O Projeto Ortópolis Barroso, realizado na comunidade de Barroso, no interior de Minas Gerais, completou, no dia 19 de setembro, dez anos de atuação. A iniciativa, apoiada pela Holcim Brasil e pelo Instituto Holcim, tem como escopo identificar as principais áreas de oportunidades da cidade e definir objetivos e metas para melhorar as condições socioeconômicas e a qualidade de vida da população. Ao longo da última década, a ação estimulou as potencialidades dos cidadãos, promovendo crescimento econômico, ambiental e social, sem dependência, com foco em construir e trabalhar com a comunidade ao invés de trabalhar para a comunidade.
Em entrevista exclusiva para o Responsabilidade Social, a supervisora de Responsabilidade Social Corporativa da Holcim, Madalena Cabral de Oliveira, e o mestre em Gestão Ambiental e Políticas Públicas e especialista em Desenvolvimento Local e Territorial, Paulo César Arns, falam sobre o projeto. Eles apresentam um balanço, apontam os principais avanços e destacam os desafios para a próxima década. Acompanhe:
Responsabilidade Social – O Projeto Ortópolis Barroso completou dez anos no último mês. Qual o balanço que você faz desta primeira década de trabalho?
Paulo César Arns – O primeiro elemento que me chamou a atenção na experiência acumulada em torno do Projeto Ortópolis foi sua capacidade de inovação constante, de ajustes as mudanças ocorridas no seu entorno. É preciso reconhecer que em grande medida isso se deve a base conceitual sólida trazida por seus idealizadores e a firmeza de propósito da Holcim frente ao território ao mudar radicalmente a sua postura – buscando ser mais um entre os atores locais e assim abrir espaço para que todos fossem protagonistas. Essa postura foi muito avançada, quase inédita para a época e ainda hoje é um eixo norteador e um dos princípios basilares da intervenção.
Nessa mesma direção foi possível perceber que a Holcim procura distinguir suas ações de responsabilidade social privada (RSP) dos investimentos sociais privados (ISP). De um lado, a empresa vem exercendo sua RSP mantendo uma linha de ação interna de contato e relação permanente com a comunidade envolvendo-a nas discussões sobre seus negócios e de outro, disponibiliza ISP para fortalecer o papel da fundação [Fundação Holcim] no município, apoiar o projeto Ortópolis e a Associação Ortópolis Barroso no desenvolvimento de ações estruturadoras de um novo modelo de desenvolvimento. O fato de não considerar que a sua responsabilidade social se esgota nos investimentos sociais, representa um grande avanço e tendo a crer que essa compreensão contribuiu enormemente para que o projeto chegasse aos seus 10 anos com grande vitalidade e capacidade de oferecer contribuições importantes para o município.
Outro elemento que contribuiu para a sustentabilidade do projeto é que a Ortópolis (cidade correta, ideal) conseguiu constituir-se como um processo de aprendizagem coletiva. O “correto e ideal” que Barroso vislumbrava há 10 anos não é o mesmo que povoa o imaginário e que impulsiona o protagonismo hoje. As pessoas e organizações amadureceram, aprenderam e assim a Ortópolis Barroso está co-evoluindo com os seus atores. Institucionalizar um processo de aprendizagem só foi possível porque a busca da autonomia, do protagonismo e do empoderamento das pessoas e das organizações foi ao mesmo tempo objetivo e princípio fundante do projeto, mas também da empresa, da fundação e posteriormente compartilhado por todos os participantes e parceiros.
Celso Furtado e mais recentemente Amartya Zen afirmam que o desenvolvimento é um fenômeno cultural e Robert Putnam diz complementarmente que o desenvolvimento de um território é uma construção institucional. Pois bem, o Projeto Ortópolis foi, na minha percepção, a ponta de lança da empresa e da fundação para ao mesmo tempo mudar o traço da cultura local que impedia o desenvolvimento – o paternalismo e o clientelismo entre empresa e município (sociedade e governo), e em seu lugar institucionalizar no território novas práticas e atitudes de maior autonomia entre os atores e agentes e maior protagonismo frente à construção de alternativas para o desenvolvimento. O relatório feito por Nisia Wernek sobre os 10 anos do projeto Ortópolis nos dá bons sinais para afirmar que as coisas vão num bom caminho.
