
Andrea Goldschmidt
Por Andrea Goldschmidt.
Os problemas sociais brasileiros são muitos e, por isso mesmo, é fundamental a união de esforços para otimizar os resultados alcançados através das ações sociais. ONGs, empresas, fundações, pessoas físicas, igrejas e governos, juntos, têm um enorme poder de transformação da realidade. Por isso, a busca de parceiros que sejam co-responsáveis pelo atingimento dos objetivos propostos é fundamental para que as ações tenham maior impacto, que os custos sejam reduzidos e que as experiências de uns possam ser aproveitadas por outros, aumentando a eficiência e a eficácia do trabalho social e otimizando o sistema como um todo.
Parcerias
Durante muito tempo as ONGs se colocaram como prestadoras de serviços, seja para o governo ou para qualquer outro financiador de suas atividades. Tenho convicção de que o papel das ONGs é muito maior do que este. Cabe a nós criar novas tecnologias sociais, buscar formas de viabilizar soluções para os problemas que enfrentamos, ajudar a difundir estas soluções a fim de beneficiar o maior número possível de pessoas, garantindo que o padrão de qualidade aplicado possa tornar cada uma das atividades que desenvolvemos uma referência mundial – como aconteceu no caso do tratamento e da prevenção da AIDS no Brasil.
Quando pensamos em parcerias, pensamos em uma cadeia de pessoas e organizações empenhadas em solucionar (ou ao menos minimizar) os problemas sociais existentes. Uma cadeia composta de muitos elos, todos igualmente importantes para a eficiência do sistema. Neste sentido, as ONGs devem ser parceiras de seus financiadores, não “escravas” do dinheiro que financia suas atividades. Sei que a tarefa de buscar recursos para a sustentabilidade dos programas sociais que operamos não é fácil. Como captadora de recursos, vejo muitas organizações que possuem um trabalho maravilhoso e que lutam dia a dia para se manterem funcionando.
O importante é termos em mente que a simples “busca de financiadores” pode fazer com que esta situação continue difícil para sempre, que estejamos sempre “correndo atrás de dinheiro” para viabilizar a continuidade de nossos programas. O desenvolvimento de relações de parcerias pode ajudar a evitar esta roda viva.
A definição de parceiro, de acordo com o dicionário é a seguinte: Parceiro = associado, colega, cada uma das pessoas que dançam juntas, pessoa que joga no mesmo time que a outra, duas ou mais pessoas contratualmente associadas como dirigentes de um negócio.
Desta forma, criar uma parceria é muito mais do que “buscar dinheiro” para viabilizar uma ação, é estabelecer um relacionamento de longo prazo, é associar-se ao financiador como dirigentes de um negócio, jogar no mesmo time das pessoas (ou empresas) que têm potencial para ajudar a sua ação a tornar-se maior e mais efetiva.
Os parceiros buscam juntos as soluções de problemas sociais. Cada um dos parceiros tem um papel específic alguns financiam as ações, outros as operacionalizam, cedem know how, indicam outros parceiros ou prestam trabalhos voluntários. O importante é que todos tenham a mesma visão, que persigam os mesmos objetivos, que “dancem juntos”. Os relacionamentos de parceria são muito mais duradouros, mais sólidos e, por isso, trazem resultados melhores na solução dos problemas sociais.
É claro que não é fácil construir uma relação de parceria, mas quanto antes começarmos a pensar e a agir desta forma, tanto antes seremos capazes de sonhar com uma situação mais tranqüila em termos de financiamento, manutenção e até de crescimento das nossas atividades! Segundo Aristóteles (384 – 322 a.C.) “Distribuir dinheiro é algo fácil e quase todos os homens têm este poder. Porém, decidir a quem dar, quanto, quando, para que objetivo e como não está dentro do poder de muitos e nem tampouco é tarefa fácil”.
