
O advogado especialista em terceiro setor, Renato Dolabella, faz uma avaliação da Lei 12.101/09, mais conhecida como a “Lei da Filantropia”, que completou três anos no último dia 27. De acordo com ele, a medida trouxe morosidade para a tramitação de processos na área e pouco contribui para o avanço do segmento no país.
Dolabella também analisa o marco regulatório do terceiro setor brasileiro. Na opinião dele, eventuais modificações na legislação só serão eficientes se efetivamente abordarem os problemas concretos das ONGs. “Uma lei que seja elaborada sem que sejam ouvidas as entidades do terceiro setor dificilmente promoverá algum avanço”, destaca.
O especialista avalia ainda na entrevista como o governo brasileiro tem conduzido as questões sociais e como a agenda social avançará na próxima década no país. “Temo estarmos vivendo um momento similar, no qual não há uma preocupação efetiva para que se estabeleça um equilíbrio entre a atuação estatal e privada nas áreas sociais. Isso é preocupante, pois o governo deve ver o terceiro setor como um parceiro importante para a implementação de políticas públicas nesse campo social e não como um antagonista que deva ser esvaziado”. Leia e entrevista na íntegra.
1) Responsabilidade Social – Qual a avaliação que o senhor faz dos três anos de instituição da Lei 12.101/09, chamada de “Lei de Filantropia”?
Renato Dolabella – A “Lei de Filantropia” tem sido objeto de diversos problemas para o terceiro setor. A competência para concessão do Certificado de Entidade Beneficente de Assistência Social (CEBAS) foi transferida do Conselho Nacional de Assistência Social para três ministérios distintos (Saúde, Educação ou Desenvolvimento Social), de acordo com a área de atuação do requerente. Porém, ainda hoje é possível verificar carência de regulamentação da concessão em alguns setores, como a educação, por exemplo. Além disso, os ministérios não têm conseguido analisar os pedidos de concessão e renovação em um tempo razoável. Há casos de entidades que levam anos para receber uma resposta em relação ao seu processo. Tudo isso gera uma insegurança muito grande para o terceiro setor.
2) RS – Mas é possível aponta alguns avanços que esse instrumento trouxe?
RD – A segmentação da concessão do CEBAS por áreas poderia ter sido um avanço, caso essa mudança tivesse sido planejada e executada adequadamente. Porém, na prática se mostrou um retrocesso. Não há interação entre os ministérios, de modo que há casos de entidades que estão com seus pedidos de concessão tramitando de uma área para outra, sem que haja uma definição clara de quem será o responsável pela análise.
Verificamos também situações nas quais nenhum dos ministérios reconhece a atividade exercida pela ONG como dentro de sua área, como é o caso das casas de apoio a doentes com aids, câncer e outras enfermidades. Essas entidades acabam em um limbo jurídico, o que é prejudicial para sua sustentabilidade e, logicamente, para o público que atendem. Além disso, a separação por áreas sem a manutenção de um fórum de discussão e deliberação no qual as entidades tenham voz e voto junto ao Poder Público para questões relativas à concessão do CEBAS também é um problema.
3) RS – Para o senhor, é possível aferir os benefícios da lei para a gestão das organizações sociais?
RD – Da forma como a legislação foi concebida e tem sido executada, não há como falar em benefícios para a gestão das ONGs. Os procedimentos para concessão do CEBAS tornaram-se mais complexos, carecem ainda de regulamentação em diversos casos e a insegurança é geral. A questão da remuneração de dirigentes, que seria um avanço caso fosse expressamente permitida pela legislação para as entidades tituladas com o CEBAS, permaneceu vedada na Lei 12.101/09.
As organizações que militam na assistência social se queixam da exigência de gratuidade total em suas atividades, o que afeta sua sustentabilidade – há questionamentos até mesmo quanto a doações realizadas pelas famílias dos assistidos – bem como argumentam contra a tipificação das atividades que são consideradas hoje como assistenciais, uma vez que várias hipóteses estão sendo deixadas de fora.
As entidades educacionais reclamam da falta de regulamentação para esclarecer diversos aspectos específicos de sua área. Todas as organizações se queixam da morosidade dos processos de concessão e renovação. Considerando tudo isso, como falar em benefícios para a gestão das ONGs?
