No decorrer deste ano, o Conselho Empresarial Brasileiro para o Desenvolvimento Sustentável (CEBDS), promove o “Sustentável 2008 – Ciclo de Encontros sobre Sustentabilidade e Gestão Responsável”, com cinco encontros em diferentes capitais do país. O primeiro evento ocorre na próxima semana no Rio de Janeiro, e traz uma discussão sobre a aparente dicotomia entre lucro e sustentabilidade. O presidente executivo da instituição, Fernando Almeida, falou com exclusividade ao Responsabilidade Social.com, sobre o evento. Confira:
1) Responsabilidade Social – Neste mês começa o “Ciclo de Encontros sobre Sustentabilidade e Gestão Responsável”, que prevê cinco encontros durante todo o ano. Qual a proposta do evento?
Fernando Almeida – Em linhas gerais, a proposta do ciclo de encontros prevista no Sustentável 2008 tem os mesmos objetivos dos demais eventos que o Conselho Empresarial Brasileiro para o Desenvolvimento Sustentável (CEBDS) tem promovido nos seus dez anos de atividade. Queremos aprofundar as discussões em torno dos grandes temas da sustentabilidade, como é o caso do primeiro encontro que vai debater a questão do lucro nesse novo contexto. Em última instância, queremos retirar a sustentabilidade do ciclo da elite e disseminá-la por toda a sociedade.
2) RS – O tema do primeiro encontro é “Lucro X Sustentabilidade”. Como o senhor explica a dicotomia entre os dois conceitos?
FA – Uma empresa com visão de futuro não pode se limitar apenas a atender os interesses de acionistas e investidores. Não se pode conceber uma empresa bem sucedida em sociedade falida. Estou convencido disso olhando tanto pelo lado ético, como pelo lado pragmático. A história recente, principalmente a partir do pós-guerra, tem nos mostrado que o modelo concentrador de renda tem acelerado a perda dos serviços ambientais e a esgarçadura do tecido social. Os riscos sócio-ambientais confirmam essa constatação. É inadmissível e insustentável a desproporcional repartição de riqueza, seja ela no âmbito global, seja no âmbito regional. A sustentabilidade, como conceito integrador, não pode admitir altos lucros e salários astronômicos descolados do restante da sociedade.
3) RS – É possível ser lucrativo e responsável? Qual o segredo para conseguir aliar as duas coisas?
FA – Não é só possível, como necessário. A lucratividade faz parte da dimensão econômica de uma empresa, seja ela de que atividade for. Mas não pode estar desconectada das dimensões social e ambiental. Caso contrário, a empresa não sobreviverá, mesmo que seja altamente lucrativa no curto prazo. O desempenho das empresas que conseguem estar no grupo seleto do Índice Dow Jones de Sustentabilidade, de Nova Iorque, é um exemplo bem significativo. Os balanços indicam que a rentabilidade dessas empresas é pelo menos 20% superior em relação às que permanecem mais presas ao modelo tradicional. Essa performance está se repetindo também no Índice de Sustentabilidade Empresarial da Bovespa. Agora, é bom que fique claro: não existe receita pronta para alcançar o sucesso nessa mudança. O fundamental é que os gestores tenham uma visão integradora. As ações da empresa devem sempre estar voltadas para as três dimensões da sustentabilidade e conectadas com seus stakeholders.
4) RS – Um país como o Brasil pode crescer sem afetar negativamente o meio ambiente?
FA – No ano passado, lancei meu segundo livro “Os desafios da sustentabilidade – uma ruptura urgente” e fiz questão de inserir bons exemplos praticados por empresas e instituições civis. Foram pelo menos 15 casos, todos demonstrando que é possível e viável alcançar a eficiência econômica integrada à inclusão social e à manutenção dos serviços ambientais. O Brasil possui a maior biodiversidade do mundo, tem a mais abundante reserva de água doce do planeta e uma matriz energética relativamente limpa. Ou seja, tem tudo para se desenvolver de forma plena e se tornar uma referência mundial em desenvolvimento sustentável. Mas precisa resolver problemas internos, como a desigualdade social, o sistema de saúde, educação, saneamento e acabar com o clima de impunidade e tolerância com a corrupção e com aqueles que praticam crimes ambientais.
