
A última edição de 2010 do Responsabilidade Social.com traz uma entrevista com a presidente do Instituto Hartmann Regueira (IHR), Cecília Regueira. A entidade mineira oferece soluções em gestão para investimentos sociais e já beneficiou organizações do terceiro setor todo o país.
Na avaliação da especialista, o gerenciamento das ONGs no Brasil ainda é muito incipiente e carece de uma visão mais sistêmica de todo o processo. “É importante que os financiadores e parceiros das organizações sociais invistam na sua capacitação. Uma necessidade que percebemos é também a de fazer com que muitos que investem em projetos sociais entendam que as organizações sociais têm despesas fixas. É ainda raro encontrar investidores sociais que admitem que as organizações insiram rubricas administrativas nos projetos”, destacou.
Cecília Regueira avaliou ainda os investimentos sociais realizados no Brasil, apontou os principais desafios para o terceiro setor nos próximos anos e antecipou os planos da instituição para 2011. Acompanhe.
1) Responsabilidade Social – A senhora é a criadora do Instituto Hartmann Regueira (IHR) que tem por missão fortalecer a gestão de instituições para que elas cumpram sua missão social. A senhora pode explicar como esse trabalho é feito e quais são as suas prioridades à frente da instituição?
Cecilia Regueira – Começamos o trabalho do IHR em 2003, desenvolvendo e executando nossos próprios projetos com nosso pessoal interno. Logo percebemos que havia inúmeras iniciativas notáveis, de terceiros (empresas, governo e outras organizações sociais) e que, se nos juntássemos a elas, poderíamos contribuir para a ampliação substancial da geração de riqueza social delas decorrentes. Passamos a focar, então, na identificação de investimentos sociais com potencial de impacto escalonável e de parceiros com quem e para quem pudéssemos desenvolver estruturas, métodos e processos que levassem a maior eficiência e eficácia dos seus projetos.
Nosso negócio passou a ser oferecer soluções em gestão para investimentos sociais e para a própria sustentabilidade das empresas. Executar projetos desenvolvidos em parceria com terceiros e o nosso Programa de Desenvolvimento em Gestão (PDG.org) foram consequências naturais dessa visão. O PDG.org tem contribuído notavelmente para o fortalecimento da gestão das organizações sociais. Trata-se de um programa holístico, que integra processos, transcende a formação individual, aborda a organização como um todo e avança na aplicação prática dos seus conteúdos e na geração de soluções para as diferentes áreas da organização, sempre com foco no seu desenvolvimento em gestão, governança e transparência.
Diante da necessidade premente de capacitar empresas, ONGs, conselhos municipais, etc., o PDG.org se configura como um excelente instrumento para a auto-sustentação dos investimentos sociais. Esse programa com seus recursos tecnológicos, testados e aprovados, e com sua metodologia reconhecidamente eficaz, pode ocupar o espaço de iniciativas dispersas e desordenadas, contribuindo para o direcionamento focado dos recursos.
Podem fazer uso do PDG.org aquelas empresas cujos negócios afetam diretamente a vida de algumas cidades, e que têm demonstrado desejo de fortalecer o capital social desses lugares e, para isso, têm buscado investir na capacitação delas próprias, com relação à eficiência e eficácia dos seus investimentos sociais, das ONGs com as quais elas operam, e como forma de contribuir para a implantação, ou a execução com sucesso, de políticas públicas relevantes para suas áreas de atuação empresarial.
2) RS – Além do PDG.org, em que projetos e ações o instituto está envolvido atualmente?
CR – Temos o programa “Fórum de Investidores Sociais” (FIS), que é um espaço de debates e compartilhamento de conhecimentos e experiências em torno de temas como responsabilidade social e sustentabilidade. Por meio dele, o instituto propicia a construção de articulações entre empresas, organizações sociais e órgãos governamentais. Pela iniciativa, são promovidos seis encontros anuais, com participação média, em cada um, de 150 a 200 pessoas. Desde 2003, mais de oito mil pessoas participaram desta iniciativa.
O instituto mantém, ainda, o “Universo Social”, um programa destinado a profissionais dos três setores, que já atuam ou desejam atuar na geração de riqueza social sustentável. Trabalham-se temas como investimento social sustentável, elaboração e gestão de projetos, comunicação, captação de recursos, gestão econômico-financeira de organizações de terceiro setor, monitoramento e avaliação de investimentos sociais, etc. A iniciativa é voltada para indivíduos interessados, assim como empresas interessadas em fortalecer o capital social dos lugares em que têm seus empreendimentos de negócios. Recente participou do ciclo de capacitação a empresa AngloGold Ashanti. A iniciativa já beneficiou 1.400 pessoas.
