
O sócio da empresa de consultoria Caos Focado, Miguel Chaves, faz uma análise do cenário brasileiro em inovação social. Na opinião dele, o entendimento sobre esse conceito ainda é frágil no País e muitos acreditam que trabalhar nesse setor requer apenas caridade e não analisam a área como um potencial de negócio.
“Há uma parcela que ainda não consegue ver a inovação social como carreira empresarial”, alerta Chaves, que dirige a área de Inovação Social da empresa. A Caos Focado já desenvolveu projetos de forte impacto em parceria com instituições do terceiro setor. Exemplo é um armazém sustentado para evitar a invasão de roedores aos estoques de cereais em tribos indígenas na Vila do Bananal (TO) e um aquecedor solar de baixo custo na periferia de São Paulo. Destaque também para um computador de baixo custo e uma rede social via mensagem de voz de celulares em comunidades em Gana, na África.
Por considerar os projetos como ações de grande importância, a instituição mantém em sua estrutura um departamento com foco em tecnologia para inovação social. Entretanto, Chaves destaca que as ideias não são concebidas dentro do escritório – os funcionários vão a campo conhecer a realidade local.
“Durante o projeto, nós nos submetemos muito à vivência e experiência nos locais relacionados ao desafio não importando o quão pobre seja o local. Pela nossa experiência e devido ao passado de membros do nosso time é absolutamente fluido caminharmos nesses lugares e absorver conhecimento de forma rápida e profunda”, observa.
A área também fomenta parcerias estratégicas importantes como, por exemplo, o International Development Design Summit (IDDS), do qual é mentor e organizador, em parceria com o laboratório de sustentabilidade da Universidade de São Paulo (USP) e o Instituto Tecnológico da Aeronáutica (ITA). Miguel Chaves detalha na entrevista exclusiva como é o trabalho da Caos Focado. Ele também mostra a importância de se estabelecer modelos de negócios para tornar um projeto sustentável. Acompanhe.
1) Responsabilidade Social – Com atuação na área de consultoria em inovação, a Caos Focado também desenvolve trabalhos voltados para inovações sociais. Como são realizadas essas atividades?
Miguel Chaves – Essas atividades são realizadas através de projetos. Primeiramente, o cliente, geralmente uma instituição do terceiro setor, possui alguma inspiração relacionada ao setor social. Nós desenvolvemos um desafio que ajudará a nos guiar durante todo o processo de desenvolvimento da solução. Esse desafio não necessariamente irá enclausurar a solução, visto que muitas vezes durante o processo criativo inspirações e necessidades mais pertinentes ganham maior prioridade. Por isso que o processo ocorre em forma de co-criação e colaboratividade com a entidade que o pediu. Para que ela possa também fazer parte nas decisões por onde o projeto caminhará.
Durante o projeto, nós nos submetemos muito à vivência e experiência nos locais relacionados ao desafio não importando o quão pobre seja o local. Pela nossa experiência e devido ao passado de membros do nosso time é absolutamente fluido caminharmos nesses lugares e absorver conhecimento de forma rápida e profunda. Apenas voltamos ao escritório quando realmente temos que consolidar todo o conhecimento adquirido em campo em forma de modelos e mapa mentais.
2) RS – Quantos institutos e organizações já foram acompanhados pela Caos Focado? Você tem um balanço dos projetos contemplados?
MC – Por volta de cinco instituições. Entre os projetos estão o armazém sustentado para evitar o acesso de roedores aos estoques de cereais em tribos indígenas na Vila do Bananal em Tocantins; a reutilização de água no processo de biodigestão da Índia; computador de baixíssimo custo em Ghana (http://www.playpower.org); dispositivo para medir peso e altura de crianças em vilas afastadas do centro de Uganda; aquecedor solar de baixo custo nas favelas da periferia de São Paulo; rede social via mensagem de voz de celulares em comunidades em Ghana e; International Development Design Summit – 2012
É interessante ressaltar que devido o grau de impacto que esses projetos precisam ter, eles na maioria das vezes são trabalhados em parceria e colaboração com outras entidades. Tratam-se de instituições parceiras pré-estabelecidas antes do projeto começar ou parcerias desenvolvidas durante o processo criativo da solução.
3) RS – Como um instituto pode contratar o trabalho da Caos Focado para o desenvolvimento de uma inovação social?
MC – Basta entrar em contato através do email caosfocado@caosfocado.com.br para estruturarmos o formato da nossa parceria.
4) RS – Na sua avaliação, o Brasil já é competitivo nesse setor?