Da mesma maneira, “Receber dinheiro (ou outros tipos de apoio) é algo fácil e quase todas as ONGs têm este poder. Porém, decidir de quem receber, quanto, quando, para que objetivo e como não é tarefa fácil”. Muito mais do que simples financiadores, as ONGs precisam de pessoas e empresas que acreditem naquela causa e queiram envolver-se em sua solução. Pessoas e empresas que, comprometidas com um objetivo comum, permanecerão fieis à causa durante muito tempo, agindo em conjunto, tornando as ações mais sólidas e consistentes. Parceiros!
O Papel das ONGs
Durante muitos anos, enquanto a visão que prevalecia era a de que as ONGs atuavam como “substitutas” do Estado em diversas áreas onde ele não é eficiente, fazia sentido que o governo financiasse suas atividades. No novo papel proposto, as ONGs são mais do que prestadoras de serviços para o govern elas têm o papel de testar novas tecnologias de desenvolvimento social e devem pressionar o governo para que as boas práticas transformem-se em políticas públicas, operadas pelo Estado ou por muitas organizações diferentes, para que possam gerar impacto nacional e não apenas local, o que trás a necessidade de investimentos ainda maiores na área social. Se sabemos que dentro da lógica neo-liberal, a tendência é termos cada vez menos investimentos do Estado, quem, então, pode ocupar esta lacuna? Se devemos pensar em menos Estado e mais Mercado, como fazer com que o mercado se interesse em investir na área social?
Como todo país católico, o Brasil teve uma longa fase da chamada “filantropia tradicional” durante a qual a visão era de que as pessoas que têm uma situação financeira mais privilegiada devem ajudar as pessoas mais necessitadas. Nesta visão ainda estava embutido o conceito de que, mesmo que haja muitas pessoas cheias de boa vontade, a responsabilidade pela solução de problemas sociais é, em última análise, do governo. Estamos migrando agora para a fase do “Investimento Social”. A nova visão é de que cada indivíduo é um agente transformador da realidade. Nesta nova visão, até os indivíduos menos privilegiados têm sua parcela de contribuição no desenvolvimento social. Todo cidadão deve lutar pelo desenvolvimento social de sua comunidade e a melhor maneira para qualquer indivíduo iniciar um trabalho social é associar-se a uma ONG com a qual se identifique, doando dinheiro, “khow how” e tempo (através de trabalhos voluntários).
Além disso, os indivíduos também começam a perceber que, como consumidores, podem exigir de seus fornecedores um novo padrão de conduta. Podem exigir que as empresas tenham atuações sociais mais efetivas. Nesta nova visão, os indivíduos e as empresas passam a ser agentes de mudança e, como tal, devem envolver-se e comprometer-se com a solução dos problemas sociais existentes. Segundo o Instituto Ethos (maior responsável pela difusão do conceito de Responsabilidade Social no Brasil) “a empresa é socialmente responsável quando vai além da obrigação de respeitar leis, pagar impostos e observar as condições adequadas de segurança e saúde para os trabalhadores e faz isso por acreditar que assim será uma empresa melhor e estará contribuindo para a construção de uma sociedade mais justa”.
Sob esta ótica, a empresa que demonstra sua responsabilidade social – comprometendo-se com programas sociais voltados para o futuro da comunidade e da sociedade e adotando padrões de conduta ética que valorizem o ser humano, a sociedade e o meio ambiente – tem um diferencial competitivo significativo. Estas empresas conseguem agregar valor à sua imagem e, com isso, aumentam o vínculo que seus consumidores estabelecem com ela.
Apesar de o envolvimento social ser avaliado como muito importante, este não é o foco de atuação (“core business”) das empresas privadas. Além disso, o desenvolvimento de atividades sociais é bastante complexo e não há experiências anteriores que possam servir de base para esta nova atividade.
Como a atividade social é muito diferente da atividade comercial à qual as empresas se destinam, é natural que elas busquem ONGs como parceiras quando começam a pensar no desenvolvimento de programas sociais.
Planejamento Estratégico
Uma ONG pode e deve ter vários parceiros. As parcerias fortalecem a causa. Desta forma, é possível e recomendável continuar trabalhando em parceria com o governo e, ao mesmo tempo, iniciar um processo de planejamento e estruturação interna para o desenvolvimento de parcerias com empresas privadas, fundações, indivíduos, igrejas e outros que demonstrem preocupação com o conceito de responsabilidade social e com o desenvolvimento social do país.
