O Brasil tem avançado em controle do tabagismo, mas encontra muitas dificuldades devido à resistência e pressão dos representantes da indústria do fumo. A avaliação é da vice-diretora da Aliança de Controle do Tabagismo (ACT), Mônica Andreis. Em entrevista exclusiva para o portal Responsabilidade Social.com, a psicóloga aponta os principais desafios do país nesse setor e apresenta o trabalho da instituição, que conta com mais de 800 membros das mais diversas áreas.
“O Brasil apresentou significativa queda na prevalência de fumantes nos últimos 20 anos, fruto das campanhas e medidas já adotadas, mas ainda temos 24,6 milhões de brasileiros de 15 anos ou mais de idade fumantes”, alerta a especialista. Entre os passos importantes no país ela cita a criação do Programa Nacional de Controle do Tabagismo. Entretanto, ela lembra que o governo tem deixado a desejar ao restringir sua atuação e procrastinar decisões que precisam ser tomadas, como a regulamentação da Lei nº 12.546/11, conhecida como “a lei antifumo”.
Ainda na opinião da especialista, o grande desafio do país é superar a resistência e pressão dos representantes da indústria do fumo no sentido de adiar ou impedir a adoção de políticas que interfiram no seu negócio. “O custo do tratamento de algumas doenças atribuíveis tabagismo no Brasil é três ou quatro vezes maior do que o que é arrecadado em impostos. Em outras palavras, o ônus é compartilhado entre toda a sociedade e os lucros são privatizados”, diz. Leia a entrevista na íntegra.
1) Responsabilidade Social – A Aliança de Controle do Tabagismo (ACT) busca estimular ações voltadas para a diminuição do impacto sanitário, social, ambiental e econômico gerado pela produção, consumo e exposição à fumaça do tabaco. Dentro dessa proposta, quais os projetos são realizados atualmente e qual o balanço que pode ser apresentado das atividades da instituição no último ano?
Mônica Andreis – A ACT atua no sentido de promover a adoção de políticas públicas de controle do tabagismo no Brasil e consolidar o trabalho em rede com outras organizações da sociedade civil.
Entre as principais medidas apoiadas e promovidas pela ACT estão os ambientes fechados livres de fumo (leis antifumo), aumento dos preços e impostos de produtos de tabaco e proibição da propaganda e marketing de cigarros, bem como do uso de aditivos, como sabores e aromas, utilizados para atrair os jovens para o consumo.
Em todas essas áreas obtivemos conquistas, mas também ainda enfrentamos desafios. Para citar um exemplo, a lei antifumo adotada em São Paulo com o apoio da ACT é um sucesso, com apoio da população, ótimos níveis de cumprimento pelos estabelecimentos comerciais e melhora dos índices de avaliação da qualidade do ar nesses ambientes. Gerou um efeito dominó e outros sete estados adotaram leis semelhantes.
A ACT trabalhou intensamente para que a medida fosse adotada nacionalmente e ao final de 2011 foi aprovada uma lei federal (lei 12546/2011) que incluía essa determinação. No entanto, até a presente data essa lei não foi regulamentada, o que impede sua efetiva implementação. Em 2012, foram feitas diversas ações de advocacy e campanha por essa regulamentação, porém ainda não foi publicada.
A proibição do uso de sabores e aromas nos cigarros, determinada por meio de norma RDC 14/2012 da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) é outra importante conquista do ponto de vista da prevenção do tabagismo por jovens, e foi uma medida que contou com o apoio da Rede ACT por meio de campanha, publicação de artigos, participação em audiências públicas, etc. Mesmo tendo sido aprovada para aplicação somente em meados de 2013, vem sendo questionada judicialmente pela indústria do tabaco e seus aliados.
Assim, o balanço que se pode fazer é de que o Brasil tem avançado em controle do tabagismo, mas encontra muitas dificuldades devido à resistência e pressão dos representantes da indústria do fumo no sentido de adiar ou impedir a adoção de políticas que interfiram com o seu negócio.
2) RS – A ACT é composta por organizações da sociedade civil, associações médicas, comunidades científicas, ativistas e pessoas comprometidas com a redução da epidemia tabagista. Como se dá a troca de informações entre essas diversas áreas e como as atividades da instituição são elaboradas?
MA – A ACT possui um escritório no Rio de Janeiro e outro em São Paulo, além de ter um representante em Brasília, porém sua atuação é nacional por meio da Rede ACT. A rede é formada por cerca de 800 membros entre pessoas e organizações governamentais e não-governamentais das mais diferentes áreas como saúde, meio ambiente, direitos humanos, consumidor, gênero, entre outras.
A comunicação se dá de várias formas, como por meio da formação de um grupo virtual onde se divulgam notícias, realiza-se mobilização para atividades e promove-se a troca de experiências entre seus membros. Anualmente é feito também um seminário nacional, onde participantes da rede são convidados a participar presencialmente. Tem o objetivo de promover a capacitação, atualização em prevenção e controle do tabagismo, além da discussão sobre perspectivas atuais e estratégias de ação, com representantes de todas as regiões do país.