Outra ação de destaque é o “Projeto de Fortalecimento da Educação Municipal (FEM)” concebido e desenvolvido pelo instituto. O projeto visa contribuir para a melhoria da educação municipal, fortalecendo a relação da educação com o processo de desenvolvimento humano, social e econômico da comunidade. A proposta é desenvolver uma alternativa de investimento em educação para o município, que considere sua realidade, seus recursos e suas necessidades, e que possibilite o melhor uso possível dos recursos do Fundeb [Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica e de Valorização dos Profissionais da Educação] maximizando os resultados educacionais. Participam prefeituras municipais.
Por fim, destaco o “Programa de Educação Profissional na Educação de Jovens e Adultos” (PEP EJA), da Fundação Roberto Marinho, realizado em parceria com a Secretaria de Estado de Minas Gerais. A iniciativa visa capacitar alunos do ensino médio por meio da qualificação profissional. A ação é realizada em 442 escolas da rede estadual de Minas Gerais, distribuídas em 329 municípios. Compete ao IHR elaborar e desenvolver todo o sistema de cadastro do programa; coordenar 603 orientadores de aprendizagem; e elaborar e implementar a gestão do sistema de monitoramento do programa. A iniciativa já beneficiou mais de 24,1 mil alunos.
3) RS – Em novembro passado, o PDG.org On-Line recebeu o prêmio ARede de Inclusão Digital 2010 na categoria Capacitação de Terceiro Setor. Qual a importância desse prêmio para a instituição?
CR – É um incentivo para continuarmos na nossa busca por excelência nos nossos programas institucionais. É um reconhecimento pela qualidade do nosso trabalho e se torna uma ferramenta de marketing para um programa de desenvolvimento em gestão concebido e desenvolvido por uma organização social para organizações sociais. Nós estamos expostos a todos os leitores da revista “A Rede”. É um privilégio para nós.
O PDG.org é um projeto avançado de formação, com foco em gestão, destinado às instituições dos três setores interessadas em aumentar a eficiência e eficácia de seus investimentos sociais. É constituído de módulos de ensino, compostos de palestras e de workshops, e de um amplo processo de coaching social para cada organização participante.
O programa tece, ainda, uma rede de aprendizagem contínua para compartilhamento de experiências de gestão. Apresenta-se nas modalidades presencial e semi-presencial. Atualmente, o PDG.org tem clientes em Minas Gerais, Rio de Janeiro, São Paulo, Paraná, Mato Grosso do Sul, Distrito Federal, Espírito Santo e já beneficiou 1.590 pessoas de 23 organizações.
Eu destaco também o reconhecimento público do trabalho realizado pelo IHR, por meio dos prêmios Troféu Beija-Flor 2008, na categoria Instituição, devido aos trabalhos realizados no PDG.org; e o Colar Objetivos do Milênio 2008, por ter dedicado o ano de 2007 aos Objetivos do Milênio.
4) RS – Quais as metas do instituto para 2011?
CR – Entre nossas metas para 2011, estão: aprimorar o modelo de negócios sustentável da nossa organização; aumentar em 100% o número de organizações e pessoas atendidas por nossos programas de capacitação; expandir e fortalecer a nossa rede de parceiros nacionais e internacionais.
5) RS – O que a senhora entende por ‘responsabilidade social’?
CR – Quero destacar três linhas importantes e convergentes de responsabilidade social. Numa visão ampliada da questão, todos os cidadãos são corresponsáveis pelo desenvolvimento social: a construção de soluções para a garantia de uma vida digna para todos. Todos nós, em nossas comunidades, em nossos municípios, devemos participar ativamente das iniciativas para a superação das mazelas sociais e a consolidação de políticas públicas convergentes com os direitos de todos e as demandas específicas dos diversos grupos sociais. É um compromisso ético individual e intransferível.
No entanto, o conceito de responsabilidade social ganhou força com sua vinculação com as ações empresariais: a responsabilidade social corporativa. Trata-se de outro terreno vital de desenvolvimento de ações convergentes com a garantia de direitos e construção de soluções para a geração de riqueza social e para a melhoria das políticas públicas. As empresas expressam seu compromisso ético com causas sociais mais abrangentes. Ou seja, as empresas avançam do seu compromisso com a geração de empregos, o pagamento de impostos e a geração de produtos e serviços para os investimentos em programas e projetos ambientais, culturais, de educação, de saúde, de promoção e defesa de direitos, dentre tantos. Avançam, diversificam e fortalecem sua presença e atuação social.
