
A fazenda Daterra, localizada em Patrocínio, interior de Minas Gerais, recebeu da Rede de Agricultura Sustentável (RAS) o título de “amiga do clima”. Trata-se da primeira propriedade da América do Sul a conquistar esse selo, que observa, por exemplo, se o empreendimento tem medidas de produção ambientalmente adequadas e boas relações sociais com trabalhadores e comunidades locais.
Outra exigência é se adaptar ao Módulo Clima, verificado no Brasil unicamente pelo Instituto de Manejo e Certificação Florestal e Agrícola (Imaflora). Em entrevista exclusiva para o Responsabilidade Social, o secretário executivo do Imaflora, Maurício Voivodic, explica como funciona essa iniciativa e avalia o comprometimento dos produtores agrícolas brasileiros com a sustentabilidade.
Para ele, o país ainda não tem uma agricultura de baixo carbono e instrumentos inovadores, como o Plano Nacional sobre Mudança do Clima, convive com outras políticas agrícolas atrasadas. “A agropecuária brasileira é hoje o segundo maior vetor de emissões de gases de efeito estufa no Brasil e poderá em breve ocupar o primeiro lugar se o desmatamento voltar a cair na Amazônia e cerrado”, diz.
Voivodic também chama atenção para a proposta do novo Código Florestal. Segundo ele, se o texto final aprovado realmente representar um retrocesso em termos de proteção ambiental, o setor agrícola brasileiro corre o risco de ficar marcado por promover desmatamento e altas emissões de carbono. “E isso será um grande problema em termos de mercado no futuro”. Confira a entrevista na íntegra.
1) Responsabilidade Social – A fazenda Daterra foi a primeira da América do Sul a ser reconhecida pela Rede de Agricultura Sustentável (RAS) como “amiga do clima”. Para tanto, teve que atender a uma série de exigências para se adaptar ao Módulo Clima, que é verificado no Brasil unicamente pelo Instituto de Manejo e Certificação Florestal e Agrícola (Imaflora). O senhor poderia detalhar quais os principais pontos avaliados para concessão desse título?
Maurício Voicodic – As fazendas precisam, primeiramente, cumprir com todos os critérios socioambientais da norma de certificação da Rede de Agricultura Sustentável, que inclui medidas de produção ambientalmente adequadas e boas relações sociais com trabalhadores e comunidades locais.
Além disso, a adequação ao módulo clima requer das fazendas medidas adicionais relacionadas a praticas de agricultura de baixo carbono. Entre estas medidas, a fazenda precisa: avaliar os riscos das mudanças climáticas e adotar medidas para minimizar possíveis impactos; quantificar e reduzir as emissões de gases de efeito estufa (GEE) em suas práticas de produção, incluindo atividades de plantio, colheita e processamento; e aumentar os estoques de carbono da fazenda, por meio de restauração de áreas degradadas, reflorestamento e conservação do solo.
2) RS – Como o senhor avalia o comprometimento dos produtores agrícolas brasileiros com o meio ambiente?
MV – Tem evoluído bastante, principalmente nos setores mais alinhados com inovação e visão de futuro. Percebemos que há, cada vez mais, produtores brasileiros que percebem que não apenas é possível conciliar produção com conservação ambiental, como também é estratégico por uma série de razões. Seja para acessar novos mercados, para aumentar a qualidade de seus produtos, ou para ficar menos suscetível a variações climáticas e econômicas.
O problema é que, em termos gerais, esses produtores ainda são minoria no setor, principalmente se incluirmos a produção pecuária. Ainda observamos muito no campo a imagem de que conservação ambiental impede a produção, resultando em práticas agrícolas atrasadas, de baixa eficiência e associadas ao desmatamento de áreas naturais e à degradação de solo e água.
3) RS – Na sua opinião, é possível afirmar que o Brasil tem hoje uma agricultura de baixo carbono?
MV – Não. A agropecuária brasileira é hoje o segundo maior vetor de emissões de gases de efeito estufa no Brasil e poderá em breve ocupar o primeiro lugar se o desmatamento voltar a cair na Amazônia e cerrado. Ainda há um longo caminho pela frente para que a agricultura brasileira se adéque a práticas de produção de baixo carbono. Felizmente há produtores na linha de frente desse processo, como a Fazenda Daterra que se certificou no módulo clima, mostrando que é possível e lucrativo seguir o caminho da agricultura de baixo carbono.
4) RS – Como o senhor avalia as políticas públicas brasileiras voltadas para a preservação do meio ambiente na área agrícola e quais os desafios do país nesse setor para a próxima década?
MV – Existem avanços e desafios. É positivo o fato do Brasil ter um Plano Nacional sobre Mudança do Clima que inclui um capítulo sobre agricultura com propostas concretas para promover eficiência e ganhos ambientais, como é caso do Plano ABC (Agricultura de Baixo Carbono). Entretanto, essas políticas positivas ainda se chocam com políticas agrícolas atrasadas, lideradas e protegidas por um grupo de políticos da bancada ruralista que prefere manter o status quo do setor rural, a buscar formas de empurrar o setor agrícola a uma possível liderança mundial em agricultura sustentável.
A recente discussão do Código Florestal é um exemplo disso e um grande desafio para o futuro. Se o texto final aprovado realmente representar um retrocesso em termos de proteção ambiental, o setor agrícola brasileiro corre o risco de ficar marcado por promover desmatamento e altas emissões de carbono. E isso será um grande problema em termos de mercado no futuro.
5) RS – Qual o seu entendimento do termo responsabilidade social?
MV – Responsabilidade social é uma postura de empresas e produtores que assumem, de forma legítima, compromissos com a sociedade e com o planeta. Isso significa não contribuir para deixar um legado de pobreza, injustiça social e um planeta degradado para as futuras gerações. Assumir essas responsabilidades significa ter que ir além do cumprimento de leis e de ações de filantropia, revendo profundamente os critérios utilizados nas decisões diárias que são tomadas.
Instituto de Manejo e Certificação Florestal e Agrícola (Imaflora) – Telefone: (11) 3037-7034
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