No dia 28 de abril celebrou-se o dia mundial da educação. Hoje há um consenso sobre sua importância como mecanismo de transformação social, um instrumento de longo prazo para a melhoria dos indicadores sócio-econômicos; contudo, fala-se pouco sobre como a atual infra-estrutura existente (escolas, professores, etc.) pode ajudar ou alavancar projetos de orientação social. Na entrevista a seguir com o Diretor-Presidente da União Brasileira de Educação e Ensino (UBEE) e da União Norte Brasileira de Educação e Cultura (UNBEC), Professor Manoel Alves, discute-se a relação entre educação, cidadania, religião e responsabilidade social. Dirigida por Irmãos Maristas, a UBEE e a UNBEC são responsáveis pelos Colégios e Projetos Sociais das escolas Marista no Brasil.
1. Responsabilidade Social – Como o senhor se interessou por educação?
Irmão Manoel Alves – Desde muito cedo, percebi e acreditei que a educação seria um mecanismo concreto de intervenção social capaz de contribuir para ajudar as pessoas e o desenvolvimento do país. A partir de então a educação passou a ser a minha prioridade profissional e a minha paixão de vida.
2. RS – Consta no Balanço Social da UBEE-UNBEC o valor de R$ 194 mil gastos em “diversidade, etnia e questão racial”. Como a UBEE-UNBEC trabalhou a questão do preconceito e inclusão social nos últimos anos?
MA – Nas diversas frentes de atuação da instituição temos trabalhos voltados para o empoderamento das identidades e sentimento de pertencimento considerados de fundamental importância. Deste modo, a identidade se afirma e é conhecida em um processo que objetiva chegar ao reconhecimento de sujeitos étnico-raciais que pertençam a diferentes espaços e foram construídos por eles mesmos.
Outros se destacam por atividades de valorização da diversidade cultural de diferentes grupos representativos da cultura afrobrasileira. Por meio da promoção das atividades desenvolvidas por estes grupos em suas comunidades locais e de agentes culturais, tais como, cultura hip – hop, rap, street dance, capoeira, etc.
O Pré – Vestibular Comunitário em Belo Horizonte, por exemplo, caracteriza-se pela oportunidade em possibilitar o acesso as IES de jovens e adultos das camadas populares, predominantemente afrobrasileiros. O recorte étnico-racial é histórico na construção dos chamados pré – vestibulares populares e alternativos comunitários. Por isso, este é um dos eixos de trabalho sistemático no PVC, onde os educadores e educandos, enfim, todos os atores sociais envolvidos nesta proposta, buscam gerar um campo de solidariedade nesse espaço de extrema tensão.
3. RS – Sr. também é Presidente da Fundação Universa. O que ela faz?
MA – A Fundação Universa é uma instituição vocacionada para a viabilização de negócios nas mais diversas áreas de conhecimento e de prestação de serviços às instituições publicas e privadas na capacitação de recursos humanos e no desenvolvimento tecnológico.
A Fundação Universa atua mediante celebração de contratos, convênios e acordos com empresas e organismos públicos e privados, nacionais e internacionais. Como entidade de natureza fundacional e não lucrativa, com plena autonomia gerencial, está apta, também, a canalizar o interesse de instituições, pesquisadores, consultores e professores, na negociação de projetos de pesquisa, assessoria, consultoria, treinamento e prestação de serviços, diretamente ou através de participação em licitações.
4. RS – É comum vermos Balanços Sociais de indústrias, mas não de redes de ensino. O que levou a UBEE-UNBEC a divulgar suas ações sociais na foram de um Balanço Social a partir de 2004?
MA – O perfil da UBEE-UNBEC vai além de uma rede de ensino, pois nossa ação transcende o que tradicionalmente caracteriza uma rede de ensino no jargão do mercado educacional. Assim sendo, o Balanço Social converteu-se em mapeamento e instrumento de gestão e planejamento do nosso compromisso de responsabilidade social e ambiental, cujo empenho em aprimorá-lo vem comprometendo os melhores esforços de nossos corpos gerenciais e dirigentes.
Elas devem, antes de tudo, acreditar que ser uma instituição de ensino com responsabilidade social é essencial à sua identidade institucional. Educar sem voltar-se para a realidade social e econômica do país compromete na raiz o próprio projeto pedagógico. É igualmente necessário tomar consciência de que se tornar uma instituição socialmente responsável vai além de realizar projetos voltados para esta direção. Faz-se necessário um sério e efetivo posicionamento institucional profundo. Depois de tomar consciência e de se posicionar institucionalmente, o próximo passo é introduzir a discussão nos diversos âmbitos da instituição, contando ou não com assessoria externa especializada na questão e, então, deixar a criatividade fluir e por mãos a obra.
5. RS – A UBEE-UNBEC beneficiou mais de 10 mil alunos com bolsas integrais e cerca de 11 mil com bolsas parciais. O que qualifica esses jovens a receberem essas bolsas e quais as mudanças perceptíveis em suas vidas?
MA – Em primeiro lugar a necessidade da ajuda para prosseguir seus estudos em uma de nossas instituições educacionais, seguido dos méritos pessoais e acadêmicos dos mesmos.
O impacto tem sido muito positivo. A acolhida pelos educadores e pelos educandos (crianças e jovens), suas famílias, pela comunidade em geral e pela opinião pública não poderia ser melhor. Percebemos crescente o apoio e interesse de todos pelo tema e pelas ações concretas neste sentido. As iniciativas que nos caracterizam como instituição socialmente responsável estabeleceram ao longo dos anos uma relação de proximidade e de abertura dos Colégios Maristas com o seu entorno. Outro sinal patente deste impacto reside no fato de sermos constantemente procurados pelo poder público e por outras instituições privadas para integrar e colaborar, quando não liderar, ações e empreendimentos neste sentido. Passamos a ser uma instituição de ensino com responsabilidade social de referência em muitas circunstâncias
6. RS – Qual o papel da educação como agente motivador da cidadania e responsabilidade social de jovens e adolescentes?
MA – O papel é central. Cidadania e responsabilidade social para as novas gerações sem educação não prospera. Pela educação as chances são infinitamente maiores e refiro-me, aqui, a educação escolar em particular.
