O pesquisador sênior do Instituto de Conservação e Desenvolvimento Sustentável do Amazonas (Idesam), Mariano Colini Cenamo, fala sobre o cenário brasileiro de Redução de Emissões provenientes de Desmatamento e Degradação Florestal (REDD+).
Cenamo comentou sobre a importância e urgência da criação de um marco legal para o REDD+ no País e das dificuldades enfrentadas no âmbito legislativo e executivo. Além disso, ele falou sobre a atuação do Idesam em projetos de REDD+ e sobre a demanda por créditos destas iniciativas. Atualmente, o instituto é uma das ONGs mais atuantes nesta questão.
O Idesam tem acompanhado o desenvolvimento da Estratégia Nacional de Redução de Emissões do Desmatamento e Degradação Florestal (EN REDD+). No geral, qual a sua opinião sobre ela?É um pouco frustrante ver que avançamos muito pouco ou quase nada na regulamentação do REDD+ no Brasil nos últimos anos. O principal problema é que temos iniciativas correndo em paralelo. De um lado, temos o MMA [Ministério do Meio Ambiente] liderando o esforço da EN REDD+ desde 2010, que no início envolveu estados e sociedade civil, mas recentemente fechou as portas e tem conduzido o processo apenas com entidades do governo federal. De outro lado, temos os dois projetos de lei na Câmara e no Senado para a criação de um Sistema Nacional de REDD+, que encontram-se em tramitação desde 2011 e pouco avançaram nos últimos dois anos. Por fim, já existem legislações estaduais de REDD+ vigentes nos estados do Acre e do Mato Grosso e em elaboração nos estados do Amazonas, Amapá e Rondônia. Todos esses processos precisam ser integrados e contemplados na EN REDD+. Vejo com preocupação esta falta de articulação.
E a tramitação dos projetos de lei que criam o Sistema Nacional de REDD, como está?
Estão parados. Infelizmente foram praticamente engavetados quando iniciou-se a votação do Código Florestal, que acabou tomando todas as atenções na agenda ambiental. Nunca mais foram ressuscitados. Uma das razões de terem sido engavetados é que o executivo nacional contribuiu muito pouco e até ofereceu resistência a essa construção no legislativo.
Isso foi um pouco negativo, desanimou. A proposta que está no Congresso é da Deputada Rebeca Garcia (PL 195/2011) e a que está no Senado é do Senador Eduardo Braga (PLS 212/2011). Ambos, quando viram a falta de cooperação do executivo, desanimaram em levar adiante as propostas.
Você acha que a opinião do governo federal sobre o REDD+ é um tanto de oposição?
Não podemos falar sobre oposição ao REDD+, o que se tem são diferentes visões sobre como a regulamentação do REDD+ deve ser conduzida. O governo federal tem uma visão fechada sobre o assunto e tem sido pouco aberto a contribuições.
Então, quando veio a proposta de construção de um sistema de REDD+ via legislativo, onde deve de fato ocorrer a criação de leis, o MMA se mostrou resistente, não apoiaram o processo.
Você acredita que a estratégia nacional estará pronta em tempo para a próxima Conferência do Clima das Nações Unidas?
Espero que sim, só não sei dizer o que será apresentado. O que mais me preocupa é a falta de participação de atores importantes nesse processo, como os estados amazônicos, sociedade civil, comunidades tradicionais e até o setor privado. Da forma como o processo está sendo conduzido, temo que, para conciliar interesses e não conflitar com as legislações estaduais, o documento da estratégia seja muito abrangente, sem propostas práticas e planos de ações com metas e prazos. A outra opção que eu gostaria de ver é o governo incorporando as propostas e leis estaduais e reconhecendo os bons projetos que já estão em andamento no Brasil, como o Projeto Suruí ou o Programa Estadual do Acre.
A conferência será no Peru, um país amazônico. Muitos analistas mencionam que isso pode representar um maior espaço para o tema florestas nas negociações. Vocês estão otimistas quanto a isso? A COP pode ser boa para REDD+?
Espero que sim, basicamente o único tema que está carente de definição e que é o mais importante, é a questão do financiamento. Como o REDD vai ser financiado? Em nível nacional, subnacional, através de governos ou do setor privado? Vai permitir mecanismos de mercado ou não? Infelizmente acho que isso não vai ser definido nesta COP ainda, mas estamos torcendo. A verdade é que fica difícil esperar grandes avanços quanto aos mecanismos de financiamento para REDD+ enquanto os países desenvolvidos não assumirem metas mais ousadas para reduzir suas próprias emissões de GEEs.
