Eleonora Figueiredo, mestre em Educação e especialista em Responsabilidade Social voltada para o Terceiro Setor, tem uma trajetória atuante no cenário social e uma compreensão abrangente de projetos de instituições sem fins lucrativos. Ela foi assessora de projetos especiais e chancelas da Unesco. Atualmente é gerente de Responsabilidade Social do Instituto Rogerio Steinberg, no Rio de Janeiro, e palestrante em simpósios ligados ao tema Transparência nos Negócios.
1) Responsabilidade Social – Como gerente do Instituto Rogerio Steinberg (IRS), que atua há dez anos na área da educação e cultura, qual a sua compreensão sobre a importância da transparência no Terceiro Setor?
Eleonora Figueiredo – Uma quantidade significativa de entidades sem fins lucrativos ainda executam suas ações utilizando o conhecimento tácito. Decisões pessoais e profissionais são tomadas com base em propostas espontâneas, intuitivas, informais, desprovidas de fundamentos técnicos. No entanto, nem sempre a informalidade, a intuição é suficiente, principalmente quando se pretende maior grau de objetividade, de precisão e de fundamento para produzir bons resultados.
A sociedade de hoje cobra resultados, daí a importância e necessidade de se recorrer à gestão sistemática, estratégica. Ou seja, a principal diferença não está nos seus propósitos, mas nos métodos utilizados para atingi-los.
O momento atual se caracteriza pela tomada de consciência interna, geradora de uma nova postura: da transparência, do amadurecimento, dos compromissos, das responsabilidades. Mas não é nada fácil para os líderes de uma organização reconhecerem-se nesse novo cenário que questiona seus conhecimentos porque demanda novas competências. As pessoas, na realidade, precisam querer mudar e entender o quanto é essencial essa mudança. De nada adianta introduzir novas ferramentas se as concepções permanecem as mesmas assim, nada do que se aprendeu será colocado em prática.
Fritjof Kapra define bem essa questão ao afirmar que “a responsabilidade social de uma organização não pode ser diferente da responsabilidade social dos indivíduos, guardadas as devidas proporções. Deve ter, sobretudo, um comportamento ético”.
2) RS – Para a senhora, quais as competências que um gestor social deve ter?
EF – Antes de qualquer coisa, sensibilidade social. Conhecimento da realidade sócio-econômica do seu entorno; saber criar uma rede de solidariedade e explorar o potencial das parcerias; ter capacidade gerencial; não confundir responsabilidade social com clientelismo; compatibilizar as pressões de curto prazo com visão de médio e longo prazo, ou seja, ter pensamento estratégico.
3) RS – Como é pautado o trabalho do IRS, quais são os principais projetos desenvolvidos hoje e quais as metas para este ano?
EF – O IRS desenvolve suas ações pautado na Teoria das Múltiplas Inteligências, de Howard Gardner, segundo a qual as inteligências são potenciais que poderão ser ou não ativados, dependendo dos valores de uma cultura específica, das oportunidades disponíveis nessa cultura e das decisões pessoais tomadas por indivíduos e/ou suas famílias, seus professores e outros. A inteligência é vista como uma capacidade única que permite aos indivíduos diferentes performances em diferentes áreas de atuação. Nesse sentido, o IRS investe na educação complementar como estratégia propiciadora da mudança social acreditando que talentos podem ser encontrados em todas as camadas da população, independentemente de condições sócio-econômicas. Daí a importância de oferecer condições para o desenvolvimento individual e social de crianças e adolescentes de famílias de baixa renda visando sua participação social, política e produtiva na sociedade. Esse trabalho afina-se também com a Lei 9.394/96, segundo a qual todos os cidadãos brasileiros em idade escolar têm igualdade de oportunidades, no que diz respeito às diferentes potencialidades.
O IRS cumpre sua missão por meio de dois programas independentes e complementares (Despertando Talentos e Desenvolvendo Talentos) levando às escolas públicas (20) e instituições beneficentes (9) educação complementar para crianças e adolescentes por meio de atividades como Artesanato, Dança, Teatro, Música, Contação de Histórias, Brinquedoteca, Educação Física, Capoeira e Informática, beneficiando mais de 20 mil alunos ao longo de sua trajetória e, atendendo em sua sede, cerca de 300 participantes/ano. A meta é atender mais instituições e ampliar parcerias para o desenvolvimento dos beneficiários nas diferentes áreas de talento.
4) RS – Como caminham as iniciativas do IRS com as políticas públicas do Estado? Há uma troca de informações?
EF – O IRS procura se apropriar de informações relativas às políticas educacionais, às reuniões abertas e decisões dos Conselhos Nacional e Municipal de Assistência Social e às ações ligadas à Lei do Menor Aprendiz, de modo a melhor atender seu público-alvo. No Programa Despertando Talentos, o IRS adapta suas atividades ao Plano Político Pedagógico da escola, buscando conjugar suas ações aos conteúdos abordados em sala de aula.
5) RS – O Instituto Rogerio Steinberg tem a missão de desenvolver talentos e transformar vidas por meio da educação complementar em escolas públicas e instituições beneficentes. Qual a importância da avaliação institucional como instrumento de gestão?
EF – A avaliação é uma ferramenta que referenda a missão e a visão da instituição, ou seja, por meio dela é possível verificar se os objetivos e metas propostos foram atingidos ou não e apontar os caminhos alternativos para atingi-los. No instituto, as ações são continuamente monitoradas e a avaliação interna acontece a cada semestre, por meio de indicadores quantitativos e qualitativos
6) RS – Quais os principais resultados apresentados pelo IRS?
