
Há quase duas décadas, a psicopedagoga Dagmar Garroux, mais conhecida como “Tia Dag” realiza numa das regiões mais violentas de São Paulo atividades culturais e educacionais, além de capacitação profissional. O público-alvo é formado por crianças a partir dos seis anos e jovens carinhosamente chamados por ela por “Zezinhos”.
O escopo do projeto é amplo. A proposta é oferecer “meios e oportunidades para que essas famílias melhorem sua condição com suas próprias pernas”. Desde a criação da instituição, em 1994, já foram atendidas mais de 10 mil pessoas da região do Parque Santo Antônio, Capão Redondo, Jardim Ângela e Jardim São Luiz, na capital paulistana. A instituição conta com de 100 funcionários, além dos voluntários. Hoje, são atendidas 1,5 mil crianças e jovens. Todas as atividades são ofertadas sem custo para a população.
“Nossos projetos são patrocinados por empresas parceiras. O bacana é que as empresas não mantêm uma relação fria conosco, muito pelo contrário, os empresários e funcionários das empresas se envolvem com nossas atividades e tornam-se grandes amigos”, comemora Dagmar Garroux. Em entrevista exclusiva para o Responsabilidade Social.com, ela detalha as ações realizadas, antecipa as metas para os próximos anos e avalia a atuação das organizações do terceiro setor no Brasil. Acompanhe.
Responsabilidade Social – A senhora criou, em 1994, a Casa do Zezinho que oferece de forma gratuita complementação pedagógica para crianças e capacitação profissional para jovens de uma das regiões mais violentas de São Paulo. Quais são os principais resultados que podem ser apresentados?
Dagmar Garroux – O principal resultado é a felicidade estampada na cara das pessoas, das crianças e jovens, enfim, das famílias da região. Esse pessoal tem um potencial humano imenso, pois são sobreviventes de uma seleção natural perversa realizada pelas condições de vida às quais estão injustamente submetidos. A Casa do Zezinho acredita nesse potencial, oferecendo meios e oportunidades para que essas famílias melhorem sua condição com suas próprias pernas.
Então posso dizer que o principal resultado é ver o pessoal atendido pela instituição tocando suas vidas de forma digna, com a felicidade estampada no rosto e a autoestima fortalecida. É ver um “Zezinho” empregado, numa profissão escolhida por ele, e não ao contrário, e sustentando sua família, transmitindo esse legado aos seus filhos.
RS – Quais são as principais atividades realizadas atualmente e quantas pessoas estão envolvidas?
DG – Hoje, atendemos crianças a partir da idade de seis anos, que realizam atividades que visam desenvolvê-las plenamente enquanto ser humano. Trabalhamos muito a educação com arte, com a expressão, o reconhecimento da criança enquanto pessoa merecedora de carinho, amor e atenção, com o lúdico, com a brincadeira, com a atividade física. O “Zezinho” vai crescendo, e as atividades vão mudando de acordo com sua idade e desenvolvimento.
Ao chegar à adolescência, o “Zezinho” é preparado para enfrentar e construir o mundo no século 21. Além de trabalhar arte, comunicação, números e tecnologia, o jovem opta por oficinas específicas, podendo escolher as que mais se identifica: web design, design gráfico, gastronomia, jornalismo, oficina de garagem, robótica, animação, teatro, e aplicativos para tablets, por exemplo.
À noite, desenvolvemos o “Projeto Vaga Lume”, que atende “Zezinhos” a partir dos 17 anos, ou seja, já passando para a idade adulta. Oferecemos cursinho pré-vestibular, curso de web design, curso de aplicativos para tablets e curso de gastronomia. A ideia é preparar o cidadão que já está passando pelos desafios do mercado de trabalho ou que quer se preparar para cursar uma boa faculdade.
Além disso, a instituição conta com os cursos oferecidos pelo Grupo de Mães Amigas da Casa do Zezinho (GMACZ). O público-alvo é composto pelas mães e pais de “Zezinhos”. São ofertados cursos de corte e costura, reaproveitamento de roupas, artesanato com materiais recicláveis, jardinagem e informática básica.
Temos, ainda, o “Toca, Zezinho!”. Trata-se de um projeto que ensina os mais diversos instrumentos aos “Zezinhos”, contando com um complexo de salas dedicadas exclusivamente a essa prática. Na iniciativa, os beneficiados podem participar de coral, aprender desde percussão e instrumentos da música popular, como cavaquinho, violão e guitarra, até instrumentos de música clássica, como violas, violinos, bombardinos e violoncelos. A orquestra do “Toca, Zezinho!” apresenta-se pelo Brasil afora, tanto na periferia quanto em grandes e modernos teatros.
Destaque também para o “Projeto Makaya”, que abarca todos os setores e tem como objetivo trazer a consciência ecológica, traduzida em ações práticas, incluindo capacitação das famílias em construção de casas sustentáveis feitas de materiais reaproveitados.
