
A revista Responsabilidade Social.com traz uma entrevista exclusiva
com Veet Vivarta, jornalista, Secretário Executivo da ANDI e supervisor
editorial do portal Mudanças Climáticas – site que se propõe a colocar
na pauta da imprensa brasileira informações de qualidade sobre o
aquecimento global. Direto e ousado, Vivarta faz uma análise geral do
tema e alfineta o governo: “Não é possível aceitar, por exemplo, que o
PAC seja lançado e implementado sem uma vertente ambiental – e climática
– claramente evidenciada”. E, com palavras francas, anuncia: “Outra
vertente a ser contemplada pelo site Mudanças Climáticas é a da
exploração da imagem de ‘climaticamente correto’ por empresas que, na
verdade, não estão realmente interessadas em alterar suas práticas
produtivas”. Confira…
1) Responsabilidade Social – Como surgiu a idéia de realizar um
portal para abordar o tema do aquecimento global?
Veet Vivarta –
Uma das linhas estratégicas de ação consolidadas pela ANDI desde a
década passada é aquela centrada no monitoramento e análise da cobertura
jornalística. Esse trabalho esteve inicialmente focalizado no universo
dos direitos da infância e adolescência – por exemplo, em aspectos como
Educação, Violência Sexual, Trabalho Infantil e Saúde. O amplo
reconhecimento da iniciativa acabou gerando convites para expandirmos a
aplicação da metodologia desenvolvida por nossa equipe, de maneira a
abranger outras áreas associadas à agenda social, como Direitos Humanos,
Políticas Públicas de Comunicação, Responsabilidade Social Empresarial e
Tecnologias Sociais, entre outras.
Foi diante desse histórico que a Embaixada Britânica no Brasil decidiu
procurar a ANDI com o fim de propor mais um importante avanço no que se
refere ao campo temático das análises de mídia – neste caso, para uma
perspectiva ambiental. A análise do comportamento editorial de mais de
50 diários brasileiros em relação às Mudanças Climáticas – cobrindo o
período de julho/2005 a junho/2007 – obteve uma repercussão
especialmente positiva e, ao mesmo tempo, colocou em evidência a
necessidade de investir-se em ferramentas de suporte aos profissionais
de comunicação na abordagem de um tema complexo e que possui uma agenda
extremamente dinâmica. E o portal mostrou-se o caminho mais adequado
para ofertar esses conteúdos de maneira sistematizada, com rápido acesso
e com largo alcance.
2) RS – Qual é a missão do site?
VV – O
propósito do portal é oferecer tanto informações objetivas quanto
análises de maior profundidade, de forma a alimentar um debate público
mais abrangente e qualificado sobre os diversos assuntos relacionados à
agenda climática. Acreditamos, é claro, que o jornalismo tem um papel
especialmente estratégico a desempenhar nesse processo, já que uma
cobertura robusta e de cunho investigativo acabará garantido a
informação necessária para que a população em geral se posicione diante
do problema e que os tomadores de decisão priorizem o tema em suas
agendas. Ao mesmo tempo, as políticas implementadas – ou não – pelo
poder público com o fim de enfrentar o fenômeno acabem em evidência a
partir de uma boa prática jornalística. Vale destacar, entretanto, que
por reunir e organizar informações sobre mudanças climáticas que,
geralmente, encontram-se pulverizadas em várias fontes, o site acaba
atraindo também o público em geral.
3) RS – Que tipo de serviços o portal fornece para jornalistas,
formadores de opinião e público em geral?
VV – O
site oferece recursos tão diversos quanto artigos exclusivos firmados
pelos principais especialistas no tema, entrevistas em texto, áudio e
vídeo, sugestões de abordagem para a imprensa, fórum de debates com
especialistas (que em breve estará no ar), banco de fontes de informação
e glossário, entre muitos outros. Além disso, seu conteúdo principal,
aprofundado e segmentado por assuntos – Políticas Públicas, Impactos,
Soluções, Situação da Infância, por exemplo – está sempre atualizado com
as informações mais recentes sobre a temática em questão.