A ACT publica ainda mensalmente um boletim eletrônico e eventualmente realiza ou participa de eventos ou cursos específicos em parceria com outras organizações, como o curso de advocacy a ser ministrado em março e outubro de 2013.
As atividades da ACT são elaboradas de acordo com os projetos em andamento, o planejamento estratégico anual discutido pela equipe de trabalho, as ideias e demandas advindas da Rede ACT, da sociedade, e a dinâmica sócio-política brasileira.
3) RS – A ACT também busca contribuir para que o Brasil tenha políticas públicas abrangentes de controle do tabagismo. Como você avalia as medidas do governo em prol dessa causa? Como tem avançado as políticas brasileiras nos últimos anos?
MA – O Brasil apresentou significativa queda na prevalência de fumantes nos últimos 20 anos, fruto das campanhas e medidas já adotadas, mas ainda temos 24,6 milhões de brasileiros de 15 anos ou mais de idade fumantes. Vale ressaltar que entre as pessoas sem instrução ou com menos de um ano de estudo, a proporção dos que começaram a fumar antes dos 15 anos de idade chega a 40,8%. E mesmo entre escolares, o índice de experimentação ainda é considerado alto, o que reforça a necessidade de medidas preventivas.
O governo teve importante papel na defesa da saúde pública ao criar, por exemplo, o Programa Nacional de Controle do Tabagismo, e conta com técnicos altamente qualificados para lidar com o tema no Inca [Instituto Nacional de Câncer], Anvisa e SVS, mas tem deixado a desejar ao restringir sua atuação e procrastinar decisões que precisam ser tomadas para dar fiel cumprimento às legislações aprovadas pelo Congresso Nacional e também ao cumprimento da Convenção Quadro para o Controle do Tabaco, tratado internacional do qual o Brasil é signatário. Nesse sentido é de grande importância a articulação da sociedade civil para monitorar e cobrar por medidas efetivas de interesse público.
4) RS – A lei 12.546/11, conhecida como “a lei antifumo” completou um ano no dia 14 de dezembro sem regulamentação. Na sua avaliação, a que se deve essa morosidade?
MA – Nada justificaria essa demora de mais de um ano, pois existe já experiência nacional e internacional suficiente para fundamentar a elaboração dessa regulamentação. Diante disso, se pode deduzir que a morosidade se deve à falta de compromisso efetivo com esse problema de saúde pública e/ou vulnerabilidade à pressão por parte das indústrias de tabaco e seus aliados.
5) RS – Sem essa regulamentação no prazo de um ano, como ficará a tramitação em 2013?
MA – Continuamos cobrando e aguardando pela regulamentação adequada em 2013. Certamente não basta apenas aprovar uma lei, é preciso que ela seja de conhecimento da população, que possa compreender o porquê de sua necessidade e da importância da colaboração de todos, pois isso fará com que no futuro as próprias pessoas reconheçam e exijam mais os seus direitos na vida coletiva. É também fundamental que se definam os parâmetros de sua aplicação, os responsáveis pela fiscalização e aplicação das sanções em caso de descumprimento. Sem isso, a lei “não pega”, pois fica indefinida e difícil de ser aplicada.
6) RS – Quais são, na sua opinião, os principais prejuízos para o país com a falta de regulamentação dessa lei?
MA – A lei prevê não somente a proibição de fumódromos em espaços fechados, mas também a proibição da propaganda em pontos de venda (exceto exposição de maços), aumento de impostos (até 2015) e expansão de imagens de advertência sanitária (em 2016). Enquanto não é aplicada, os estados sem leis antifumo continuam expondo trabalhadores e clientes ao contato diário com a fumaça tóxica produzida pelo fumo em ambientes fechados, e a propaganda segue sendo feita amplamente nos pontos de venda, induzindo ao consumo especialmente por jovens. Enfrenta-se o risco de retrocesso em uma área onde as conquistas foram evidentes e indiscutíveis em prol da saúde coletiva.
7) RS – A ACT lançou no dia 4 de dezembro uma campanha para incentivar a regulamentação do instrumento. Quais os principais resultados da iniciativa?
MA – Lançamos uma campanha por meio das mídias sociais, como Facebook e Twitter, e nas mídias sociais dos parceiros e da Rede ACT. A ideia foi fazer uma contagem regressiva, até o dia 14 de dezembro, quando a lei completou um ano sem a devida regulamentação. A cada dia publicamos um post, chamando a atenção para o fato de que, sem regulamentação, não há cumprimento da lei. Também mandamos twits para o Ministro da Saúde, Alexandre Padilha, e da Casa Civil, Gleisi Hoffmann, cobrando a regulamentação. No dia 14, levamos algumas pizzas no gabinete do ministro Padilha, já que tememos que o assunto “termine em pizza” e que seja mais uma “lei que não pega”, mas dessa vez por inépcia do governo.