MC – Não sei se a palavra competitividade traz o sentido correto para a sua pergunta. A Base da pirâmide é muito extensa, portanto há espaço para todo mundo trabalhar. E quanto mais projetos, maior vai ser o impacto. Sendo assim é bom que todos aconteçam sem necessariamente competirem entre si. Portanto, eu não diria que o Brasil está competitivo, mas sim que ele já está avançado no setor. Eu já vi um número significativo de projetos brasileiros em eventos da área social ocorrendo no exterior com resultados em expressão internacional. O ponto que o Brasil ainda carece é no entendimento da inovação social. Muitos ainda acreditam que trabalhar na área social requer apenas caridade e não analisam a área como um potencial de negócio social.
5) RS – Quais são as nossas principais vantagens nessa área e quais os gargalos do país? Há, por exemplo, políticas públicas eficientes?
MC – O fato de termos uma significativa parte da nossa população nas classes D e E abre um grande potencial para a inovação social. Ao mesmo tempo, há uma classe mais rica que cada vez mais entende seu papel na sociedade e faz questão de financiar novas tecnologias que cause impacto nas camadas mais pobres da população. Entretanto, ainda há uma parcela significativa da população que não entende que a inovação social é inerente a qualquer empresa. Uma parcela que ainda não consegue ver a inovação social como carreira empresarial, mas apenas como uma necessidade que deve ser feita por outras pessoas/empresas ou em períodos extra-time como caridade.
6) RS – O governo anunciou a maior política pública brasileira para o setor de ciência, tecnologia e inovação (CT&I), com um orçamento da ordem de R$ 30 bilhões. Como o senhor avalia essa notícia? É uma medida que pode colocar o país em outro patamar na área de inovação?
MC – Eu acredito que o Brasil já vem entrando há alguns anos em outro patamar de inovação. Vemos cada vez mais multinacionais brasileiras ganhando mercado em outros países. Grande parte dessa competividade advém da tecnologia e inovação. Portanto, esse aumento com certeza será responsável cada vez mais por essa mudança de patamar.
Entretanto, há um problema bem latente ainda. Se verificarmos os ganhos de competividade brasileira em relação a outros países, nós vemos que o acesso a esses recursos pelas micro e pequenas empresas ainda é frágil. Na maioria das vezes, esse fato ocorre devido a burocracia, falta de informação dessas empresas ou simplesmente devido a falta de confirmação de crédito que elas possuem no mercado.
O maior exemplo brasileiro que temos em investimento governamental em inovação que é a Lei do Bem [11.196/2005] não pode ser concedido para micro e pequenas empresas dado que essa lei trabalha sobre lucro real. Micro e pequenas empresas estão sobre o Simples ou sobre o lucro presumido. Sendo que é mais que comprovado que um significativo índice de inovação advém das micro e pequenas empresas como podemos ver em Israel ou no Vale do Sílicio, que são celeiros de empresas compradas por empresas maiores, esse cenário ainda atravanca o crescimento da inovação.
7) RS – Na sua opinião, quais os impactos que essa política pode resultar na área de inovação social?
MC – Tenho visto nos últimos anos um crescimento significativo da inovação social no Brasil. Entretanto, vem ocorrendo muito mais por mudanças de mindsets das empresas e pessoas devido à pressão da sociedade do que devido a políticas públicas. Sendo assim, não acredito que essa política trará profundos impactos no setor já que grande parte desses recursos ainda está moldada e facilitada para áreas tradicionais do mercado.
8) RS – Quais são os desafios do país nesse setor para a próxima década?
MC – É necessário criar uma legislação ou pelo menos alguns caminhos que compreenda e entenda a realidade dos negócios sociais e inovações sociais. Para que estes consigam se desenvolver mais estruturadamente.
9) RS – Quais as metas da Caos Focado para 2013 especificamente na área de inovação social?
MC – Diferente de outras áreas, quando trabalhamos em projetos de inovação social nossa métrica de resultado não se refere apenas à área financeira, mas também ao número de pessoas que o projeto impactou durante o seu desenvolvimento e após a sua implementação. Portanto, nosso objetivo para 2013 é desenvolver mais parcerias com institutos e organizações do terceiro setor para que possamos utilizar nossa expertise para impactar positivamente pessoas.
10) RS – Qual o seu entendimento do conceito ‘responsabilidade social’?
MC – Responsabilidade social ocorre a partir do momento em que a empresa deixa de tomar suas decisões apenas para aumentar o seu lucro após o abatimento do imposto de renda e coloca no mesmo nível de prioridade questões ambientais e sociais relacionadas à sociedade em que atua.
Caos Focado – E-mail: caosfocado@caosfocado.com
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