4) RS – A imprensa está preparada para interpretar os dados
científicos a respeito de aquecimento global e traduzi-los com
competência ao público comum? Por exemplo, como lidar com as
divergências no assunto sem desqualificá-las ou, ainda, sem entrar no
campo do sensacionalismo?
VV – Aí stá posto um desafio de
grandes proporções. A temática é complexa e exige uma abordagem
transversal, já que tem impacto sobre os mais diferentes setores da
sociedade. Isso requer uma gama de conhecimentos que a maior parte dos
jornalistas – e da população em geral – não possui.
Não que todo profissional em atividade nas redações precise tornar-se um
especialista no assunto, mas sem dúvida não é possível imaginar um
jornalismo de qualidade sobre mudanças climáticas concentrado apenas em
editorias especializadas, como Ciência ou Meio Ambiente. Por certo,
nessas seções, seguiremos encontrando material de qualidade sobre o
fenômeno, mas a cobertura de política e de economia, só para citar dois
campos de grande densidade noticiosa, necessariamente devem apropriar-se
dos princípios básico do debate.
Além disso, é preciso entender que não existe uma fórmula mágica para
tratar de alguns aspectos dessa agenda. Há sim, posições divergentes –
seja devido a incertezas ainda existentes no campo científico, seja em
função de interesses nacionais ou de ordem econômica. Nesse sentido,
como em qualquer boa prática jornalística, é a qualificação do
profissional e sua disposição em investigar e em acessar um amplo
conjunto de fontes que lhe permitem trafegar pelo tema sem cair nas
armadilhas que se colocam para quem faz uma abordagem de forma
generalista.
Mas além da disposição do jornalista em avançar rumo ao reconhecimento
desse território, é preciso uma decisão mais clara das empresas de
comunicação em incentivar seus quadros a aproximar-se desse tipo de
conteúdo, oferecendo inclusive oportunidades de qualificação. Na outra
ponta, vale lembrar que as faculdades de jornalismo também costumam
passar ao largo do assunto durante os quatros anos de curso. Assim,
iniciativas como o portal que a ANDI desenvolveu, a partir da parceria
com a Embaixada Britânica e o Conselho Britânico, por um lado contribuem
para reduzir tal lacuna, ao mesmo tempo em que pautam as questões de
ponta no âmbito desse universo temático.
5) RS – Como fazer para selecionar, reunir e creditar informações
realmente relevantes dentro de um universo de fontes numerosas,
especialmente na Internet, acerca desse tema?
VV – Para
desenhar um portal com o perfil como o nosso, tivemos que refletir
bastante acerca do fato de que existe hoje uma profusão de informações –
geralmente dispersas – sobre as mudanças climáticas. E chegamos à
conclusão de que, diante de um campo temático tão amplo e em continuo
processo de atualização não caberia uma visão reducionista. Por isso,
optamos por oferecer uma quantidade de conteúdo acima da média. Mas
também enfrentamos dificuldades para garantir que o fenômeno seja
entendido a partir de diferentes perspectivas – ou seja, acreditamos ser
fundamental explicitar que não há uma saída fácil para o desafio que as
mudanças climáticas colocam para a humanidade atualmente.
Nosso critério durante o processo de construção, manutenção e
atualização do site tem sido o de buscar garantir que os principais
grupos que lidam com o tema tenham suas visões representadas dentro de
uma lógica cada vez mais articulada de enfrentamento do fenômeno.
Acreditamos que os esforços dos diversos setores devem estar alinhados
no sentido de garantir avanços. Por isso, procuramos privilegiar vozes
que permitam um debate plural.
6) RS – Podemos dizer que o mundo todo está de olho no Brasil quando
o assunto é meio ambiente. O senhor acredita que o governo brasileiro
está pronto para incluir o tema em sua agenda de políticas públicas na
urgência necessária?