Aos sábados funciona o “Projeto Saúde”, que oferece acupuntura, massagem terapêutica, aromaterapia, cromoterapia, fitoterapia enfim, um atendimento naturopático com profissionais do mais alto calibre para toda a população do bairro. Durante a semana, essa ação promove atividades que visam à prevenção ao uso de álcool e drogas, à gravidez precoce e às DSTs [doenças sexualmente transmissíveis], com atuação de psicólogas e assistentes sociais.
Também nos fins de semana funciona o “Projeto Arte e Cultura na Periferia”, que oferece às crianças e jovens da região atividades de lazer, com muito esporte e brincadeiras ao ar livre, com o acompanhamento de nossos educadores. O projeto é aberto a toda a população e não só aos atendidos regularmente pela Casa do Zezinho.
RS – A senhora poderia detalhar o projeto “Arte e Cultura na Periferia”?
DG – Todo sábado, nós disponibilizamos no auditório da entidade uma programação variada. Trazemos artistas das mais diversas áreas para apresentações gratuitas de espetáculos teatrais, cinema, música, literatura, dança, e outras manifestações artísticas e culturais.
Trata-se de um verdadeiro oásis de diversão e lazer saudáveis e de qualidade numa região extremamente carente dessas opções. Esse projeto é patrocinado pela empresa Promon, uma das maiores na área de tecnologia do Brasil, por meio da Lei 10.923/90 [Lei de Apoio institucional da Prefeitura de São Paulo]. Essa parceria já acontece há 12 anos, o que demonstra a importância da ação. Eles são parceiros fiéis.
RS – A senhora tem uma estimativa de quantas pessoas foram beneficiadas diretamente pela instituição ao longo desses 18 anos?
DG – Já atendemos mais de 10 mil “Zezinhos” ao longo desses 18 anos.
RS – Quantas pessoas são atendidas atualmente?
DG – Atendemos 1,5 mil crianças e jovens, porém entre saídas de alguns que conseguem emprego ou mudam de bairro e a entrada de outros para essas vagas, acredito que esse número suba para 1,6 mil. Entretanto, vale ressaltar que mesmo após a saída dessas pessoas, a casa mantém o acompanhamento. Hoje, a instituição possui mais de 100 funcionários, sem contar voluntários. Todas as nossas atividades são gratuitas.
RS – Quais são as principais metas da instituição para os próximos anos?
DG – Planejamos abrir o “Se Cuida, Zezinho!”, uma clínica para atender toda a população da comunidade, semelhante ao que o “Projeto Saúde” já faz atualmente, mas em escala muito maior. Já compramos o terreno. Engenheiros parceiros nos ajudaram com o projeto, e agora “só” falta construir.
Também vamos abrir a “Casinha do Zezinho”, dentro da favela, para cuidar das crianças menores de seis anos, que muitas vezes têm que ficar aos cuidados de seus irmãos de 10 ou 11 anos enquanto os pais vão trabalhar.
Temos ainda projetos que visam desenvolver localmente a Região do Parque Santo Antônio, estimulando o empreendedorismo na comunidade, para que não tenham que atravessar a cidade para trabalhar e gerar renda.
RS – Como a senhora avalia a atuação das organizações do terceiro setor no Brasil e quais são os principais desafios desse segmento para a próxima década?
DG – Toda organização tem seu mérito, são ações de pessoas que tiveram a iniciativa de tentar mudar o mundo, que não se acomodaram frente aos problemas da sociedade, que foram a luta pelos seus ideais. Pra mim o grande desafio é a educação completa e plena do ser humano, para que o brasileiro tenha consciência de seu poder enquanto cidadão e não aceite mais os absurdos aos quais é submetido.
RS – A instituição conta com apoio de parcerias para a realização das atividades? Quais ações são realizadas para manter a sustentabilidade financeira da instituição?
DG – Nossos projetos são patrocinados por empresas parceiras. Nós criamos um projeto e vamos atrás dos empresários para captar recursos para que a coisa aconteça. O bacana é que as empresas não mantêm uma relação fria conosco, muito pelo contrário, os empresários e funcionários das empresas se envolvem com nossas atividades e tornam-se grandes amigos. A parceria aqui não é só financeira, é uma troca bilateral de experiências e calor humano, em que todos saem ganhando. Nós fazemos questão que seja assim.
Aqui na Casa do Zezinho mantemos relatórios detalhadíssimos sobre o uso de cada centavo que entra, que são enviados periodicamente a nossos parceiros. Também passamos todo ano por auditoria externa. Aqui o parceiro se sente seguro para investir no social, sabendo que a verba será utilizada no que foi combinado, sendo 100% revertida para as atividades com os “Zezinhos”.
RS – Quais os aprendizados que o envolvimento nesse trabalho trouxe para a sua vida?
DG – Curto e grosso? Aprendi a ser um ser humano.
Casa do Zezinho – Telefone: (11) 5818-0878
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