O que é preciso entender é que não é qualquer empresa (ou pessoa) que pode se associar a qualquer ONG. Uma ONG que trabalha na área ambiental não deve ser parceira de empresas conhecidamente poluidoras, uma ONG que atende crianças não deve ser parceira de indústrias de bebidas ou de cigarros. Cada organização deve avaliar quem são seus parceiros potenciais e quem são as pessoas e as empresas com as quais não deve se envolver a fim de não prejudicar sua imagem e sua credibilidade junto ao grande público e aos outros parceiros. A identificação de possíveis parceiros deve começar com o planejamento estratégico da ONG.
O planejamento estratégico é o processo através do qual a ONG se organiza para definir o seu futuro, é uma ferramenta muito importante na gestão e na captação de recursos já que vai orientar as atividades a serem desenvolvidas, a identificação dos objetivos a serem atingidos, dos recursos necessários para atingi-los e de possíveis parceiros. O planejamento estratégico tem como principal objetivo mostrar a todos (interna e externamente) o que é a instituição e onde ela pretende chegar. Envolve informações sobre missão, valores, público alvo, tipo de trabalho que será desenvolvido, formas de avaliação dos resultados, etc.
Um dos pontos chave do processo de planejamento estratégico é definir como acontecerá a sustentabilidade financeira da ONG. Para isso, precisamos montar um plano de captação de recursos que deve responder as seguintes perguntas:
- Que recursos são necessários para o atingimento dos objetivos (incluindo recursos financeiros, humanos, tecnológicos, etc.)?
- Quem são os potenciais doadores para a causa?
- Quais são os interesses, preconceitos, condicionamentos e padrões de doação dos potenciais doadores?
- O que leva os doadores a fazer uma doação? Que forças motivam os doadores?
- O que os doadores solicitarão como intercâmbio?
- Quem toma a decisão sobre as doações? O que afetará essa decisão?
- Quem são os formadores de opinião? Que opinião eles têm sobre esta organização?
Quando iniciamos o levantamento dos potenciais parceiros, temos que levar em consideração que, por vários motivos as pessoas e as empresas “escolhem” fazer doações. Seu “negócio” não é filantropia. Elas também sabem que têm inúmeras alternativas de investimentos e irão pesquisar onde devem colocar seu dinheiro e seu tempo a fim de terem o melhor retorno possível. Quando temos clareza de qual é a missão da ONG que representamos, quais são nossos objetivos, quais são os valores que norteiam nossas atividades, que tipo de parceiros gostaríamos de ter, o que esperamos receber do parceiro, o que podemos dar em contrapartida,… fica muito mais fácil saber quem devem ser nossos parceiros na realização da nossa missão.
Para iniciarmos a seleção de potenciais parceiros, portanto, é preciso identificar pessoas e empresas que compartilhem dos nossos ideais, que tenham missões similares às nossas – ou que, pelo menos, apontem na mesma direção. É preciso localizar um “território comum”. A missão é a declaração do que a ONG se propõe a fazer no âmbito de uma causa. É a alma da organização.
A maior parte das empresas privadas buscam causas que tenham a ver com o seu negócio, causas que agreguem valor às suas marcas e com as quais possam envolver os seus funcionários. A seleção de ONGs que podem vir a se tornar parceiras é sempre feita com muito rigor e através de critérios bem definidos. Se a ONG estiver capacitada para agir da mesma forma, selecionando parceiros com critérios bem definidos, haverá uma probabilidade muito maior de sucesso no desenvolvimento dos relacionamentos de parceria e a relação entre os parceiros, provavelmente, será mais igualitária. Mais do que o desenvolvimento de bons relacionamentos de parceria, surge aí uma grande oportunidade para as ONGs que é atuar como “consultora” das empresas na implantação de atividades de cunho social que atendam a objetivos comuns.
