Miguel Fontes, formado pela Escola de Relações Internacionais e Economia (SAIS) da Universidade John Hopkins, atualmente é o diretor da John Snow Brasil Consultoria. É autor de diversas publicações sobre Marketing Social, entre elas o livro “Marketing Social Revisitado – Novos Paradigmas do Mercado Social” recém lançado pela editora Cidade Futura. Em entrevista à revista www.RESPONSABILIDADESOCIAL.COM, Miguel Fontes dá uma verdadeira aula sobre como profissionalizar as ações de Marketing Social, bem como faz algumas sugestões aos gestores do Terceiro Setor e alfineta: “O terceiro setor no Brasil se acostumou com as sobras, ou seja, trabalhar com tudo aquilo que está fora do alcance do mercado comercial. Precisamos evoluir rapidamente para uma voz ativa do terceiro setor nos grandes debates nacionais, sejam eles econômicos, políticos ou sociais”. Conheça melhor as opiniões de Miguel Fontes na entrevista abaixo:
1) Responsabilidade Social – No seu ponto de vista, como são definidos os conceitos de “Marketing Social” e de “Responsabilidade Social”?
Miguel Fontes – Marketing social é a gestão estratégica de transformação social. Sendo assim, suas ferramentas, conceitos e metodologias, como segmentação, pesquisa mercadológica social, marketing mix social, entre outros podem ser utilizados por qualquer organização, seja governamental, empresarial ou da sociedade civil organizada. Há uma visão equivocada de que marketing social é sinônimo de promoção, venda ou ganho de imagem empresarial. Isso é um grande equívoco. A terminologia “responsabilidade social” é bastante diferente, pois está diretamente associada a uma postura empresarial em relação ao ambiente de trabalho ou ao ambiente sócio-econômico ao seu redor. Muitas vezes, essa responsabilidade social é feita de forma promocional, para aumento de vendas ou ganho de imagem corporativa. Nesse sentido, marketing social e responsabilidade social apresentam objetivos distintos. No entanto, caso a intencionalidade da responsabilidade social de uma empresa seja realmente a transformação da sociedade, o conceito de marketing social pode ser utilizado para a gestão de empreendimentos sociais de impacto.
2) RS – Qual a qualidade deve estar presente em todo “consultor social”?
MF – O consultor social deve conhecer amplamente as políticas públicas e até mesmo estar envolvido em movimentos sociais e políticos para o seu fortalecimento. Um consultor social que trabalha na área de educação, por exemplo, mas que não conhece a LDB, já demonstra que não tem qualquer compromisso com o fortalecimento das políticas públicas nacionais. Isso também é o caso da saúde, meio ambiente, assistência social, entre outras áreas do desenvolvimento. Além disso, o consultor social deve ser um estrategista. Ou seja, buscar sempre subsídios da realidade social e utilizá-los para o desenvolvimento de novos programas. Diversos programas “de gabinete” são desenvolvidos todos os anos. A intenção é sempre a melhor possível, mas os resultados sociais são geralmente modestos.
3) RS – Qual a importância da construção do capital social para a sociedade brasileira?
MF – O capital social é a nossa principal moeda. Capital social, entendido como as interelações sociais que promovem a transformação de um indivíduo e sociedade, é a base para o desenvolvimento do país. Sem capital social, os investimentos sociais e econômicos ficam muito mais caros, pois sem confiança ou sem referências humanas, trabalharemos sempre sob a perspectiva da emergência. Quando uma sociedade possui pouco capital social, ela está mais vulnerável ao assistencialismo, paternalismo e ignorância. Há diversas pesquisas que já demonstram o valor tangível do capital social, incluindo pesquisas econômicas.
4) RS – Como o meio acadêmico brasileiro está reagindo a conceitos relativamente novos, como “marketing social” e “responsabilidade social”?
MF – Em relação ao marketing social, sinto que a reação é bastante positiva em algumas áreas acadêmicas, como comunicação, saúde pública, políticas públicas e administração. No entanto, em outras áreas, como psicologia social, sociologia e pedagogia, o conceito de marketing social ainda não foi devidamente debatido. Isso embora essa dificuldade nessas áreas não se restrinja somente ao marketing social, mas a qualquer debate sobre gestão. No caso da responsabilidade social, a discussão acadêmica se restringe, muitas vezes, a algumas disciplinas específicas de administração de empresas.
5) RS – O que são “tecnologias sociais”? Como as tecnologias sociais podem levar a uma mudança de comportamento?