Entre as iniciativas mais recentes do Projeto Ortópolis que expressam avanços, destaco a opção pelo fortalecimento das organizações da sociedade civil, sejam as de caráter econômico ou de representação de interesses sociais. Não consigo avaliar os elementos que levaram a essa decisão, mas foi um momento de muita lucidez. Fortalecer as organizações da sociedade significa fortalecer os espaços públicos, ampliar a capacidade da sociedade de processar informações e organizar as demandas sociais. Quanto mais tivermos uma sociedade dinâmica mais as instâncias de gestão de políticas públicas como os conselhos (saúde, educação, meio ambiente, etc.) serão dinamizados e cumprirão com seu papel. É preciso ter uma sociedade civil forte e organizada para construir um estado e governos fortes. Ressalto que para esse trabalho o conceito de “desenvolvimento de base” e a experiência compartilhada com outras organizações por meio da RedEAmerica serão muito úteis para o aprimoramento da metodologia e dos conteúdos a serem ofertados.
Um último comentário ainda a guisa de um rápido balanço, é que analisando as experiências de desenvolvimento local e mais recentemente de desenvolvimento territorial no Brasil que tive oportunidade de apoiar, o Projeto Ortópolis, depois de 10 anos, demonstrou ter um bom DNA. E mais, é possível dizer que esse DNA esconde potencialidades que só serão percebidas quando o ambiente estiver favorável para que elas se revelem.
RS – É possível estimar quantas pessoas foram beneficiadas pelas ações da iniciativa?
Madalena Cabral de Oliveira – Diretamente, alcançamos 4,4 mil indivíduos e indiretamente aproximadamente 15 mil.
RS – Você pode destacar a principal diretriz do projeto há dez anos?
MO – Possibilitar uma mudança comportamental que resultasse na participação, dentro de uma visão sistêmica, de todos os setores da sociedade na construção de uma comunidade responsável, justa, solidária e ética, buscando uma boa qualidade de vida para todos. A partir desse objetivo foram estabelecidas, pela própria comunidade, a visão e a missão do projeto para os próximos 10 anos. Uma vez definidas a visão e missão, foram constituídos nove grupos de trabalho temáticos. Cada grupo recebeu a denominação “R”, de “resultado”, que já denotava o comprometimento daquele grupo com o objetivo a ser alcançado. Os nove eixos temáticos que retratam as prioridades do município são: R1 – Mudança Comportamental Assumida e Realizada; R2 – Modelos de Políticas Públicas Elaborados; R3 – Empreendedorismo Difundido e Implementado; R4 – Agronegócio Desenvolvido e Implementado; R5 – Econegócio Desenvolvido e Implementado: identificar e desenvolver o potencial do ecoturismo da região; R6 – Plano Estratégico Urbano Elaborado e Implementado; R7 – Melhoria da Infraestrutura Instalada; R8 – Gestão Ambiental Municipal Implementada: mapear as necessidades ambientais para a cidade, conscientizar a população para as questões do meio ambiente e elaborar agenda municipal para os três e seis anos seguintes; e R9 – Cidade Embelezada (arquitetura e paisagismo).
O programa tem como diretrizes estratégicas o fortalecimento das capacidades das pessoas e comunidades para identificar necessidades e buscar soluções; a promoção e o apoio de iniciativas que propiciem a participação dos cidadãos e organizações e incentivem formas inovadoras de mobilização e parceria entre atores, com vistas a gerar processos de aprendizagem cooperativa e sinergias; e o desenvolvimento do espírito empreendedor, para que, através de novas iniciativas comerciais, industriais, agroindustriais ou de serviços, os próprios moradores possam gerar alternativas de renda.
RS – Na sua opinião, quais os avanços sociais conquistados pela cidade de Barroso que podem ser atribuídos ao projeto?
MO – O desenvolvimento de conhecimentos, habilidades e comportamentos para o desenvolvimento local é um dos pontos fortes do projeto. A mudança de comportamento da população, a diminuição do paternalismo, o avanço dos empreendimentos do município, a melhoria da qualidade de vida dos participantes, o fortalecimento dos laços comunitários e o incentivo à criação, ao desenvolvimento de negócios em Barroso, o crescimento do associativismo e profissionalismo no meio rural e aumento de emprego e renda também são alguns dos avanços perceptíveis na cidade.