Uma vez selecionadas as empresas que gostaríamos de ter como parceiras, podemos auxiliá-las no processo de implantação de uma atividade social já que conhecemos muito melhor este meio e temos uma maior experiência no desenvolvimento de programas sociais. É importante lembrar que são sempre indivíduos que fazem as doações pela empresa. As pessoas (ou empresas) doam por muitos motivos diferentes – por acreditarem na causa, por estarem de alguma maneira envolvidos com ela, porque acreditam que é importante para seus empregados, clientes ou fornecedores, porque o concorrente tem uma atuação social e é importante equiparar-se com ele, porque isso beneficia sua imagem, etc. É fundamental tentar colocar-se no lugar do doador e tentar entender o seu comportamento, as suas motivações, os seus receios. Isso ajudará a ONG a selecionar os parceiros da maneira mais adequada e desenvolver abordagens que terão maior probabilidade de sucesso.
Também é fundamental pensar na identificação das expectativas dos possíveis parceiros. Será mais fácil conquistar e manter a parceria por um longo período se todos os envolvidos sentirem que suas necessidades e expectativas estão sendo preenchidas através do trabalho conjunto. E, finalmente, é necessário avaliar se temos condição de atender a estas expectativas. Se pudermos atender às expectativas de todos os envolvidos, podemos iniciar a parceria, mas se nossa avaliação for de que não temos condição de atende-las, precisamos começar a pensar em como podemos nos estruturar para sermos capazes de atende-las no futuro. Isso pode (e deve) fazer parte do planejamento estratégico da organização.
A importância de ser fiel à missão
É muito comum vermos organizações que abrem mão de sua missão para servir a um doador. Quando abrimos mão de nossos princípios básicos, corremos o risco de perdermos nossa identidade. A missão e os valores devem nortear todas as ações da organização. A missão deve ser uma das razões que MAIS motiva pessoas ou empresas a trabalharem ou contribuírem com esta organização e, desta forma, não tem sentido desviar de sua missão para servir a um doador. Se ambos os lados – ONGs e empresas – tiverem certeza de que têm a mesma missão em termos de investimento social, de que compartilham valores e objetivos, o trabalho conjunto pode ser realizado através de uma parceria com maior probabilidade de sucesso a longo prazo e com maior probabilidade de ser considerado satisfatório para todas as partes. Uma parceria só poderá perdurar se as partes envolvidas puderem sentir-se como associados, como pessoas que jogam no mesmo time, como pessoas que dançam juntas e que estão contratualmente associadas como dirigentes de um negócio (como foi dito acima na definição de parceiro).
Conclusões
A primeira importante conclusão que chegamos é que as parcerias são fundamentais para o desenvolvimento do terceiro setor e de cada uma das ONGs que operam no Brasil porque elas trazem mais força para a causa. Escolher os parceiros, no entanto, não é uma tarefa fácil. É importante que dediquemos tempo a isso a fim de sermos mais eficientes no processo de captação de recursos. Ter ciência das necessidades e expectativas dos potenciais parceiros é muito importante. Temos sempre que lembrar que, da mesma forma que estamos escolhendo nossos parceiros, estamos sendo escolhidos por eles. As parcerias devem ser vistas como vínculos de longo prazo e, por isso, devem refletir decisões tomadas através do planejamento estratégico da ONG (e dos parceiros).
A nossa missão e os nossos valores devem ser o centro do trabalho de identificação de possíveis parceiros. Só quem compartilha destes valores pode ser um parceiro de verdade, comprometendo-se com os resultados do trabalho por um prazo mais longo e ajudando a atingir as metas estabelecidas ao longo do percurso.
E, finalmente, vale lembrar que ter parcerias sólidas é um grande passo para que a ONG possa atuar de forma mais estruturada e com maior tranqüilidade. Ter parceiros fiéis e envolvidos com a causa facilita o atingimento dos objetivos comuns e diminui a necessidade de nos preocuparmos permanentemente com a continuidade de nossas atividades e com a sustentabilidade da organização que representamos.
Andrea Goldschmidt é administradora de empresas pela EAESP- FGV e atua como consultora na APOENA Empreendimentos Sociais.
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