
O arquiteto e engenheiro civil, Ewoud van Schaijk, desmistifica na entrevista exclusiva para o Responsabilidade Social.com a máxima de que uma construção ecologicamente correta custa mais. Especialista em projetos nesse formato, tendo atuado nas Olimpíadas de Londres, Schaijk destaca quais são os principais gargalos do Brasil nesse setor, avalia como o mercado se comportará nos próximos anos e detalha como esses conceitos podem ser aplicados em moradias populares. Confira:
1) Responsabilidade Social – Pelo mundo inteiro acompanhamos um verdadeiro “boom” de soluções ambientalmente corretas. Como esse fenômeno se aplica à área de construção? Pequenas inovações, como sistema para captar água da chuva, podem reduzir o impacto no meio ambiente?
Ewoud van Schaijk – O que se vê no Brasil agora é a primeira geração de prédios sustentáveis, que ainda estão muito voltados á soluções tecnológicas, como, por exemplo, captação de água de chuva, ou placas fotovoltaicas. Obviamente captação de água reduz o consume de água, porém não necessariamente isso significa que seja sustentável.
Minha opinião que faz com que uma coisa possa reduzir o impacto no meio ambiente ou não, não é aquilo que é aplicado, mas a maneiro como é aplicado. Importante também é lembrar que uma solução que é sustentável num determinado local, não necessariamente seja sustentável num outro.
Antes de pensar em soluções deve-se primeiro minimizar a demanda. Por exemplo, se uma determinada família precisa de uma casa de 200 m2, mas constrói uma de 300 m2, nunca terá uma casa sustentável, mesmo aplicando todas as tecnologias imagináveis sustentáveis, por ter gases carbônicos embutidos demais.
2) RS – Sabemos que o setor empresarial brasileiro investe pouco em inovação. De que forma o mercado nacional tem respondido a essa crescente demanda? Houve um aumento significativo de tecnologias eficazes voltadas para esse segmento nos últimos anos?
ES – Primeiro gostaria de dizer que discordo que o setor empresarial brasileiro investe pouco em inovação. Empresas como Embraer são líderes mundiais no seu setor. Confesso que a situação no setor de construção civil está bem diferente. Especialmente as incorporadoras são bastante convencionais, mais interessadas que estão em lucro imediato.
Inovação é muito importante, porém não apenas na tecnologia, mas principalmente na maneira de pensar. Sou professor universitário, e estou organizando este ano uma viagem para os meus alunos à Europa para visitarmos projetos sustentáveis de quarta e quinta geração, cuja concepção é totalmente diferente. Vamos visitar, por exemplo, uma escola CO2 neutra, que ganha € 35 mil por ano com a venda da sobra da energia que ela mesma gera.
Ou seja, hoje em dia sustentabilidade não é mais sobre tecnologia, não é uma maquiagem que pode ser aplicada, é uma maneira de pensar, uma atitude que deve permear o processo todo, desde o planejamento.
3) RS – Na sua opinião, quais são hoje os principais gargalos para a produção de empreendimentos sustentáveis no Brasil?
ES – Um gargalo é como um colega meu uma vez falou numa palestra para o GBC – Green Building Council Brasil: “Não é falta de dinheiro, não é falta de tecnologia, nem falta de ego, mas falta de atitude”.
Falta de atitude, tanto dos empresários que apenas buscam lucro, do governo que não cria a legislação para estimular o setor, quanto do público que compra qualquer coisa sem um senso crítico.
Junte isso à grande falta de conhecimento, e num futuro mais próximo, um gargalo será saber separar o joio do trigo para não ter estragado o conceito de sustentabilidade pelos oportunistas na área, que continuem atuando da mesma maneira, porém sob um molho marqueteiro de sustentabilidade. O novo bairro Noroeste em Brasília (DF), por exemplo, não tem absolutamente nada a ver com sustentabilidade, mas é vendido como fosse um primeiro bairro ecológico.
4) RS – Como se comportará o mercado nos próximos anos? O crescimento se manterá?
ES – Com certeza. É a tendência internacional, e não é apenas uma tendência é necessidade se quisermos ver os nossos netos e bisnetos também felizes num mundo saudável. Com uma opinião pública cada vez mais crítica, o mercado terá de atender a demanda.
5) RS – Como aplicar conceitos sustentáveis em moradias para baixa renda? Em sua opinião, no Brasil, por exemplo, esse conceito ainda está restrito à classe média alta?
ES – Não, é perfeitamente possível desenvolver um projeto sustentável de moradias para baixa renda. Um empreendimento realmente sustentável sempre começa com planejamento. Infelizmente, em muitos casos esse não é um ponto forte das autoridades no Brasil. Outro problema é que na maioria das vezes pensam-se apenas em soluções tecnológicas, ou em materiais.
Sustentabilidade por definição significa integração. Pensem, por exemplo, em inclusão social, geração de renda, saúde e bem-estar, transporte, e muito atual este ano, proteção a inundações, todos esses são facetos a serem incluídos num empreendimento sustentável.
Dependo do tipo de projeto, o foco e as suas metas poderão ser definidos de maneira diferente, mas isso depende de planejamento. Mais do que dez anos atrás já desenvolvi um projeto Habitacional Multissetorial Sustentável para o município de Nova Friburgo (RJ). Não foi implantado, parece que eu estava adiantado demais, mas infelizmente este ano a ironia da história provou a necessidade disso.
6) RS – Realmente aplicar conceitos sustentáveis encarece a construção? Em quanto, em média?
