incremento da economia familiar e da instituição. São 210 crianças, 90 famílias, 20 profissionais envolvidos diretamente com o projeto, além de colaboradores eventuais.
3) RS – A missão do instituto é desenvolver e implementar soluções de inclusão social e privilegiar os locais com baixo índice de desenvolvimento humano. Dentro desse contexto, o senhor poderia detalhar quais as alternativas encontradas para a intervenção social no Distrito Federal e porque o instituto fez opção por essas atividades?
RA – A percussão corporal consolidou-se como eixo principal que encontramos para uma intervenção social no DF. Isso aconteceu não de maneira planejada, mas sim, por pura necessidade. Quando iniciamos o trabalho eram 12 jovens para dois instrumentos musicais, então começamos a utilizar a percussão corporal como ferramenta alternativa. Em pouco tempo já atendíamos 20 alunos e começávamos então a trilhar um caminho de pesquisa e experiências que nos revelou uma tecnologia eficaz e eficiente de acesso à música.
Além disso, outro fator importante a destacar foram os desafios encontrados para outras demandas que surgiram no caminhar com a comunidade do Recanto das Emas. Tínhamos um quadro inicial de altos índices de evasão e defasagem escolar da população juvenil. Começamos então a atender crianças e descobrimos que a alfabetização não consolidada refletia nos problemas já detectados junto aos adolescentes.
Conhecendo melhor as famílias, também descobrimos um despreparo da parte dos pais, para o acompanhamento da carreira escolar dos filhos. Então começamos a preparar lideranças entre os jovens da própria comunidade, capacitando-os como monitores que auxiliavam nas aulas de músicas e também no acompanhamento escolar dos alunos mais novos.
Por meio de parcerias via leis de incentivo do Ministério da Cultura e da Secretaria de Cultura do DF, conseguimos os primeiros recursos para que esses jovens monitores fossem remunerados com o compromisso de continuarem sua formação escolar. Em pouco tempo surgiram bons resultados, como erradicação do abandono escolar entre os alunos atendidos, elevação dos índices de aprovação escolar, e, entre os jovens, inclusão no ensino superior. Atualmente, temos alunos egressos do nosso projeto que são formados em cursos como Psicologia, Administração, Pedagogia, Sistema de Redes para Internet entre outros.
4) RS – Já são dez anos de trabalho intenso. Qual o balanço que o senhor faz do que já foi feito? Em que projetos e metas vocês estão envolvidos para o futuro?
RA – Alcançamos uma metodologia consistente, no que tange à utilização da percussão corporal. Conseguimos também uma abordagem metodológica que permite alcançarmos melhores resultados escolares e também de arte/educação. Temos um trabalho em ascensão no que diz respeito ao reconhecimento, ferramenta necessária para a ampliação do atendimento e relacionamento.
Além da manutenção dos projetos atuais, queremos fortalecer o Projeto Batucadeiros Multiplicadores que consiste na formação de jovens como facilitadores, que já atuam em outras duas comunidades carentes do DF. Também estaremos produzindo material pedagógico e oficinas, além começarmos o projeto de construção de um Centro Cultural no Recanto das Emas.
5) RS – Quais os principais números que podem ser apresentados?
RA – Ao longo desses anos passamos de um atendimento semanal de 3 horas aos sábados com uma atividade para 45 horas semanais de segunda a sábado com múltiplas atividades de arte e educação. Eram 12 alunos em 2001, chegamos em 2010 atendendo 90 jovens e crianças em tempo integral e mais 120 alunos aos sábados, o que resulta em um total 210 alunos. Nos últimos três anos, foram realizadas em média 90 ações anuais envolvendo oficinas, campanhas de cidadania e apresentações e espetáculos.
Conseguimos também, manter os índices de aprovação escolar acima de 93% durante esse período, índices esses que configuravam entre 45% a 50% quando iniciamos a pesquisa. Dos jovens egressos do projeto temos 15 formados em nível superior, todos inseridos no mercado de trabalho, sendo que quatro atuam como professores no Instituto Batucar.
Temos dois espetáculos montados: “Água, música da vida” que trata da questão ambiental, e o “Coisa de Criança” que é voltado para universo infantil onde as brincadeiras de crianças são reinventadas a partir da percussão corporal. Temos alcançado como reflexo de tudo isso, o reconhecimento institucional em nível nacional sendo o projeto ganhador regional junto ao Prêmio Itaú-Unicef 2009 e o Prêmio Anu/CUFA 2010. Estamos agora participando da etapa nacional do Prêmio Anu, em que concorremos com projetos sociais de todo o Brasil.
6) RS – Como o senhor avalia o atual cenário político do DF no que se refere à promoção social e quais serão os principais desafios do instituto dentro desse contexto?
RA – Existe por parte do governador Agnelo Queiroz o compromisso assumido de ações e políticas para as crianças, além do fortalecimento das políticas públicas de educação, cultura, esporte, saúde e assistência social. Podemos encontrar o mesmo compromisso assumido pela presidente Dilma Rousseff na esfera federal.
Esse contexto, para nós, representa um cenário positivo, com muitas possibilidades. Nosso principal desafio consiste em sistematizarmos nossos procedimentos e apresentarmos nossa experiência como um modelo, que possam nortear futuras políticas públicas de inclusão sociocultural para o DF.
7) RS – Percebe-se que para que um trabalho social tenha um alcance cada vez maior é preciso haver uma ação conjunta do governo, da sociedade e das empresas em relação a esse tema. Como o senhor acha que isso pode ser feito? Há um ambiente favorável para esse tipo de parceria no DF?
RA – O contato com o Prêmio Itaú-Unicef possibilitou-nos o privilégio de conhecermos projetos sociais de todo o Brasil. Existem inúmeras iniciativas por parte da sociedade civil organizada que apontam para soluções criativas, de baixo custo financeiro e com resultados de altíssimo valor social.
Nessa perspectiva, entendemos que para haver uma ação conjunta dos três setores (governo, empresas e sociedade) são necessárias ações de mobilização que permitam o encontro dos interesses de cada setor representado, em torno da construção de um cenário social mais igualitário. Essa mobilização deve estar voltada para fortalecer as organizações sociais e induzir políticas de educação integral.
8) RS – Qual o orçamento do instituto para este ano e de onde vêm esses recursos?
RA– Sustentabilidade é o grande desafio de todo trabalho social. O orçamento do instituto está atrelado aos recursos obtidos em editais e projetos apresentados em sua maior parte. Assim, temos o desafio de alcançar um orçamento estimado em R$ 400 mil em 2011. Temos atualmente, um projeto aprovado junto ao Conselho dos Direitos da Criança e do Adolescente do Distrito Federal (CDCA/DF) com apoio da Oi Futura que deve representar algo em torno de 15% desse montante. Ou seja, temos muito trabalho para 2011.
9) RS – O que o senhor entende por responsabilidade social?
RA – Amar o próximo como a si mesmo.
Instituto Batucar – Telefone: (61) 9256-6129
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