5) RS – Qual o significado real de sustentabilidade?
FA – Costumo definir a palavra sustentabilidade como sobrevivência – sobrevivência dos recursos naturais, dos empreendimentos e da própria sociedade. Esse conceito é multi-setorial e tem três dimensões básicas: a econômica, a social e a ambiental. O grande desafio hoje é encontrar o caminho do entendimento entre os principais atores da sociedade – governos, empresas e a sociedade civil – para que o conceito passe a ser incorporado por todos. Devemos perseguir a meta de que a sustentabilidade permeie todas as atividades humanas.
6) RS – Como o senhor define o conceito de Responsabilidade Social?
FA – O conceito de Responsabilidade Social Corporativa foi lançado no final da década de 1990. As ações sociais praticadas por empresas vêm de longe, mas sempre tiveram o viés assistencialista e filantrópico. O conceito de RSC tem um outro sentido, porque estimula ações voltadas para a educação, para o empreendedorismo sustentável. Os resultados das ações de RSC devem beneficiar a todos, tanto para a empresa como para o contemplado. Um exemplo concreto: quando o Banco Real empresta dinheiro a um pequeno empreendedor para financiar a montagem ou ampliação de uma serralheria na periferia de São Paulo, o banco está praticando RSC. Todos ganham: o banco, que recebe o dinheiro de volta com juros (mesmo com uma taxa diferenciada) e amplia a valorização de seu ativo intangível; o empreendedor, que expande seus negócios; a família do empreendedor, que passa a ter uma qualidade de vida melhor com a perspectiva de investir em educação e na aquisição de bens e serviços; e, em última instância, a sociedade.
7) RS – Em sua opinião, a sustentabilidade é um modismo ou as empresas têm adotado práticas responsáveis por convicção?
FA – Quem utilizar a sustentabilidade como biombo ou artimanha publicitária para encobrir supostas ações negativas pode estar cometendo suicídio. Entre outros aspectos, a sustentabilidade pressupõe transparência cada vez maior. A sociedade – da qual o consumidor faz parte – tende a exigir das empresas serviços e produtos desenvolvidos responsavelmente. As ONGs, a imprensa e outros meios de pressão estão cada vez mais atentos e capacitados para cobrar. Por isso, não tenho dúvidas de que as empresas com visão de futuro estão de fato direcionando seus negócios para o novo modelo. Umas estão em estágio mais avançado, outras não. Seria impossível – e até injusto – listar uma relação de empresas que estão no caminho certo. Mas, a título de ilustração, registro a lista de empresas associadas ao CEBDS que fazem parte do seleto grupo do Índice Dow Jones de Sustentabilidade de Nova Iorque, o primeiro no mundo a usar como parâmetro a responsabilidade sócio-ambiental para análise de investidores: 3 M, ABB, Aracruz Celulose, ABN – Banco Real, Alcoa, Basf, Bayer, BP, Bradesco, Cemig, Itaú, Holcim, Michelin, Nestlé, Petrobrás, Shell, Siemens e Syngenta. Os cases dessas empresas são muitos. Basta acessar os sites para se perceber quantas ações positivas estão sendo desenvolvidas, com importantes trabalhos na área social, via empreendimento sustentável ou projetos educacionais com foco em resultados concretos, programas de redução de emissões de gases de efeito estufa, valorização da biodiversidade e uso racional de recursos naturais.
8) RS Qual a avaliação que o senhor faz do investimento social privado no país? Avançamos nos últimos anos?
