Carlos Humberto Perissé é engenheiro mecânico, administrador e diretor da Quest/Quantinet, uma empresa especializada em pesquisas de mercado. Em setembro, a instituição conduziu um estudo para avaliar a “pegada ecológica” dos brasileiros. O resultado não é nada animador: Para garantir o suprimento de alimentação, vestuário, educação, saúde, cultura, trabalho, moradia, transporte, comunicação e entretenimento uma pessoa precisa em média de 2,2 hectares para viver de forma sustentável na Terra, mas a média para as pessoas que participaram da pesquisa é de 5,9 hectares. “A Terra nos oferece, em média, 1,8 hectares por pessoa, ou seja, a humanidade já está consumindo mais do planeta do que pode”, alerta Perissé.
O interesse do executivo pelo tema teve início ainda na infância, mas se acentuou quando ele morou nos Estados Unidos, onde pôde sentir as consequências da poluição. “Havia dias em que eu não conseguia respirar devido à poluição. Não gostaria de reviver aquela sensação de falta de ar aqui no Brasil”, lembra.
Hoje, Perissé se considera um consumidor atento às questões ambientais e a saúde do planeta já norteia as tomadas de decisão dentro da empresa. Em entrevista exclusiva para o Responsabilidade Social, ele faz um breve balanço da COP-15 e como a participação do Brasil na conferência pode interferir no cenário político no próximo ano. Também detalha a pesquisa e fala da urgência em implementar medidas eficazes para frear o aquecimento global. Acompanhe.
1) Responsabilidade Social – Até a última sexta-feira (18), a atenção do mundo estava voltada para os problemas ambientais e nas propostas para frear o aquecimento global. Qual a avaliação do senhor sobre a 15ª Conferência das Partes da Convenção de Mudanças Climáticas das Nações Unidades, a COP-15? Quais ações são prioritárias para salvarmos o planeta?
Carlos Humberto Perissé – A ação principal é a mudança de atitude e, sinceramente, ela não tem nada a ver com a COP-15. Os negociadores e os governantes estão mais concentrados nos aspectos que afetam diretamente suas economias. Para a China, a preocupação é como continuar crescendo a taxas acima de 7% ao ano se tiverem que mudar a matriz energética, para os EUA a preocupação é como retomar o crescimento econômico investindo em tecnologias energéticas limpas, preocupação que nunca houve lá, no Brasil a preocupação é como controlar as queimadas no Centro Oeste e no Norte e etc. A COP-15 é importante porque ela é a primeira reunião tratando de sustentabilidade após a crise econômica de 2008/2009.
Mas a ação prioritária para salvarmos o planeta não foi sequer mencionada nos principais fóruns da COP-15. As verdadeiras questões são outras. Quanto os governos vão investir nos próximos anos para educar e mudar a atitude das pessoas em relação à sustentabilidade, ou seja, quanto será investido em educação? Que programas educacionais serão criados para que as pessoas minimamente saibam o que é sustentabilidade e como agir para tornar o seu espaço de vida viável para as próximas gerações? Que políticas serão implantadas para que as empresas invistam mais em tecnologias que minimizem a emissão de gases e a geração de dejetos? Até que ponto a mídia poderá reportar e questionar os governos e tomadores de decisão para manter o assunto sustentabilidade em evidência? Os fóruns para essas discussões serão locais e direcionados para assuntos específicos e a ação prioritária é a educação e a informação.
2) RS – Para o senhor, a participação do Brasil na Conferência terá impactos nas tomadas de decisão do governo no próximo ano? A sustentabilidade é uma bandeira política eficaz?
HP – Sim, terá. Isso já está ocorrendo. Não por acaso, o chefe da delegação brasileira no COP-15 é Dilma Roussef. Dois meses antes da COP-15 o governo brasileiro – e outros governos também – não tinham proposta nenhuma. A cobrança foi tão grande, que as propostas apareceram. Uma parte da opinião pública se mobilizou – aqui e em outros países – e a COP-15 ganhou sentido.
Tente pedir a uma pessoa comum para definir o termo sustentabilidade. As chances de que ela não saiba são grandes e todos escutam falar disso o tempo todo. Porque isso ocorre? Atitude. A bandeira da sustentabilidade seria excelente como plataforma política, mas, infelizmente, seria capaz de sensibilizar a poucos e para vencer uma eleição é necessária a maioria. Caberá à mídia principalmente, cobrar do governo, a atitude de valorização dos aspectos relacionados à sustentabilidade.
3) RS – A QuantiNet realizou no mês de setembro a pesquisa “Pegada Ecológica”, com mais de 2 mil internautas de todo o país. Quais são os principais resultados dessa pesquisa? A partir dos dados coletados é possível afirmar que o consumidor brasileiro tem ideia do impacto das suas decisões diárias na qualidade do clima?
HP – Pelo contrário. Infelizmente vemos que a maioria não tem. A Pegada Ecológica média para as pessoas que participaram da pesquisa é de 5,9 hectares. O que isso quer dizer?
A Pegada Ecológica é um conceito idealizado por William Rees em 1996. Ele estava preocupado em estudar e desenvolver formas de reduzir o impacto das populações na Terra. Para isso, ele propôs uma forma de medir o impacto causado por uma pessoa, uma população, um país. O cálculo é feito em hectares. Um hectare equivale a um quarteirão urbano de 100 por 100 metros ou a uma circunferência de 112 metros de diâmetro. Por meio da Pegada Ecológica, podemos estimar de “quantos planetas Terra” necessitamos para levar uma vida em harmonia com os recursos naturais da Terra de se regenerar.