Numa terceira frente de atuação, destaco as organizações sociais, aquelas que expressam a organização e a participação política da sociedade civil. Temos hoje um conjunto de entidades socialmente responsáveis com forte presença nas comunidades, que conduzem iniciativas criativas e de grande relevância social.
Chamo atenção para a necessidade de maior investimento nessas organizações, particularmente na sua formação para a gestão. É o caminho para fortalecer sua sustentabilidade, ampliar suas frentes de atuação e preservar sua criatividade e seu poder de transformação social. Precisamos fortalecer todas as linhas de responsabilidade social em nosso país, sejam cidadãos, empresas, governos e organizações sociais para que esses desenvolvam ações articuladas e convergentes para a melhoria da vida de todos.
6) RS – Como a senhora avalia a gestão das ONGs no Brasil? É possível afirmar que as instituições brasileiras têm clareza, por exemplo, sobre o marco regulatório e princípios gerenciais, que podem contribuir para a administração das ONGs?
CR – A meu ver, a gestão das ONGs no Brasil ainda está em processo de profissionalização muito incipiente. É importante que os financiadores e parceiros das organizações sociais invistam na sua capacitação. É comum ouvir líderes sociais falando sobre a necessidade de revisão do marco regulatório, de modo a contemplar a realidade das organizações sociais, e sobre a necessidade de capacitação em princípios e ferramentas gerenciais. No entanto, isso ainda se encontra mais no campo do discurso, menos na prática. Talvez, por estarem quase o tempo todo focadas em sua sobrevivência de curto prazo, essas organizações tenham dificuldade de perceber a premência de investir nessas frentes para sua sustentabilidade.
7) RS – Na sua opinião, quais os principais desafios para o terceiro setor no Brasil?
CR – O maior desafio que as organizações de terceiro setor enfrentam no Brasil é o desafio da sustentabilidade. Sobreviver, crescer e perenizar suas iniciativas é um trio de desafios centrais para a imensa maioria das organizações sociais brasileiras. Esse desafio tem conexão direta com a necessidade de profissionalização de gestores e aprimoramento contínuo da gestão das organizações sociais.
O Instituto Hartmann Regueira reconhece os desafios de formar gestores, implantar processos de gestão, criar a cultura e a prática da gestão no terceiro setor e trabalha para criar espaços e oportunidades de superação desses entraves. É preciso fortalecer as organizações sociais e com isso garantir melhores condições para que elas exercitem sua criatividade institucional, gerem impactos de qualidade nas políticas públicas e alcancem mais comunidades e cidadãos com seus projetos e ações.
Uma necessidade que percebemos é também a de fazer com que muitos que investem em projetos sociais entendam que as organizações sociais têm despesas fixas. É ainda raro encontrar investidores sociais que admitem que as organizações insiram rubricas administrativas nos projetos. É como se elas não precisassem pagar contas de água, luz, telefone e aluguel.
Os financiamentos dos projetos deveriam também pagar, proporcionalmente, pelos custos da organização. Poucos entendem que uma organização social pode ter superávit, pode ter aplicação financeira para que, nos períodos de escassez, ela possa manter sua equipe trabalhando para a criação de um novo modelo de negócios que gere a sua sustentabilidade.
8) RS – Para a senhora, os investimentos feitos nas causas sociais nos últimos anos no país são suficientes?
CR – Os investimentos sociais feitos por empresas e pela sociedade civil são ínfimos em relação ao PIB [Produto Interno Bruto] nacional, apesar de existirem alguns exemplos notáveis aqui e acolá. Os investimentos sociais de empresas hão de ser alinhados com a própria estratégia empresarial da instituição, e sempre seguindo os princípios de investimento responsável. Por exemplo, se o negócio da empresa envolve produtos da Amazônia, os investimentos de cunho social dessa empresa deveriam estar associados a toda a cadeia da sua atividade produtiva, aos seus impactos na região e na população.
Refiro-me a investimentos em educação, saúde, formação de mão-de-obra, criação de oportunidades de trabalho e geração de renda, enfim, uma visão mais ampla da sustentabilidade, que não se limite à empresa em si, e que abranja o ambiente, o ecossistema, as pessoas que a empresa impacta. Agora, existe ainda a necessidade de se avaliar, de haver um monitoramento mais ativo, sistemático para se poder medir a eficácia e a eficiência do investimento social que é feito no Brasil. Essa, por sinal, é uma das soluções em gestão que o IHR oferece.
Instituto Hartmann Regueira – Telefone: (31) 3228-1750
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