EF – Ao longo de dez anos, mais de 20 mil crianças e adolescentes de escolas públicas e instituições filantrópicas foram beneficiados. Mais de 1.000 capacitações/atualizações para educadores (Matemática, Informática, Contação de Histórias e Brinquedoteca) foram realizadas nas instituições atendidas. No Programa Desenvolvendo Talentos, dos alunos com talento acadêmico que participaram de concursos públicos para escolas de excelência, mais de 50% foram aprovados (Colégio Pedro II, FIOCRUZ, CEFET, Instituto de Tecnologia ORT, UERJ, PUC, entre outros). No campo da formação profissional, de 15 participantes, 10 tiveram sua primeira experiência no mercado de trabalho em empresas de multimídia, telemarketing, comércio e manutenção de computadores. Na expressão lingüístico-literária, prêmios concedidos pela Academia Guanabarina de Letras e divulgação de poesias em material impresso de uma cafeteria.
7) RS – Qual o grande desafio do reposicionamento estratégico, segundo proposta de transparência na gestão, para uma instituição que já atua há anos na área da responsabilidade social?
EF – Os desafios são muitos, no entanto, podemos, sintetizá-los em quatro dimensões: no que tange à gestão, identificar e importar ferramentas e métodos eficazes usados no mundo corporativo, customizá-los, adequando-os de acordo com a identidade e finalidade de cada projeto social tendo em vista a demonstração dos resultados e dos impactos produzidos pelas intervenções sociais.
Quanto à cultura organizacional, estar atendo aos valores, percepções, cultura individual, nível educacional, formação humanística, etc, de todos os colaboradores, pois são fatores que contribuem para o estreitamento ou afastamento do cumprimento da missão institucional. Com isso, pretende-se sair da postura passiva, tácita para a postura profissional, pró-ativa da equipe, disseminando a cultura empreendedora.
Como estratégia organizacional, a transparência torna-se hoje uma opção irreversível face os desafios e oportunidades que visam à sustentabilidade e perenidade de qualquer instituição. O que se espera são os registros das ações e resultados, avaliando-se o que a organização está fazendo (como, para que e o que deve fazer para melhorar o desempenho dos beneficiários e dos serviços), culminando com a elaboração de relatórios com dados referentes à evolução estatística dos atendimentos, detalhamento de planos, projetos, dificuldades e soluções encontradas.
Por fim, as parcerias: sozinha, nenhuma organização possui todos os elementos necessários para abordar com eficácia os problemas sociais. Nessa dimensão, vale ressaltar que transparência, profissionalismo, seriedade, credibilidade e reconhecimento são fatores que influenciam decisivamente na captação de mantenedores, doadores e parceiros.
8) RS – Estudo divulgado pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) e pelo Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea) mostrou que após “forte expansão” na década de 90, a multiplicação das ONGs como um todo perdeu fôlego no país entre 2002 e 2005. Na sua avaliação, a que se deve isso?
EF – A história do Terceiro Setor no Brasil está ligada ao surgimento de instituições de caráter assistencial, limitando suas ações à filantropia, à benemerência, nas quais prevaleciam doações do Estado e de pessoas físicas: “fazer o bem sem olhar a quem”. Essas organizações de uma maneira geral realizavam e realizam ações com vistas a suprir deficiências de competência do Estado. Elas não só não olhavam a quem como também não cobravam prestação de contas, nem resultados.
Nos anos 90, o cenário muda: o princípio da transparência começa a reger o Terceiro Setor e a sociedade passa a exigir das organizações explicações sobre o repasse de verba do Estado e a eficácia dos projetos sociais. A discussão no novo século é ainda mais intensa: com as leis de incentivos fiscais a sociedade quer ter o direito de direcionar recursos para essa ou aquela instituição exigindo como contrapartida seu balanço social. A transparência, portanto, está na ordem do dia. Quem não se propuser a fazer um trabalho sério, sensível às causas sociais, certamente terá vida curta.
9) RS – Como a senhora avalia o investimento social privado no Brasil? Há ambiente favorável para esse investimento?
EF – O Brasil não tem a tradição do investimento social privado como acontece, por exemplo, nos EUA e na Europa, onde é comum a prática da filantropia familiar. Com o movimento de responsabilidade social e de investimento social corporativo iniciado há cerca de 20 anos atrás, as empresas ainda estão em processo de definição de foco de atuação. A questão das políticas públicas, a interface com o Estado, ainda é turva. Este início de século, porém, tem sido marcado pela disseminação cada vez mais freqüente das práticas do uso de recursos privados para o desenvolvimento da sociedade, do que é comum a todos nós. O surgimento de institutos e fundações familiares é um exemplo, como suas ações estão dissociadas do negócio, a motivação e a visão são diferentes, investem na transformação social.
10) RS – Qual a sua compreensão pessoal do termo responsabilidade social?
EF – O exercício da cidadania passa também pelo compromisso de contribuir com ações que promovam o desenvolvimento humano e social. Sem confundir responsabilidade social com clientelismo, todos podemos fazer algo em prol da melhoria da nossa sociedade. Precisamos refletir sobre “o outro”, sobre solidariedade. A responsabilidade social, antes de ser disseminada no mundo corporativo, precisa ser disseminada na sociedade propriamente dita. Cada um tem que fazer a sua parte seja na dimensão ambiental, econômica (vide a questão do consumo responsável), seja nas relações interpessoais e coletivas.
Instituto Rogerio Steinberg (IRS) – Tel: (21) 2529-8239
Também nessa Edição :
Perfil: Maria Tereza Cunha
Artigo: Projetos de Responsabilidade Social
Notícia: O que deu na mídia (edição 61)
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Oferta de Trabalho: Procura-se (09/2008)
Fernando says
Linda e inteligente como sempre! ❤️