Uma pessoa precisaria, em média, de 2,2 hectares para viver de forma sustentável na Terra, garantindo o seu suprimento de alimentação, vestuário, educação, saúde, cultura, trabalho, moradia, transporte, comunicação, entretenimento, etc. Essas atividades implicam na exploração da natureza: matéria prima, energia, água, terras agricultadas, áreas urbanizadas e, ainda, a bolsões de absorção dos resíduos gerados por todas as etapas dos processos envolvidos na transformação de recursos. A Terra nos oferece, em média, 1,8 hectares por pessoa, ou seja, a humanidade já está “consumindo” mais do planeta do que pode.
O Brasil oferece aos seus habitantes 6,0 hectares por pessoa e, em média, os brasileiros utilizam 2,2 hectares por pessoa. Portanto, poderíamos pensar: “estamos com sobras!”. Só que não é bem assim.
Nós entrevistamos 2.800 pessoas que vivem em cidades grandes e que têm acesso à internet. Essas pessoas são das Classes A, B e C, com média de 32 anos de idade e nível de educação e renda mais elevado que a maioria da população brasileira. Portanto, uma população urbana.
Para esse conjunto de pessoas a Pegada Ecológica média é de 5,9 hectares por pessoa! Em outras palavras, as populações urbanas do Brasil vivem com um nível de “consumo da natureza” bem alto. Esse nível é da mesma ordem que a média do Reino Unido, por exemplo, e tão alta quanto a de diversos outros países europeus. Assim, em pouco tempo, esgotaremos a capacidade de auto-sustentação do Brasil.
Outro aspecto importante que observamos é o efeito da afluência, isto é, quanto mais alto é o poder econômico de uma família, maior é o seu impacto, ou seja, as pessoas que mais consomem são, em geral, as de maior nível de escolaridade. Tanto é assim que entre os pesquisados com maior Pegada Ecológica, 51% têm curso superior completo e entre os de menor Pegada Ecológica, apenas 21% têm curso superior completo. Essa constatação nos remete a sua pergunta inicial; a ação prioritária para salvar o planeta está relacionada à educação. As pessoas mais instruídas são justamente as que mais consomem. O sistema educacional não valorizou ainda o suficiente os temas relacionados à sustentabilidade e, conseqüentemente, a ascensão econômica não proporciona o consumo consciente.
4) RS – O senhor é profissional de pesquisa de mercado há 18 anos. Na sua avaliação, as pessoas estão mais preocupadas hoje com as mudanças climáticas do que há uma década?
HP – Bem, há 10 anos eu não teria a menor possibilidade de fazer uma pesquisa enfocando temas como sustentabilidade e cidadania como fazemos hoje na QuantiNet (http://www.quantinet.com.br). Fazer um levantamento de dados como esse demanda muitos recursos financeiros se for realizado por telefone ou face a face. O levantamento por telefone ou face a face, que nós também fazemos, tem a vantagem de produzir uma amostra mais representativa da população. Nós temos o recurso do levantamento pela internet que custa, sensivelmente, menos e é muito ágil.
Temos usado nossos próprios recursos para fazer levantamentos sobre assuntos polêmicos ou de interesse geral como foi o caso da Pegada Ecológica. Estamos estudando, por exemplo, a relação entre cidadania e eleições de 2010.
5) RS – Como começou o seu interesse pelo tema da responsabilidade socioambiental?
HP – Meu pai sempre assinou revistas científicas americanas. Eu não sabia inglês, mas tentava entender. Diversos assuntos eram relativos ao meio ambiente e sua conservação. Em se tratando de conhecimento, interesse pelas coisas, a influência em casa é primordial.
Mas o meu interesse pelo assunto se acentuou quando morei nos Estados Unidos. Eu morava a leste de Los Angeles e havia dias em que eu não conseguia respirar devido à poluição que vinha de lá. Numa situação assim você começa a se perguntar se ninguém está percebendo que há alguma coisa muito errada. Não gostaria de reviver aquela sensação de falta de ar aqui no Brasil.
6) RS – Qual o peso das questões climáticas e ambientais nas tomadas de decisão do senhor à frente da empresa?
HP – Nossa empresa é pequena, empregando cerca de vinte funcionários. Procuramos equipá-la com aparelhos novos, de baixo consumo, e implantamos uma cultura de baixo desperdício. Mas acredito que nossa maior contribuição tem sido a condução dessas pesquisas com assuntos polêmicos e que nos dão a oportunidade de discutir seus resultados na imprensa e com os participantes do site. Temos o nosso blog (http://www.quantinet.com.br/blog) para a condução dessas discussões e observamos, com muita satisfação, o aumento da participação das pessoas nessas discussões abertas.
7) RS – E fora do trabalho? Quais as principais medidas ambientalmente corretas que o senhor implementou na sua rotina nos últimos tempos? O senhor se considera um consumidor consciente?
HP – Sim, me considero um consumidor consciente. Minha rotina não mudou muito recentemente. Já há tempos procuro consumir somente o necessário, evito embalagens desnecessárias, etc.
8) RS – O que é, na sua opinião, responsabilidade social, econômica e ambiental?
HP – São atitudes cidadãs. Embora poucos já tenham se tocado, não temos mais o direito de não pensarmos que nossas ações de hoje têm impacto direto no nosso ambiente social, econômico e ambiental de amanhã. Temos que entender o que impacta e como impacta nosso ambiente, nos corrigirmos e passarmos esse entendimento adiante. Acredito que a melhor maneira de fazer isto é por meio da discussão aberta e franca de assuntos que nos trazem impactos para o futuro
QuantiNet – Tel.: (11) 5084-0876
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