
Finalista do Prêmio Empreendedor Social de Futuro 2013, o jornalista mineiro Tony Marlon é o idealizador do Instituto Escola de Notícias, que oferece, gratuitamente, em Campo Limpo, bairro periférico da capital paulista, uma escola comunitária, oficinas de jornalismo, produção de vídeos e publicação de jornais e revistas. A Escola de Notícias é uma empresa do “setor 2,5”, de negócios sociais. Dessa forma, além de mapear talentos em potencial no bairro, leva conhecimento e ainda traz a possibilidade de remuneração aos beneficiados, valorizando histórias, investigações e, principalmente, pessoas.
“A ideia de termos um empreendimento social, e não um projeto social, que fomentasse um ambiente onde aprender e ensinar fosse prazeroso, significativo e democrático, assim como esses valores estivessem também norteando a parte business”, destaca Tony. Ainda segundo ele, o setor 2,5 é o futuro, no sentido em que ele consegue receber recursos, gerar receita, dentro do seu próprio core business. “É um autofinanciamento, uma forma de gerar impacto não apenas redirecionando o recurso, mas dentro da própria cadeia produtiva”, completa.
Nascido em Salinas, na região do vale do Jequitinhonha, e filho de boias-frias, ele passou por outras duas cidades com os pais em busca de melhores oportunidades, antes de chegar à zona sul paulistana. Apreciador de rádio desde pequeno, foi acolhido pela ONG Projeto Arrastão, onde teve os primeiros contatos com oficinas de comunicação. Selecionado num programa da Fundação Abrinq, entre 250 inscritos, ganhou bolsa para a faculdade. Trabalhou em rádios e descobriu que queria mesmo era fazer um trabalho voltado à sua comunidade. Na entrevista exclusiva ao Responsabilidade Social.com, ele detalha o projeto Escola de Notícias, apresenta os principais resultados e antecipa as metas para 2014. Confira.
Responsabilidade Social – Você é o responsável pelo “Escola de Notícias”, projeto que apresenta impacto positivo em Campo Limpo, bairro periférico da capital paulista. Qual foi a sua principal motivação para desenvolver essa iniciativa?
Tony Marlon – Sabe que eu acredito cada vez mais que nenhuma decisão que a gente toma na vida nasce de um fato apenas. Ela sempre nasce de um conjunto de situações, boas e ruins. E a gente acaba achando que é um fato só que nos levou a ela. É o caso do Escola de Notícias. A ideia de termos um empreendimento social, e não um projeto social, que fomentasse um ambiente onde aprender e ensinar fosse prazeroso, significativo e democrático, assim como esses valores estivessem também norteando a parte business da brincadeira, nasceu por tudo que fui vendo e vivendo desde a adolescência, quando eu frequentei diversas organizações sociais diferentes, que me ajudaram muito na minha formação, em me tornar quem eu sou hoje.
Mas, apesar de amar esses lugares, eu sempre olhava como essas estruturas poderiam ser mais rentáveis, social e economicamente. Como elas poderiam gerar mais impacto social, mas também como elas poderiam se posicionar de maneira diferente dentro da economia local, dentro da mídia etc. Eu, por exemplo, nunca entendi muito como um projeto pode existir só enquanto ele tem financiador, mesmo com condições de vender serviços, produtos e até a própria tecnologia social para sobreviver. Eu olhava para um projeto acabando por não ter financiador, e pensava: mas é justo criar uma expectativa numa comunidade em cima de uma linguagem e depois isso, simplesmente, acabar?
Acho que a inspiração veio de tudo isso: de achar que a estrutura poderia avançar, que a gente poderia ousar mais na estruturação dos negócios e não achar que somente a gente tem a solução do problema. E veio de uma professora minha, no ensino médio, que falou que eu era uma laranja podre. Eu não quero viver num mundo em que quem deveria me formar, me deforma, me desrespeita.
RS – Em linhas gerais, qual o objetivo e as diretrizes da iniciativa?
TM – O Escola de Notícias é duas coisas: de um lado, uma empresa social que comercializa produtos e serviços em comunicação, formação de público e mobilização comunitária. Com essa empresa, geramos renda para nós, para manter a estrutura e contratar a equipe do outro eixo: a Escola de Comunicação Comunitária.
Com a Escola de Comunicação, queremos conectar escolas públicas, particulares, universitários, talentos locais e poder público para aprenderem, juntos, como colocamos a comunicação a serviço da construção de uma comunidade melhor. Para isso, temos uma metodologia desenhada que investiga apreciativamente a comunidade, a partir de oficinas de vídeo, rádio, fotografia e jornalismo.
Na Escola de Notícias queremos esquecer o “carente” (sobrenome adotado para quem mora na periferia) e começar a olhar a nós mesmos, a comunidade, as pessoas, pela lente da abundância, do copo meio cheio. E usar a comunicação para contar isso para o mundo.
RS – O “Escola de Notícias” apostou no formato “setor 2,5” – um híbrido entre o segundo e terceiro setores. Na sua avaliação, quais as principais vantagens desse modelo?
TM – De verdade, eu cada vez mais acredito que, daqui a alguns anos, quem desenvolve trabalho de desenvolvimento comunitário e pessoal vai ter que repensar o seu modelo de doação e financiamento institucional de fundo perdido. Com todas as crises econômicas, e as novas formas de organização da sociedade em coletivos, movimentos, e não em instituições organizadas, acho que nós seremos cada vez mais chamados pelo propósito, e não por um nome, um CNPJ. Por isso, o setor 2,5 para mim é o futuro, no sentido em que ele consegue receber recursos, gerar receita, dentro do seu próprio core business. É um autofinanciamento, uma forma de gerar impacto não apenas redirecionando o recurso, mas dentro da própria cadeia produtiva.