ES – Para responder esta pergunta gostaria de mencionar a parceria que minha firma OPEN SPACE firmou com a USP – UsefulSimpleProjects de Londres onde trabalha o responsável pela estratégia de sustentabilidade dos Jogos Olímpicos de Londres, que tem sustentabilidade como tema. Depois de ganhar à indicação do Comitê Olímpico Internacional, a organização de Londres iniciou um amplo processo de planejamento. Só depois de dois anos começaram a elaborar os projetos. Agora as obras dos jogos lá estão um ano adiantado, e foram entregues com uma economia de um bilhão de libras em relação ao orçamento inicial.
Um exemplo dessa maneira de trabalhar é o Estádio Olímpico de Londres que oferece os mesmos 80 mil assentos que o Ninho de Pássaro de Bejing. Os dois têm uma estrutura metálica, porém em Londres usou-se apenas 25% do aço para conseguir o mesmo número de assentos. Imaginem a redução de emissão de Green House Gasses (Gases de Efeito Estufa) por assento. Ou seja, USP é uma empresa com grande experiência internacional na área de sustentabilidade que estamos trazendo para Brasília
O problema com custos é que pode se incluir, ou exclui, o que quiser, sem mencionar ainda as metas a serem alcançadas. Por exemplo, estão incluídos no preço da construção os custos da vida útil do prédio? Eu diria que um imóvel que colabora em destruir o mundo futuro dos nossos netos tem um preço incalculavelmente alto. Obviamente as incorporadoras que buscam lucro de curto prazo apenas para seus netos, não se preocupam muito com isso.
7) RS – Os consumidores topam pagar um pouco mais para ter um adquirir um imóvel verde?
ES – Quem lhe disse que um imóvel verde seria mais caro? O que os consumidores não devem topar é adquirir um imóvel mais caro, mas devem aceitar sim um prazo para planejar bem o seu projeto. Esse tempo de planejamento, como vimos no exemplo de Jogos Olímpicos, se compensará mais adiante no processo. Porém, na prática a angústia em geral atropela o planejamento.
Outro aspecto a ser pensado é a composição do preço. Para uma família que pretende morar por um bom tempo na sua residência, os custos de manutenção durante a vida útil do imóvel também são importantes.
O que acontece muito no Brasil hoje em dia, é que se elabora um projeto convencional, e depois são, digamos, acoplados, como fossem acessórios, os itens chamados sustentáveis, como captação de água, iluminação LED, entre outros. Nessa maneira sim, o imóvel de fato ficará mais caro, e com sorte esse investimento a mais será compensado durante a vida útil do imóvel.
Resultado é um tipo de compensação, o que acontece também com o plantio de árvores para recompensar outra ação não-sustentável. Na melhor das hipóteses, o resultado será neutro, mas não sustentável. Porém, se começar a eliminar a demanda já na fase de planejamento, por exemplo, do ar-condicionado, ou de quantidade de materiais aplicada por optar por outro método de construção, os custos diretos de construção de um imóvel verde não sai mais caro, muitas vezes até pelo contrário.
Acabei de entregar uma residência no interior do Rio Grande do Norte, sem ar-condicionado, construída com materiais e mão-de-obra locais. Especialmente a mão-de-obra local, com todas as suas deficiências, limitava muito as opções. Se tivéssemos insistido em soluções técnicas de Brasília ou de Natal, a residência teria ficado muito cara, mas com criatividade e planejamento conseguimos um preço por metro quadrado embaixo o do CUB da região. Acima disso ainda treinamos a mão-de-obra.
8) RS – Qual o seu entendimento do termo ‘responsabilidade social’?
ES – Obviamente cada um de nós tem a sua percepção de um conceito, também desse de responsabilidade social. Pessoalmente procuro de voltar à origem das palavras, que nesse caso é o latim. “Re-spondere” significaria algo como re-agir perante uma determinada situação. (em latim re-spondere pode até significar “vingar-se”). Com isso quero dizer que é importante lembrar que responsabilidade é uma ação, um ato, não algo que a gente tem, ou algo que pode ser distribuído. Há chefes demais nesse mundo que “tem” responsabilidade, mas não fazem nada, o que trava qualquer crescimento, seja institucional, seja pessoal.
A palavra “social” hoje em dia está mais complicada, porque muitas vezes tem a conotação de alguém ou um grupo fora do nosso ambiente. Neste sentido pense-se num “projeto social”, que atende uma classe excluída. Porém, a origem da palavra “sócio”, não indica alguém fora do nosso grupo, mas nos coloca dentro do mesmo grupo. No sentido de sócio de uma empresa, por exemplo, ainda tem essa conotação (em Latim pode ser traduzido também como “cônjuge”) Importante é incluir esses grupos no conjunto. Por isso, projetos realmente sustentáveis desenvolvem programas de geração de renda, inclusão social e não aceitam condomínios fechados.
Resumindo, eu entendo responsabilidade social como uma ação perante, dentro e para o bem do coletivo. Obviamente a percepção do conceito coletivo também é sujeito a diferenças, mas aí precisaremos recorrer ao Edmund Husserl ou Maurice Merleau Ponty, o que não me parece o objetivo dessa entrevista.
Ewoud van Schaijk – Telefone: (61) 3242-9058
Também nessa Edição :
Perfil: Pedro de Melo Soares de Oliveira
Artigo: Sustentável sim, mas para quem?
Notícia: O que deu na mídia (edição 117)
Notícia: Corrente do Bem
Notícia: Consumidor consciente
Notícia: Páscoa solidária
Leave a Reply