FA – Temos exemplos extremamente positivos de ações estratégicas de empresas com visão de futuro. Entre as empresas de menor porte difunde-se o conceito de eco-eficiência. São mudanças importantíssimas e fundamentais. Mas não são o suficiente para uma reformulação estruturada e articulada do modelo de negócios e do padrão de desenvolvimento. Escrevi recentemente um artigo no qual defendo, dentro desse contexto, mecanismos para fazer negócios com a base da pirâmide, aqui no Brasil e no mundo. Cada vez fica mais clara a inviabilidade de um modelo, cujo Produto Mundial Bruto subiu nove vezes nos últimos 50 anos, passando de US$ 7 trilhões para US$ 60 trilhões, mas que a distribuição dessa crescente riqueza permanece injusta. Há uma parcela de 1,1 bilhão de pessoas vivendo com menos de US$ 1 por dia. Esse mesmo modelo vem destruindo os recursos naturais imprescindíveis para a manutenção dos negócios e da sobrevivência da sociedade. O inventário da ONU intitulado “Avaliação Sistêmica do Milênio”, lançado em 2005, ao analisar 24 serviços ambientais considerados essenciais para a nossa vida, entre eles a água e o ar limpos, a regulação do clima e a produção de alimentos, fibras e energia, concluiu que 15 deles estão desaparecendo ou perdendo gradativamente a função. Estamos diante de um dramático desafio: precisamos gerar mais energia para incluir uma parcela gigantesca da população marginalizada no mercado e, ao mesmo tempo, reduzir os níveis de emissão de CO2 para evitar os efeitos avassaladores do aquecimento global.
9) RS – Como é pautado o trabalho do Conselho Empresarial Brasileiro para o Desenvolvimento Sustentável (CEBDS) e quais são suas principais áreas de atuação?
FA – O CEBDS foi criado há dez anos e se consolidou com uma instituição do setor empresarial de referência como a primeira do país a atuar, de forma integrada e articulada, com as três dimensões da sustentabilidade – a econômica, a social e a ambiental. O CEBDS tem contribuído de forma relevante para alavancar empresas e outros setores da sociedade a um novo patamar. Temos cumprido com sucesso nossa missão de facilitador, provedor, defensor, comunicador e catalisador, abrindo espaço para uma nova visão sobre o papel da empresa na sociedade e capacitando seus gestores. Atuamos hoje em diferentes áreas, que podem ser definidas pelas câmaras técnicas: Água, Biodiversidade e Biotecnologia, Comunicação e Educação para a Sustentabilidade, Construção Sustentável, Energia e Mudança do Clima, Legislação Ambiental, Responsabilidade Corporativa e Finanças Sustentáveis.
10) RS – Há novos projetos previstos para este ano? Quais?
FA – Além do Sustentável 2008, que terá cinco encontros em diferentes capitais do país (a programação está no nosso site, destacaria dois outros eventos importantes que promoveremos neste primeiro semestre: o “Fórum de Eficiência Energética em Edificações” (EEE), que será realizado no dia 3 de abril no Rio de Janeiro, e o “Mobility – Diálogo Mobilidade Sustentável”, marcado para maio, em São Paulo. No Fórum de EEE vamos discutir e propor mudanças radicais no conceito tradicional de edificações, tanto na fase de construção quanto na utilização do imóvel. Os fóruns de eficiência energética, intitulados na versão original de EEB (Energy Efficiency in Buildings) têm como objetivo promover um entendimento melhor a respeito do assunto, identificando as soluções e apontando propostas para serem postas em prática. No Mobility, vamos debater os desafios e as oportunidades da mobilidade que surgem como conseqüência do rápido crescimento das grandes cidades. O evento faz parte do projeto internacional do WBCSD que inclui encontros temáticos em outros três países: China, Índia e Tanzânia. No Brasil, o estudo terá foco em dois temas: o case da cidade de São Paulo e o papel dos biocombustíveis na obtenção da mobilidade sustentável no Brasil.
Site: www.cebds.org
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