Em tempos de crise financeira mundial, uma pergunta pertinente é “quais serão os reflexos dessa turbulência no investimento social?”. Cálculos da Terceira Tese, empresa especializada em investimentos no Terceiro Setor, apontam que o segmento deve fechar o ano com um desembolso na casa dos R$ 7 bilhões, um aumento de cerca de 50% em relação a 2004.
Segundo análise da empresa, no próximo ano haverá aumento de investimento na área, mas a crise poderá, sim, interferir, já que no Brasil, apenas 8% das instituições que fazem doações para projetos sociais consideram essa atitude uma estratégia de negócio e isso faz com que esses recursos sejam encarados como gastos. “A conseqüência é que a primeira crise que a empresa tiver que enfrentar, vai optar por cortar despesas e, fatalmente, os projetos sociais serão os primeiros a serem eliminados”, destaca o diretor da empresa e sociólogo Gilson Bertozzo, que desde a década de 80 acompanha as evoluções e diferentes investimentos no segmento.
Em entrevista exclusiva ao Responsabilidade Social.com, além de avaliar os impactos da crise no terceiro setor, Bertozzo aponta as maneiras certas de investir na área, avalia como a imagem muda após o investimento e fala sobre o erros mais comuns praticados pelas empresas. Confira.
1) Responsabilidade Social – Estudo recente do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) sobre as fundações e associações brasileiras, indicou a existência de 338 mil organizações no Brasil em 2005, um crescimento de aproximadamente 215% se comparado à primeira pesquisa, de 2002. Na sua avaliação, quais as principais causas para o crescimento espetacular do terceiro setor nas últimas décadas no país?
Gilson Betozzo – O grande espaço que a mídia vem reservando para tratar de temas socioambientais. Essa exposição traz a conscientização e gera interesse nas pessoas em atuarem em assuntos ligados à defesa do planeta e ao combate às injustiças sociais. Com isso, novos projetos vão surgindo e com eles novas instituições do terceiro setor.
2) RS – Atualmente, o investimento social privado está entre os principais aspectos da responsabilidade social e, cada vez mais, as organizações têm voltado seus recursos para projetos dessa natureza. Segundo dados do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (IPEA), aproximadamente 69% das empresas brasileiras – algo em torno de 600 mil – já realizam um trabalho junto à comunidade. De que forma as empresas brasileiras investem hoje no social? Há uma maneira correta de investir?
GB – Infelizmente a grande maioria dos empresários brasileiros investe em projetos de natureza socioambiental por filantropia, ou seja, fazem doações sem nenhuma avaliação técnica de retorno. Isso faz com que esses recursos sejam encarados dentro da empresa como despesas. A conseqüência é que a primeira crise que a empresa tiver que enfrentar, vai optar por cortar despesas e, fatalmente, os projetos sociais serão os primeiros a serem eliminados. A forma adequada de uma empresa se envolver com questões socioambientais é entender essa ação como um diferencial competitivo e, portanto, um investimento. Para isso acontecer é preciso identificar a “vocação institucional” da empresa. Feito isso, define-se as melhores estratégias a serem implementadas, destacando que essas devam trazer resultados para a marca da empresa.
3) RS – Quais são o erros mais comuns cometidos na hora de implantar uma ação social?
GB – Tratando-se das empresas, é quando as doações são feitas com base nas experiências pessoais. As empresas são criadas com finalidades específicas. Doações cabem às pessoas físicas e não às jurídicas. As empresas fazem investimentos, que significam: aporte de recursos com expectativas de resultados.
4) RS – É possível prever qual será o investimento no terceiro setor neste ano?
GB – Nós, da Terceira Tese, estimamos que neste ano os investimentos sociais serão da ordem de R$ 7 bilhões, representando um aumento de cerca de 50% em relação a 2004.
5) RS – E em 2009? É possível calcular?
GB – Acreditamos que haverá crescimento, mas ainda não é possível falar em números já que existe essa crise, que de algumas semanas para cá mudou a economia mundial.
6) RS – Qual será o impacto que a crise financeira mundial terá sobre o segmento? Na sua avaliação, o golpe será mais pesado nos países desenvolvidos ou não há diferença?
GB – Do ponto de vista conceitual, o Brasil deveria sofrer mais que os países desenvolvidos, pois apenas 8% das empresas que fazem doações para projetos socioambientais consideram essa atitude uma estratégia de negócio. Já nos países desenvolvidos, essa prática já é encarada como parte do negócio da empresa e, portanto, investimento socioambiental. Do ponto de vista prático, vale destacar que as empresas brasileiras e o Brasil estão muito menos envolvidos com essa crise do que os países desenvolvidos. Muitas empresas do primeiro mundo estão literalmente quebrando e, nesse caso, não há muito o que fazer.