RS – Quais as atividades em curso atualmente e quantas pessoas são contempladas?
MO – No Projeto Hércules, que busca o fortalecimento da Associação Ortópolis Barroso, temos 100 associados. O Projeto Rumo Certo Serviços, que tem como objetivo fortalecer os empreendimentos, conta com 25 empresários locais. O Projeto Papa Luxo reúne 14 famílias. A iniciativa tem como proposta gerar renda e melhorar a qualidade de vida dos catadores de material reciclável. Vinte mulheres participam do Projeto Empreender em Família, que tem como diretriz aumentar a renda das famílias atendidas pela Apae [Associação de Pais e Amigos dos Excepcionais] por meio da produção de temperos. O Projeto Juventude Empreendedora beneficia, atualmente, 35 jovens. O escopo da ação é estimular o espírito empreendedor junto aos jovens de Barroso. O Projeto Mãos na Massa, que busca gerar renda com a produção de biscoito, conta com a participação de 20 mulheres.
RS – Você pode antecipar as metas do Projeto Ortópolis Barroso para 2014?
MO – A avaliação dos 10 anos do Projeto Ortópolis foi concluída agora em setembro. A partir daí, construiremos as metas para o futuro, também nesse caso, através de um processo participativo.
RS – Na sua opinião, quais os principais desafios da iniciativa para a próxima década?
PA – Compreendo que de projetos que pouco aportam, pouco se espera e, portanto, não apresentam grandes desafios, mas o Projeto Ortópolis tem bons e grandes desafios e ao que tudo indica, tem em seu DNA o potencial para enfrentar a todos. Um primeiro desafio está relacionado à Associação Ortópolis Barroso (AOB). Ela é uma institucionalidade importante de todo esse processo, tornou-se um símbolo do despendimento da Holcim e da fundação frente as suas criações para garantir que Barroso trilhasse o caminho da autonomia e do protagonismo social. Assim como fez recentemente, a AOB deverá rever o seu papel e reposicionar-se constantemente no processo de desenvolvimento da cidade levando em consideração que: para representar os interesses dos grupos e segmentos sociais existem as diferentes formas de organização da sociedade (associações, cooperativas e redes); para coordenar o processo de desenvolvimento e prestar os serviços públicos aos cidadãos tem o governo local, legitimamente eleito para cumprir este mandato; e para validar demandas sociais e articula-las as políticas públicas existem os fóruns e conselhos de políticas públicas (saúde, educação, meio ambiente, etc.). O desafio, portanto esta em encontrar o seu papel de modo entrar em sinergia com as demais institucionalidades e potencializar as dinâmicas presentes no território.
Um segundo desafio refere-se ao processo de construção da autonomia das organizações da sociedade e do fortalecimento do seu protagonismo. A autonomia não será construída somente com o estabelecimento de fortes laços e vínculos internos, mas também com conexões externas, ou seja, as organizações que representam os interesses da diversidade de grupos e segmentos sociais da cidade devem se articular as redes que movimentam e dinamizam a sociedade
brasileira: os catadores de materiais reciclados, os artesãos, os agricultores agroecológicos, as cooperativas de economia solidária, as organizações de micro e pequenos empresários, enfim, uma infinidade de temas que tem suas redes tecidas da escala local a nacional e muitas delas com suas conexões globais. Essas redes são as que exercem um sistema de proteção e controle social na medida em que se articulam por objetivos, princípios e valores favorecendo um processo informal de formação, capacitação e animação dos nós locais das redes, ampliando enormemente a capacidade destes atores de atuarem localmente. Pelas informações que tenho esse processo já se iniciou e coloco como desafio a inserção deste conteúdo no processo em curso de fortalecimento da sociedade civil.