MF – O conceito de tecnologia social, definido como ferramentas, metodologias e objetos tangíveis que facilitam a adoção de comportamento social, foi desenvolvido pela JohnSnowBrasil e Comunicarte (duas empresas de consultoria brasileiras de marketing social) nos anos 90. Isso embora livros de marketing social, como o de Philip Kotler nos anos 80, já tentavam definir o papel de objetos tangíveis, como preservativos, para a promoção de comportamentos. Sendo assim, a tecnologia social sozinha não leva a mudança de comportamento, ela precisa ser acompanhada de uma estratégia ampla de marketing social. No caso do preservativo, por exemplo, de nada adianta essa tecnologia sem uma estratégia de distribuição, promoção de comportamentos de sexo seguro e definição de preços tangíveis e intangíveis. Ou seja, o preservativo facilita a adoção de um comportamento, porém não leva a uma mudança de comportamento. Essa mudança apenas ocorrerá com a percepção de um indivíduo sobre a importância para sua vida e da sociedade em adotar um comportamento social.
6) RS – Quais cuidados devem ser tomados ao se analisar estatísticas e outros indicadores sociais?
MF – Utilizando-se de um trocadilho, as “estatísticas” são geralmente “estáticas” ou generalizam em demasia uma determinada condição social. Em um mundo tão dinâmico, onde qualquer mudança poderá acarretar impactos imediatos em certos segmentos da sociedade, é fundamental a utilização de método qualitativo de pesquisa para complementar análises puramente estatísticas ou em base a indicadores sociais. Ouvir os segmentos sociais e utilizar suas realidades são os principais subsídios para o desenvolvimento de programas sociais de excelência. Há diversas técnicas de pesquisa qualitativa que podem oferecer maior dinamismo às análises estatísticas, como a técnica de grupos focais.
7) RS – Por que é necessário avaliar sistematicamente programas sociais?
MF – É simples. Sem avaliação não há programa social. Sem avaliação não há como medir o impacto das atividades de um programa, como demonstrar os seus resultados e como ajustar dificuldades encontradas durante a implementação. A avaliação é a grande bússola dos programas sociais. Sem avaliação não há como chegar a lugar algum, um programa social fica apenas girando em círculos. Muitos profissionais se satisfazem com esse percurso, pois ficam muito preocupados em mostrar como seus “navios” (programas) são bonitos e grandiosos, porém se esquecem de sua missão principal e de suas metas.
8) RS – O senhor também é presidente do conselho do Instituto Promundo, OSCIP dedicada ao desenvolvimento de políticas e programas para crianças e jovens, especialmente na área de saúde. Como o senhor avalia a relação do setor privado brasileiro no que toca políticas públicas para saúde?
MF – Desde a constituição de 1988, o Brasil implantou o Sistema Único de Saúde, conhecido como SUS. Sendo assim, qualquer serviço de saúde no Brasil é considerado público, não há exceções. No entanto, ainda convivemos com um modelo que ainda não foi plenamente implementado. As relações entre o setor privado e o governo na área de saúde caracterizam-se pela mútua desconfiança na área de provisão de serviços. Além disso, para o setor privado que não trabalha diretamente na área da saúde pública, investimentos sociais são destinados prioritariamente para a área de educação. Acredito que o setor privado apenas dará maior prioridade à área de saúde após uma melhoria significativa no nível de escolaridade médio do país.
9) RS – De que maneira o governo pode realizar ações que contribuam para a disseminação da responsabilidade social entre o empresariado brasileiro?
MF – O governo deveria criar mecanismos que promovessem programas empresariais, genuinamente, de transformação social. Na área da cultura, esse mecanismo foi criado (Lei Ruanet) e já vem apresentando bons resultados. Isso deveria acontecer também na área da educação, saúde, assistência social e meio-ambiente. Atualmente, uma empresa prefere repassar 90% de um programa social para uma agência de publicidade, pois entrará como despesa corrente em seu balanço financeiro anual, e apenas 10% para uma organização da sociedade civil, pois será caracterizado como doação e apenas em casos muito especiais, poderá receber alguma isenção fiscal. Além disso, o governo, em todos os níveis, deve oferecer oportunidades concretas de parceria com o setor empresarial em seus programas sociais. Embora seja o grande gestor da política pública, o governo não deve assumir, sozinho, a responsabilidade pela sua implementação. Parcerias com empresas comprometidas com a transformação social irão necessariamente trazer mais agilidade, criatividade e dinamismo à gestão dos programas sociais.
Site: www.socialtec.org.br – E-mail: m.fontes@johnsnow.com.br – Tel.: (61) 328-1278
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