Talvez seja uma questão muito controversa?
Não era para ser. O grande ponto que está amarrando tudo é que os países desenvolvidos não estão dispostos a assumir compromissos mais agressivos de redução das emissões. Se o fizessem, seria mais tranquilo inserir mecanismos de mercado para financiar o REDD+. A resistência de quem é contra o mercado, incluindo o Brasil, é por que não querem que se abra a possibilidade dos países desenvolvidos comprarem créditos de carbono para compensarem parte de suas metas de redução de emissões enquanto elas não forem mais agressivas. Senão fica aquela situação, o país já está se comprometendo em reduzir pouco e disso, parte ainda vem de reduções de emissão dos nossos países…isso pode afetar a integridade ambiental do mecanismo porque está comprando crédito aqui mas está aumentando a emissão lá.
Quanto à atuação do Idesam na área de REDD+, você poderia falar um pouco sobre o trabalho da instituição?
O Idesam tem atuado em vários níveis do REDD+, como na articulação e apoio à construção de políticas públicas, participando em nível internacional nas Conferências do Clima e interagindo com outros países. Em nível subnacional ou estadual atuamos como articulador nacional da Força Tarefa dos Governadores para Floresta e Clima (GCF) – uma iniciativa conjunta de estados e províncias dos Estados Unidos, Brasil, Indonésia, Nigéria e México – junto com outras jurisdições. Em nível nacional apoiamos e participamos ativamente da construção dos projetos de lei no legislativo, e, no executivo, na medida do possível, estivemos sempre contribuindo e conversando com o MMA na construção da EN.
Especificamente no Amazonas, sempre estivemos envolvidos na construção das políticas públicas do estado relacionadas a clima e floresta, como a Política Estadual de Mudanças Climáticas, aprovada em 2007. Mais recentemente elaboramos um relatório técnico que fornece subsídios importantes e propostas, formuladas em conjunto com outras organizações e pessoas de relevante atuação no tema. Mais recentemente começamos a apoiar o governo de Rondônia, que não faz parte do GCF, na construção de sua lei e programa estadual de REDD+.
No que se refere a projetos, sempre apoiamos o desenvolvimento de projetos de REDD+. Estamos ajudando os índios Suruí no desenvolvimento do projeto deles, que foi o primeiro projeto no Brasil a ser validado e verificado nos padrões CCB e VCS (selos de certificação para projetos de carbono). Ano passado, o projeto vendeu os primeiros créditos de carbono para uma empresa nacional, a Natura, o que mostrou que é possível desenvolver projetos sérios e gerar benefícios diretos para comunidades e ajudar na conservação de florestas. E temos outras iniciativas, por exemplo, trabalhamos em parceria com a Fundação Amazonas Sustentável para o desenvolvimento e validação do projeto de REDD da RDS do Juma.
Como está a demanda para os créditos destes projetos?
No Brasil, infelizmente está baixa. Outros países até têm tido mais sucesso na comercialização de créditos, mas em nosso país, por conta desta inexistência de um marco legal, os potenciais investidores ou compradores têm ficado muito inseguros. Mesmo os estrangeiros.
Outros países, como o Peru e o Chile, têm trabalhado em marcos legais interessantes para incentivar projetos. A Colômbia também. Tenho notícias de que nestes países há uma venda maior de créditos REDD+.
A ausência de regulamentação no Brasil gera dois problemas graves. Por um lado gera insegurança jurídica que cria uma barreira para investidores sérios que buscam projetos com credibilidade social e ambiental. Por outro lado, em um ambiente sem regras, acaba oportunizando a atuação de empresas e projetos mal intencionados e oportunistas. Especialmente em terras indígenas, temos visto algumas empresas vindo com propostas incabíveis e aproveitadoras que acabam não tendo um respaldo da comunidade.
No Amazonas, onde o Idesam atua mais diretamente, como está a implementação da legislação sobre REDD?
Está parada. Houve um processo de construção da lei de Pagamentos por Serviços Ambientais, que teve ampla participação da sociedade, mas atualmente encontra-se empacada nas mãos do Governo do Estado. Segundo a Secretaria de Meio Ambiente, o projeto está na mesa do governador e ele não quer aprovar. Uma das possíveis razões é que o governador não tem se interessado pela agenda de meio ambiente, tem outras prioridades. O que é difícil de entender é porque ele não aprova, já que seria uma lei totalmente baseada em incentivos positivos e não cria ônus para o governo, não gerando impedimentos para o desenvolvimento da produção rural ou de projetos de infraestrutura.
(Entrevista originalmente publicada pelo Instituto CarbonoBrasil)
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