VV – O governo brasileiro
ainda precisa alinhar seu discurso e suas ações. Não é admissível
considerarmos suficiente um Ministério do Meio Ambiente tecnicamente
competente, mas sem força política diante de outras pastas. É certo que
ao longo dos últimos anos o governo federal vem garantindo alguns
importantes avanços no tratamento do tema. Ao assumir metas de redução
do desmatamento perante a comunidade internacional, na apresentação do
Plano Nacional de Mudanças Climáticas para a ONU, por exemplo, o Brasil
garantiu reconhecimento elogiado e deu um grande passo na definição de
compromissos globais consistentes por parte dos países em
desenvolvimento.
Entretanto, no plano interno, algumas ações vêm contradizendo essa
disposição demonstrada internacionalmente. O Plano Decenal de Expansão
de Energia, por exemplo, prevê um aumento no número de nossas usinas
termelétricas – fonte mais do que conhecida por emitir muito carbono.
Outra contradição é o encaminhamento pouco claro do debate sobre as
alterações no Código Florestal, que pode resultar na redução das áreas
de reserva legal nas propriedades rurais. Na prática, isso significa
aumentar o desmatamento.
A urgência no enfrentamento das mudanças climáticas está colocada para
boa parte dos cidadãos – pelo menos em termos de informação. Agora,
precisa figurar de forma concreta nas políticas públicas dos mais
variados setores. Não é possível aceitar, por exemplo, que o PAC seja
lançado e implementado sem uma vertente ambiental – e climática –
claramente evidenciada. Mas é isso o que vem acontecendo nos últimos
anos no Brasil. No âmbito governamental, na prática o discurso do
crescimento continua, grande parte das vezes, dissociado das
preocupações com a sustentabilidade.
7) RS – Algumas correntes científicas desqualificam o movimento
ecológico que atesta os perigos do fenômeno do aquecimento global,
taxando-o como uma mudança natural e cíclica do planeta Terra. Alguns
chegam a dizer que há um interesse econômico enorme por trás da ‘onda
verde’. Como o projeto Mudanças Climáticas se posiciona com relação a
essa questão?
VV – Acreditamos que a imprensa deve ser
plural e mostrar diversos lados de uma mesma questão. Tanto que, em
nosso portal, abrimos uma seção chamada Críticas e Contrapontos,
garantindo espaço para os pesquisadores que afirmam não terem encontrado
evidências suficientes seja de que o aquecimento global está de fato
ocorrendo, seja de que a atividade humana é a principal responsável por
esse fenômeno.
Entretanto, também chamamos a atenção dos jornalistas para a necessidade
de investigarem os interesses que podem estar vinculados a essas
posições – por exemplo, é necessário saber quem financia os estudos. São
muito bem conhecidos, por exemplo, casos nos quais as pesquisas
contestando o impacto da ação humana no aumento da temperatura do
planeta eram realizadas por institutos financiados por empresas do setor
de combustíveis fósseis – principal vilão da liberação de CO2 na
atmosfera.
Já no caso do que você chama de “onda verde”, obviamente alguns setores
já perceberam que podem ganhar com o novo cenário climático. Empresas
que produzem energia limpa, por exemplo, tendem a se expandir.
Iniciativas que geram créditos de carbono para comercialização no
mercado global, também. Nesse contexto, acreditamos que cabe à imprensa
exercitar idêntico nível de compromisso investigativo – mesmo levando em
consideração que o poder desses setores de influenciar as políticas
governamentais, para ficar em um aspecto de especial relevância, ainda é
infinitamente menor do que o exercido por representantes daquelas
atividades que tradicionalmente contribuem para o efeito estufa.
Outra vertente a ser contemplada é a da exploração da imagem de
“climaticamente correto” por empresas que, na verdade, não estão
realmente interessadas em alterar suas práticas produtivas. Esse tipo de
maquiagem – “green washing” – consegue, pelo menos por tempo limitado,
atrair a atenção de clientes bem intencionados. Mas em médio e longo
prazo a tendência é que a verdade venha à tona, o que costuma gerar
impactos extremamente negativos sobre os negócios.