7) RS –Qual o cenário do investimento social no Brasil hoje? Fale sobre as áreas que recebem mais investimentos e destaque ações criativas.
GB – Segundo dados do IPEA, os setores onde mais se investe no Brasil são: Alimentação e Abastecimento (52%), Assistência Social (41%), Saúde (24%), Educação (23%) e Meio Ambiente (7%).
Assessoramos uma empresa do interior de São Paulo na implementação de um projeto que julgamos muito adequado e estratégico para sua marca. A empresa comprou um equipamento para produção de Biodiesel. Estabeleceu parceria com uma ONG e vai buscar o apoio do poder público para fazer a coleta e reciclagem do óleo de cozinha de toda região de Cabreúva e cidades circunvizinhas. Serão mais de 1,1 milhão de pessoas atingidas. Depois de coletado, o óleo de cozinha será transformado em Biodiesel e servirá como combustível para a frota de caminhões da empresa.
Esse único projeto consegue atuar em três áreas distintas:
1. Educação ambiental destinada aos alunos das escolas dos municípios onde o projeto será desenvolvido. Os alunos poderão trazer o óleo usado de casa para coleta nas escolas;
2. Geração de renda. As populações em vulnerabilidade social serão envolvidas nos processos de coletas domiciliares;
3. Preservação do meio-ambiente. A idéia é tirar da rede de água e esgoto algo em torno de 500 mil litros de óleo mês. Só para se ter uma idéia, 1 litro de óleo consegue poluir 1 milhão de litros d’àgua.
8) RS – Quais são os principais avanços e os retrocessos nesse setor nos últimos 25 anos?
GB – Falando do Terceiro Setor, os principais avanços são: ganhou espaço na mídia; passou a fazer parte da agenda política; passou a ser conteúdo acadêmico e profissionalização das instituições. Já os retrocessos, podemos destacar a proliferação do número de “instituições pilantrópicas”; indivíduos oportunistas que se aproveitam da boa vontade das pessoas em benefício próprio e o fato de ainda não termos legislação e fiscalização adequadas para disciplinar a atuação das ONGs.
9) RS – De que forma a imagem da empresa muda após o investimento social?
GB – Hoje, não basta o empresário ter um bom produto, uma área de marketing interessante no trabalho de divulgação e, tampouco, ter preços competitivos. Para sobreviver, os empresários vão ter de se relacionar bem com o planeta. E, se os investimentos forem feitos corretamente, o saldo será positivo. O investimento social de uma marca deve ser encarado como uma ação tão importante quanto qualquer outra. E é por isso que são necessários monitoramento e avaliação adequados. Por isso nós, da Terceira Tese, fazemos um estudo-diagnóstico para conhecer a “vocação” da empresa e sua disciplina em investimento. Nós estruturamos o projeto teoricamente, treinamos a equipe que vai trabalhar nele e, então, o implementamos. A ação social pode trazer um impacto muito grande na sociedade, que pode ser positivo ou não. A escolha equivocada do segmento a ser investido pode causar resultados desastrosos para ambas as partes.
10) RS – Como o senhor define o conceito de “responsabilidade social”?
GB – No caso da Responsabilidade Social Empresarial, trata-se da conduta de uma organização pautada pela Sustentabilidade, ou seja, promovendo em suas ações cotidianas o desenvolvimento econômico, social e ambiental. O consumidor do século XXI saberá identificar e valorizar as empresas com esse tipo de conduta.
11) RS –Na prática, há diferença entre investimento social e filantropia?
GB – Muitos empresários querem investir no social porque está na moda, outros, por benemerência. A questão não é essa. Em 90% dos casos, é a vontade pessoal do presidente ou da alta administração da empresa que é externada para o negócio e somente 8% das empresas vêem esses investimentos como ferramenta de gestão estratégica, com orçamentos e metas específicas. Por isso, para que haja um bom começo, a decisão não deve ser emocional. E muitos administradores não percebem quando já fazem esse investimento, confundindo erroneamente ações sociais com filantropia. Investimento social é toda a ação desenvolvida pela empresa, que não está ligada diretamente ao serviço ou produto estabelecido em sua missão. Se sua empresa executa algum gasto, além dos exigidos por lei, cujos beneficiados são a comunidade, seus funcionários ou o meio ambiente, você já está praticando esse investimento. Em suma, ainda que favoreça a reputação corporativa da empresa social, não é apenas uma simples estratégia de marketing. Na sociedade de consumo em que vivemos, ou tiramos algo do planeta ou colocamos nele algum tipo de lixo. Por isso, precisamos atentar para relação que a empresa mantém com ele.
Terceira Tese – Tel.: (11) 3372-3733 – Site: www.terceiratese.com.br
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