Quando uma ONG nos contrata para formar jovens em comunicação, além dela nos financiar diretamente, ser um investidor social direto que irá criar condições para que a Escola de Comunicação exista, por exemplo, permite que nós desenvolvamos nossa missão institucional quando entregamos o serviço contratado por esse cliente. É a responsabilidade social não como área, mas como valor institucional das organizações.
RS – Somente nos últimos dois anos, o “Escola de Notícias” foi indicado para cinco premiações. A que você atribui esse reconhecimento?
TM – Existe amor em tudo isso que a gente está se propondo a fazer, tanto comercialmente quanto pedagogicamente. Se não fosse por amor, e com o amor guiando, o Escola de Notícias já poderia ter acabado faz tempo. Nunca tivemos um investidor, um patrocinador, um apoiador institucional. Sempre conseguimos sobreviver vendendo coisas que sabemos fazer. Eu acho que quando as pessoas olham pra isso, elas veem amor. Pois só ele explica tanta teimosia. O relatório de atividades, a planilha de aula, tudo isso é importante. Mas, tem que ter amor.
RS – Além dessas conquistas, quais são, na sua avaliação, os principais resultados do projeto?
TM – No ano passado, ter feito a Escola de Comunicação Comunitária foi uma experiência incrível e uma grande conquista. Fizemos uma jornada com jovens de 17 escolas públicas e particulares, conectando pelo menos umas 400 pessoas entre comerciantes, educadores e artistas locais. Foi lindo ver isso acontecendo.
Além disso, acredito que termos conseguido um espaço, graças ao Espaço Cultural CITA, nosso eterno padrinho e parceiro de vida, foi uma conquista maravilhosa que mudou tudo em nossa trajetória. Com os meninos, já temos pessoas entrando na faculdade, em cursos, entrando em estágios e tudo mais.
RS – Fale um pouco sobre o jornal impresso “Viver Campo Limpo”, fruto do “Escola de Notícias”, já com uma tiragem de mais de 10 mil exemplares. De que forma esse veículo tem contribuído para acompanhar, efetivamente, a agenda dos cidadãos da cidade?
TM – O Jornal Viver Campo Limpo foi um presente de uma amiga muito querida, Edilene Miranda, moradora da região. Ela nos deu o nome e todas as coisas boas que o jornal sempre teve. Fizemos alguns pilotos para descobrir sua efetividade, a real necessidade da comunidade em tê-lo. Estamos pensando mais sobre isso agora, mas uma coisa que a gente já notou é que talvez uma revista seja mais significativa para o bairro, pois não existe publicação assim por lá. O mais incrível foi ver o comércio local anunciando no jornal, investindo na ideia.
RS – Na sua opinião, quais são os principais desafios do jornalismo brasileiro na cobertura aprofundada das políticas públicas e qual é o papel do jornal comunitário nesse contexto?
TM – Não tem coisa que irrita mais que chamar jovens de carentes. Todos nós somos carentes de alguma coisa, e essa alguma coisa não é só dinheiro. Então, a palavra carente não faz nenhum sentido como sobrenome de quem mora na periferia. Esvazia quem está sendo retratado, o enfraquece, tira sua história e, mais que isso, torna a matéria um clichê.
Sobre os principais desafios, o jornalismo cria heróis que salvam as pessoas carentes de condições desfavoráveis. Acho um desafio, portanto, fugir da “heroilização”, e se focar mais no propósito. Alguém que cria um projeto como o Escola de Notícias não é um herói que precisa ser distanciado da realidade. Ele é alguém igual a todo mundo, mas que tem um propósito mais claro naquele momento. Transformar empreendedores em heróis, ao invés de torná-los humano, só distancia a inspiração. E o que a gente quer é que justamente mais pessoas venham. Mas, para isso, a inspiração tem que estar próxima, viva, pulsante.
RS – Aponte os desafios do “Escola de Notícias” para 2014 e as principais metas para este ano.
TM – São muitos. A começar pelo fato de continuarmos sem nenhum apoiador, patrocinador, nada. Ou seja, começamos o ano do zero, reconstruindo tudo. Acredito que outro desafio seja o de repetir e aperfeiçoar a metodologia da Escola de Comunicação e trabalhar com mais pessoas. Além de nos constituirmos juridicamente, e passar a existir oficialmente no mundo. Brinco que é deixar de ser adolescente e virar adulto.
RS – Qual é o seu entendimento do termo “responsabilidade social”?
TM – Para mim, responsabilidade social nunca foi uma área, e sim, um valor institucional. Se ela for praticada por uma área da empresa apenas, perde sentido. Pois, não adianta nada eu trabalhar com 350 crianças se um dos meus fornecedores foi flagrado com trabalho infantil. A minha cadeia produtiva tem que afirmar a transformação que eu quero provocar no mundo.
Também nessa Edição :
Entrevista: Diogo Galline
Notícia: Tecnologia para preservar
Notícia: Resistência feminina
Notícia: Grupo Pão de Açúcar anuncia expansão do Programa de Música & Orquestra
Oferta de Trabalho: Procura-se (01/2014)
Leave a Reply