Um terceiro desafio na minha leitura é a necessidade do projeto de abrir o zoom, isto é, ampliar a escala territorial de análise das dinâmicas nas quais quer intervir, algo como o velho chavão de “olhar globalmente e agir localmente”. Num mundo cada vez mais globalizado, o local reflete muito fortemente dinâmicas globais. Vale dizer que reflete a seu modo, pois cada local, cada território reage de forma diferente às influências externas a partir de sua cultura e instituições. Outro elemento importante é que a escala municipal é, na maioria das vezes, muito pequena para que se encontrarem soluções sustentáveis para os problemas locais devendo se observar as dinâmicas ambientais, sociais e econômicas numa escala intermunicipal (territorial/microrregional), considerando os municípios que compartilham de traços comuns de identidade. Essa articulação deve ser provocada tanto no âmbito dos governos locais como dos das organizações da sociedade, fortalecendo as conexões externas. Então abrir o zoom para olhar o território no qual está inserido o município e o Projeto Ortópolis é um outro bom desafio que deve ser enfrentado.
O último desafio que elenco não é para o projeto, mas para a empresa Holcim como instituidora da fundação e grande patrocinadora do Projeto Ortópolis. O desafio é o de encontrar novos caminhos para exercitar a sua responsabilidade social privada, indo além de boas relações com a comunidade e do envolvimento da comunidade nas discussões de sua estratégia empresarial, mas que, diga-se de passagem, já não é pouco. Vejo esse desafio, mas também vejo que há uma base sólida construída para impulsionar este salto. O conceito de RSP apresentado e discutido na RedEAmerica, espaço de articulação do qual faz parte a Fundação Holcim, busca exercitar um significado mais amplo de RSP que coloca o negocio da empresa como vetor organizador e catalizador do desenvolvimento econômico, potencializador de novas dinâmicas econômicas que levem a uma maior diversificação da economia do território.
Materializar em ações essa concepção exige uma reflexão constante do papel da empresa no processo de desenvolvimento, bem como uma preocupação permanente com a internalização deste junto ao conjunto aos funcionários e parceiros de negócio, expressando-se como parte da estratégia empresarial e negocial e não como investimento social privado.
Por fim gostaria de dizer que a Ortópolis, ou a Cidade Correta/Ideal tem se mostrado uma utopia capaz de sensibilizar e mobilizar os cidadãos e suas organizações na construção de uma sociedade mais justa e solidária. É também é uma construção social e uma conquista coletiva que renova o espirito de colaboração, de cooperação e solidariedade sempre que as pessoas percebem que suas ações são capazes de transformar a sua realidade e construir um município melhor para si e para seus fortalecendo o compromisso com as gerações futuras.
E por último, encerro parabenizando a cidade de Barroso pela capacidade de abrir-se para uma mudança cultural, desvencilhando-se de algumas práticas e valores e assumindo outras mais sustentáveis exercitadas inicialmente dentro do Projeto Ortópolis. Creio que já está bastante sólida a ideia de que o Projeto Ortópolis é só um mecanismo de construção da Barroso correta/ideal e, portanto é na cidade que os princípios e valor de uma Ortópolis devem se materializar e provocar mudanças estruturais e sustentáveis.
RS – Qual o seu entendimento do termo ‘responsabilidade social’?
MO – As operações da Holcim em todo o mundo têm foco no desenvolvimento sustentável. A empresa busca trabalhar os três pilares da sustentabilidade – econômico, ambiental e social – em equilíbrio. Para isso busca sempre processos que promovam o uso racional dos recursos naturais, tem rígidos controles de suas emissões e atua em parceria com as comunidades vizinhas. A Responsabilidade social insere-se nesse contexto e para a Holcim Brasil é uma questão estratégica e prioritária, fazendo parte de sua Política Integrada de Gestão e da estratégia de negócios da empresa, orientando sua tomada de decisões e o desenvolvimento de suas ações.
O compromisso da empresa é dialogar e trabalhar com as partes interessadas (stakeholders), construindo e mantendo relacionamentos de mútuo respeito e confiança. Ao assumir papel de liderança em seus setores de atuação a empresa quer contribuir para a melhoria da qualidade de vida de seus colaboradores, para o desenvolvimento sustentável das comunidades onde opera e para o sucesso de seus clientes e fornecedores.
A partir da política mundial do Grupo e levando em consideração a opinião das partes interessadas locais, foi construída a Estratégia de Responsabilidade Social Corporativa da empresa, que estabelece seis pilares de atuação: conduta nos negócios; práticas empregatícias; saúde e segurança do trabalho; envolvimento com a comunidade; relacionamento com clientes e fornecedores; e monitoramento e relato de desempenho.
Holcim Brasil e Associação Ortópolis Barroso
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