8) RS – No discurso de posse do novo presidente dos Estados Unidos,
Barack Obama, ficou clara a intenção de reforçar a agenda daquele país
em prol do meio ambiente. Quais são as expectativas com relação ao
trabalho de Obama nessa área?
VV – A eleição de Barack
Obama representa uma considerável evolução no âmbito das negociações
internacionais sobre mudanças climáticas. É mais do que conhecido o fato
de que, ao longo dos últimos oito anos, o então presidente George W.
Bush impediu que os Estados Unidos participassem do Protocolo de Quioto
– ele era contrário a assumir metas de redução de emissões de carbono,
tanto perante a comunidade internacional quanto em nível interno.
Em poucas semanas de seu mandato, Obama já tomou algumas atitudes para
reverter esse quadro. Nomeou uma espécie de “embaixador do clima” para
atuar nas negociações para um novo acordo global em relação à redução de
emissão de gases de efeito estufa. O nível de comprometimento dos EUA –
a nação que mais emite CO2 – irá balizar a atuação dos outros países
desenvolvidos e até dos países em desenvolvimento. Ele também já liberou
o estabelecimento de metas de redução de emissões por parte dos estados
norte-americanos.
É preciso entender, entretanto, que embora tenha representado um avanço
sem precedentes em relação ao posicionamento dos EUA diante do fenômeno
das mudanças climáticas, a eleição de Obama não irá solucionar todos os
problemas que essa agenda coloca. Seu governo enfrentará a gigantesca
pressão da crise financeira e, em relação às alterações do clima, sem
dúvida irá sofrer com o lobby de setores industriais que emitem muito
carbono. O resultado, provavelmente, não será tão espetacular quanto se
espera. Mas é possível, sem dúvida, apostar em avanços concretos.
9) RS – O senhor acredita que é possível continuar com o modelo de
desenvolvimento econômico do mundo globalizado e, ainda assim, definir
parâmetros sustentáveis a ponto de reverter o processo de aquecimento
global?
VV – Não. Se levarmos em consideração os dados do
quarto relatório do Painel Intergovernamental de Mudanças Climáticas
(IPCC), devemos trabalhar para evitar um aumento acima de 2º C na
temperatura global, pois isso teria efeitos devastadores sobre o
planeta. E, para que o mundo consiga se manter nesse nível, é preciso
que até 2020 os países desenvolvidos reduzam suas emissões entre 25% e
40%, a partir dos níveis de 1990, de acordo com o relatório.
Não acredito que será possível alcançar esse patamar com o modelo de
desenvolvimento atual, ainda que com parâmetros de sustentabilidade.
Estabelecer tais parâmetros é um bom início. Entretanto, para reverter a
tendência do aquecimento global e do esgotamento dos recursos naturais,
é necessária uma revisão profunda do atual modelo de desenvolvimento e
de nossos padrões de consumo.
Essa não é uma tarefa fácil. E não há receita pronta para operá-la.
Nesse sentido, sou bem pouco otimista.
10) RS – Qual é a sua definição pessoal do termo Responsabilidade
Social?
VV – Hoje em dia prefiro uma leitura bastante
ambiciosa do conceito. Acredito que Responsabilidade Social – em
qualquer setor, mas em especial no campo empresarial – significa a busca
por padrões de operação que respondam de forma consistente a um modelo
sustentável do ponto de vista social, econômico e ambiental.
Não acredito que a maioria das atividades produtivas possa atualmente
apresentar um nível consistente de sustentabilidade. Mas o compromisso
ético em garantir avanços concretos e significativos nessa direção –
mesmo que graduais –, em minha opinião representa o maior aporte que
podemos oferecer em termos de prática socialmente responsável.
Também nessa Edição :
Perfil: Cristiane Ostermann e Karen Mendes Santos
Artigo: Os custos do assédio moral
Notícia: O que deu na mídia (edição 72)
Notícia: Desperdício na berlinda
Notícia: Tripé sustentável
Notícia: DF em busca da educação
Oferta de Trabalho: Procura-se (02/2009)
Leave a Reply