4) RS – Como o senhor avalia o marco regulatório do terceiro setor do país?
RD – A discussão do marco regulatório do terceiro setor é recorrente, pois estamos enfrentando diversos problemas que não são novos. Porém, eventuais modificações na legislação só serão eficientes se efetivamente abordarem os problemas concretos das ONGs. Para tanto, é preciso desenvolver uma cultura junto a todos os setores – Estado, empresariado e sociedade civil – para que fique claro o papel do terceiro setor e sua relevância.
Além disso, qualquer marco regulatório deve buscar legitimidade com a participação efetiva das ONGs na sua concepção, inclusive porque essas organizações são as pessoas mais habilitadas para expor os problemas e propor soluções. Uma lei que seja elaborada sem que sejam ouvidas as entidades do terceiro setor dificilmente promoverá algum avanço.
5) RS – Para o senhor, quais os desafios do Brasil para estabelecer uma legislação que possibilite uma gestão mais eficiente das instituições do terceiro setor?
RD – Muitos dos defeitos da legislação atual decorrem de visões distorcidas sobre o terceiro setor ou mesmo de desconhecimento quanto às particularidades relativas ao funcionamento das entidades. Há questões que estão se perpetuando e as mudanças nas leis não apresentam soluções.
A Lei 12.101/09, por exemplo, manteve problemas que já existiam na Lei 8.212/91, como a proibição de remuneração de dirigentes para as entidades tituladas com o CEBAS. Assim, o maior desafio, nesse momento, é justamente promover uma conscientização geral sobre o papel das ONGs, que são comumente alvo de preconceitos motivados pela conduta de uma minoria. A partir daí, a legislação poderá ser ajustada de forma mais eficiente.
6) RS – Qual é a sua avaliação sobre a forma que o governo brasileiro tem conduzido as questões sociais?
RD – Em relação ao governo federal e a área de filantropia alcançada pela Lei 12.101/09, percebo uma tentativa de centralização por parte do Poder Público. Porém, isso tem colocado em risco a existência de diversas entidades, se considerarmos especialmente os requisitos para concessão do CEBAS, a demora em sua análise e o impacto tributário negativo contra as organizações.
Historicamente, há diversos precedentes de Estados que procuraram concentrar em si toda a execução de atividades sociais, para depois não mais conseguir gerenciar adequadamente o modelo ou mesmo sustentá-lo economicamente. Temo estarmos vivendo um momento similar, no qual não há uma preocupação efetiva para que se estabeleça um equilíbrio entre a atuação estatal e privada nas áreas sociais. Isso é preocupante, pois o governo deve ver o terceiro setor como um parceiro importante para a implementação de políticas públicas nesse campo social e não como um antagonista que deva ser esvaziado.
7) RS – Qual a sua opinião sobre o terceiro setor no país e como avançará a agenda social brasileira na próxima década?
RD – Assim como o primeiro e segundo setores, o terceiro setor é fundamental para a sociedade. Temos milhares de entidades que são comprometidas e que exercem um papel relevante na agenda social. Há uma pluralidade de temas que devem ser objeto de atenção constante, mesmo porque a sociedade é dinâmica e, a cada momento, há novos assuntos surgindo.
Porém, para que as organizações possam gerar resultados cada vez melhores nesses diversos campos, é preciso um movimento geral de profissionalização do terceiro setor. Eventuais modificações na legislação são importantes para que se alcance tal objetivo, mas não podemos nos esquecer que é também imprescindível promover a capacitação de profissionais para atuarem junto às ONGs. Somente dessa forma avançaremos de maneira eficiente no campo social.
8) RS – Qual o seu entendimento do termo ‘responsabilidade social’
RD – É sempre importante lembrar que o conceito de “responsabilidade social” pode ser amplo e diverso. Pode tomar várias formas, desde o empresário que contribui com a atuação de uma entidade do terceiro setor até aquele cidadão que atua como voluntário.
Assim, a melhor compreensão do termo parece envolver a noção de que todos (primeiro, segundo e terceiro setores) compartilhamos o mesmo espaço e, portanto, temos uma responsabilidade para que nossas ações sejam harmônicas, de modo a possibilitar, direta ou indiretamente, a execução de atividades capazes de trazer bem estar para toda a sociedade.
Renato Dolabella – Telefone: (31) 3425-1753
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