As vantagens são inúmeras. Tal prática nos coloca institucional e pessoalmente na condição de agente da própria história, resgata nossa cidadania, nos torna partícipes do projeto de construção de uma sociedade justa e solidária. Uma escola socialmente responsável é uma escola em sintonia com o mundo, dotando-se de um projeto educacional contextualizado e relevante, consolidando sua liderança e contribuindo efetivamente para com a comunidade que a acolhe e onde ela se encontra.
A instituição de ensino que opta por tornar-se socialmente responsável rompe com velhos paradigmas e aceita, acolhendo com um novo olhar, sob uma nova perspectiva, uma educação concretamente inovadora. Não é possível fazer aquela revolução em educação de que tanto se fala e com a qual tanto se sonha sem tornarmos a escola socialmente responsável.
7. RS – A UBEE-UNBEC se considera uma associação sem fins lucrativos, contudo a rede Marista de escolas é tida muitas vezes como elitista e de mensalidades caras. Não seria uma contradição?
MA – Não. Pois ela é tida como elitista mesmo sem ser exclusivamente isso. Atualmente, O nosso número de instituições sociais é maior do que o de nossos estabelecimentos de ensino e o numero de crianças e jovens carentes assistidos já quase se equivale aos de alunos pagantes.
8. RS – Como trabalham os 26 núcleos de solidariedade, ecologia e ação social da UBEE-UNBEC?
MA – Os projetos e as iniciativas do Marista com foco na responsabilidade social são inúmeros e estão presentes em nossa ação desde longa data. Somos, com certeza, uma das instituições de ensino pioneiras em projetos desta natureza no Brasil e detentores, hoje, de uma miríade de iniciativas e projetos com este foco. Poderíamos destacar para as seguintes iniciativas da UBEE:
- Casas de Acolhida Marista – unidades sociais articuladas com os Colégios Maristas, situadas geograficamente próximas aos Colégios a fim de oportunizarem práticas e vivências solidárias entre os alunos dos Colégios e os educandos atendidos nas Casas. São atendidos nas Casas de Acolhida Marista crianças e adolescentes em situação de vulnerabilidade social.
- Missão Marista de Solidariedade – acontece no período de férias escolares, no mês de julho, onde os alunos dos Colégios se deslocam para comunidades empobrecidas, assentamentos, e, totalmente inseridos no contexto local, são convidados a participarem do cotidiano das famílias e da comunidade. São experiências de vida, solidariedade, fé, fraternidade, de colocar-se no lugar do outro, sobretudo de construir um novo olhar sobre o mundo em que vive e para as relações que se estabelecem na vida em sociedade.
- Núcleos de Solidariedade e Núcleos de Solidariedade e Ecologia e Ação Social – atualmente são mais de 60 projetos solidários desenvolvidos pelos Colégios Maristas, projetos que articulam as dimensões pedagógica, pastoral e social.
Além das iniciativas articuladas com os Colégios Maristas, citadas acima, a UBEE também atua nas seguintes áreas:
- Medida de Proteção (Abrigo);
- Apoio Socioeducativo em Meio Aberto (Casas de Acolhida Marista e Centros Sociais);
- Educação Formal com Perspectiva de Educação Popular (Escolas Gratuitas – Educação Infantil, Ensino Fundamental e Médio e Educação de Jovens e Adultos);
- Pré-Vestibular Comunitário;
- Núcleos de Educação Profissional;
- Medidas Socioeducativas em Meio Aberto (Núcleos de Apoio à Execução das Medidas Socioeducativas de Liberdade Assistida e Prestação de Serviços à Comunidade) e Medida Socioeducativa Privativa de Liberdade (Centro de Internação);
- Economia Popular Solidária (Fomento dos Grupos de Produção).
9. RS – Hoje há uma tendência universal por escolas laicas, seculares. A UBEE-UNBEC não estaria na contramão?
MA – Creio que a tendência é contrária, pois o mundo moderno tem imensa sede do transcendente e de uma educação para os valores cristãos e universais.
A responsabilidade social como um dos eixos da proposta educacional de uma instituição de ensino configura-se em diferencial no mercado educacional para aquela parcela mais consciente da clientela, cuja expectativa para a educação dos filhos encontra-se em plena sinergia com as opções e as práticas das instituições nesta perspectiva. Uma crescente atuação socialmente responsável das instituições de ensino tem um efeito multiplicador e fomentador de uma nova clientela, com demandas bem específicas nesta dimensão. A tendência, portanto, é que responsabilidade social e educação sejam cada vez mais associadas pelo público em geral e estejam na base do perfil das instituições de ensino daqui para frente. Neste sentido a clientela da escola, mormente a particular, tornar-se-á cada vez mais exigente e os seus dirigentes devem tomar consciência disto e empreender ações concretas neste sentido.
10. RS – Muito se diz que quem mais aprende na escola é o próprio mestre. Na qualidade de educador e Presidente da UBEE-UNBEC, qual lição pessoal o Senhor destaca?
MA – A da força das ações em conjuntos, o trabalho em equipe, co-responsabilidade, alianças e cooperação são, sem duvida, a força motora do sucesso de uma organização, independentemente de sua identidade, e a condição para a superação do que ainda impede que todos os homens e mulheres tenham a sua dignidade humana, cidadã e cristã respeitada.
Site: www.marista.edu.br
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