8) Quais ações a ACT pretende realizar neste ano em prol dessa causa?
MA – Estamos planejando nossas ações e atividades, mas com certeza vamos continuar a cobrar a regulamentação dessa lei e das demais medidas de controle do tabagismo, tais como aumentos contínuos de impostos sobre produtos de tabaco, proibição da propaganda de tabaco nos pontos de venda, proibição dos aditivos nos produtos, para torná-los mais palatáveis. Também produzimos estudos, pesquisas e material informativo sobre questões relacionadas a tabaco, além de trabalharmos datas pontuais, como o Dia Mundial Sem Tabaco (31 de maio) e o Dia Nacional de Combate ao Fumo (29 de agosto).
9) RS – Na sua opinião, quais são os desafios do Brasil para ter uma legislação robusta para o controle do tabagismo?
MA – Sabemos que a pressão da indústria é grande, isso é fato público e notório no Brasil e em qualquer país que esteja adotando medidas eficazes para redução do consumo de cigarros. Em outras palavras, a interferência da indústria do tabaco, entendida como um conjunto de atores que defendem os interesses comerciais desse setor, é o principal obstáculo. Obviamente a defesa desses interesses tem fortes conexões em várias instâncias do governo e é necessária muita vontade política para enfrentar as ameaças e pressões exercidas pela indústria nesse processo.
O governo precisa entender que a sociedade apoia a adoção de regulamentação que proteja as crianças e adolescentes da forte promoção de produtos de tabaco, seja ele por meio de embalagens lindas e atrativas e/ou de aditivos para mascarar o gosto ruim do tabaco, e também a adoção de ambientes livres de fumo. Mas, assim como os cigarros são mascarados com aditivos, os argumentos da indústria do tabaco são mascarados com cenários de catástrofe econômica caso as medidas em questão sejam adotadas. São argumentos falaciosos que jamais se concretizam na vida real. Em resumo, o principal desafio é fazer com que o governo entenda que medidas saúde pública eficazes não podem incorporar as demandas da indústria do tabaco.
10) RS – Qual será o papel da ACT nesse contexto?
MA – Nosso papel é pressionar o governo para avançar nas medidas que precisam melhorar e/ou serem implementadas e expor as interferências indevidas da indústria na formatação de políticas públicas de saúde.
11) RS – Qual o seu entendimento do termo ‘responsabilidade social’?
MA – No nosso entendimento, o conceito de responsabilidade social deve englobar a natureza do produto e o seu impacto na sociedade como um todo. A indústria do tabaco se apropria do conceito dissociando-o da natureza do produto que fabrica, e faz uso do conceito para fazer marketing social e comprar boa vontade entre a população e formadores de opinião. De alguma forma é uma estratégia para garantir sua “licença para operar” perante a opinião pública. Argumenta-se que existem muitos consumidores para esse produto e que é melhor que seja fabricado por uma empresa “bacana” que paga impostos e cumpre com as regulamentações impostas pelo governo.
No entanto, a empresa omite que contesta judicialmente, e de outras formas menos explícitas, todas as medidas comprovadamente eficazes para redução do consumo. Continua promovendo um produto que mata um em cada dois consumidores regulares entre jovens e adolescentes e alega que a publicidade é somente para concorrer por fatia de mercado e não atrair novos consumidores. Não assume as consequências e os custos sociais, ambientais e econômicos causados pelo seu produto. O custo do tratamento de algumas doenças atribuíveis tabagismo no Brasil é três ou quatro vezes maior do que o que é arrecadado em impostos. Em outras palavras, o ônus é compartilhado entre toda a sociedade e os lucros são privatizados.
Se houvesse de fato “responsabilidade social” o diálogo seria outro e não somente o discurso vazio de “diálogos com stakeholders” para redação de relatórios institucionais. Isso sem falar na “boa fé objetiva”, que é um conceito jurídico bastante antigo que interpretamos como tendo uma relação direta com o de responsabilidade social. Significa que quando algo acarreta um dano, quem colocou o produto no mercado é responsável por suas consequências independentemente de culpa. Ou seja, nesse caso não cabe o argumento de que a pessoa fumou porque quis e que, portanto, o fabricante não tem nada a ver com o custo da doença.
Isso sem entrar no passivo gigante que essas empresas têm em relação à quantidade de mentiras que deliberadamente propagaram e disseminaram nas últimas décadas. Só descobrimos as diferenças entre o discurso interno e externo dessa indústria por meio de ações judiciais. Se hoje as empresas assumem que o produto causa doenças e mortes não é pelo senso de responsabilidade, mas sim porque não podia mais continuar mentindo. Enfim, ainda falta muita estrada para que as alegações de responsabilidade social da indústria do tabaco possam ser levadas a sério.
Aliança de Controle do Tabagismo (ACT) – Telefone: (11) 3284-7778
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