O presidente do Instituto Sangari, Ben Sangari, mostra como a ciência, tecnologia e inovação (CT&I) podem ser utilizadas para superar gargalos em setores como saúde e educação. “A C&T estão na base mesma da solução desses entraves. Tudo, hoje em dia, funciona direta ou indiretamente graças à utilização de recursos científicos ou tecnológicos ou ambos”, disse com exclusividade para o Responsabilidade Social.com.
Ben Sangari detalha, ainda, as ações realizadas pela instituição, fundada no país em 2003 com a missão de democratizar o acesso ao conhecimento científico. A entidade promove a difusão da ciência por meio de exposições, publicações e projetos, ações que já beneficiaram cerca de um milhão de pessoas, em sua maioria jovens e crianças. Acompanhe.
1) Responsabilidade Social – Como o Instituto Sangari define o conceito de “responsabilidade social”?
Ben Sangari – O Instituto Sangari segue a tendência atual de valorizar mais os aspectos humanos. Como não poderia deixar de ser, tem seu foco voltado para a educação, mais especificamente para a educação científica. Promove sua democratização por meio de exposições e palestras, por exemplo. Até pouco tempo atrás, para ser competitiva, uma empresa oferecia artigos ou serviços de qualidade pelos melhores preços do mercado e se dava por satisfeita. Hoje em dia, vários outros fatores contam para se consolidar um bom negócio – desde a relação que a empresa mantém com seus clientes, fornecedores, colaboradores e parceiros até aspectos como ética, transparência e preocupação com educação, inclusão social e desenvolvimento sustentável.
Esse pacote de iniciativas torna a gestão mais responsável, consciente. Mas a chamada “responsabilidade social das empresas” pode ir além. Pode significar investir no desenvolvimento da própria sociedade, enxergar pessoas além de clientes, adotar o paradigma da cooperação em substituição ao da competição, colocar o bem comum acima dos interesses comerciais.
Essa visão tem orientado a tomada de decisões em praticamente todos os níveis dentro de muitas empresas brasileiras, e não tem sido diferente na Sangari. Para dar uma ideia, em sete anos de existência, o Instituto Sangari, em parceria com o Museu de Ciências Naturais de Nova York (Estados Unidos), e com apoio do setor público e da iniciativa privada no Brasil, já trouxe ao país exposições científicas, que atraíram o interesse de mais de 1 milhão pessoas, em sua maioria, crianças e jovens.
2) RS – O senhor acha que ainda há espaço para empresas praticarem ações de responsabilidade social utilizando-se de incentivos fiscais disponibilizados pela legislação brasileira àquelas que atuam no campo da ciência, tecnologia e inovação (CT&I)?
BS – Cada caso é um caso. Há situações em que a empresa pode e deve arcar sozinha com suas ações de responsabilidade social. Mas há outras que podem demandar recursos acima do fôlego financeiro da empresa. Nesse caso, ela tem três opções: abrir mão da ação, o que nem sempre me parece justificável; buscar apoio de outras empresas e, assim, somar esforços; ou recorrer aos incentivos fiscais disponíveis.
Evidentemente, as duas últimas opções não são excludentes entre si. Fato é que determinadas ações, sobretudo de largo alcance, de grande dimensão, transcendem a área de atuação da empresa e podem justificar apoio mais amplo, inclusive por meio de incentivos fiscais. Cabe ao setor público, que autoriza a utilização desse mecanismo, selecionar as ações conforme a relevância e o impacto social delas.
O Instituto Sangari, por exemplo, como eu dizia há pouco, já realizou quatro mega-exposições no Brasil. Uma delas, Água na Oca, ainda está em cartaz em São Paulo. Todas elas tiveram a parceria do Museu de Ciência Natural de Nova York e de empresas brasileiras, além de alguns governos, que, em um pool, ajudaram a viabilizar essas mostras. Com isso, o instituto proporciona a estudantes de várias partes do país o contato direto com recursos ultrassofisticados, que ajudam a entender a vida e a obra de luminares da ciência, como Charles Darwin e Albert Einstein, além de questões como o genoma e a água.
3) RS – Apesar dos avanços, os desafios do Brasil são ainda enormes em educação, saneamento, saúde pública e desenvolvimento social. Como a ciência e tecnologia, com seus investimentos elevados, podem contribuir para superar esses entraves?
BS – A ciência e a tecnologia estão na base mesma da solução desses entraves. Como vencer esses desafios sem o auxílio da ciência e da tecnologia? Praticamente impossível. A educação perpassa tudo, e tudo, hoje em dia, funciona direta ou indiretamente graças à utilização de recursos científicos ou tecnológicos ou ambos. As escolas brasileiras estão se informatizando. Os estudantes, seja na escola, seja em casa, seja na rua, têm contato quase ininterrupto com aparatos científico-tecnológicos. Educadores, pais e eles próprios convivem com questões relacionadas ao cotidiano de todos, e essas questões exigem conhecimento em ciência e tecnologia.
O noticiário inunda as famílias com informações sobre as mudanças climáticas, novas doenças, descobertas, invenções. Do desabamento de barracos em um morro durante o período das chuvas à descoberta de petróleo na camada pré-sal no litoral brasileiro, praticamente tudo o que aparece no noticiário demanda conhecimento científico-tecnológico para compreender o que se passa e poder tomar posição.
Muitos dos problemas que enfrentamos no dia-a-dia podem ter solução no uso adequado de ferramentas científicas. Quantas vidas não podemos salvar hoje graças ao avanço da medicina? Quanto tempo não ganhamos com o emprego de máquinas? Qualquer obra, de qualquer envergadura, atualmente, demanda pessoal qualificado. Essa qualificação costuma estar relacionada aos campos da ciência, da tecnologia e da inovação, a CT&I.
4) RS – Hoje, C&T são vistas como panacéia para todos os problemas do desenvolvimento sustentável. Em que medida o reforço da cultura científica contribui para a melhora nos indicadores sociais e na reeducação ambiental de um país?
BS – Como eu dizia, o conhecimento científico-tecnológico permite melhor compreensão de muitas questões contemporâneas, entre elas a ambiental. A educação em geral e a educação científica, em particular, são, por si sós, alavancas para o crescimento de um país. Onde a educação obteve melhores resultados, costuma haver também melhores indicadores sociais. Se não vivêssemos em uma sociedade cada vez mais sofisticada em termos científico-tecnológicos, bastaria investir na educação tradicional, com ênfase em idioma, matemática, história, geografia.
Mas o mundo em que vivemos hoje requer nível cada vez mais elevado de conhecimento em ciências. Até porque, em um contexto em que os saberes são transversais, a “cultura científica” a que você se refere está presente em praticamente tudo. Não se faz história, especialmente arqueologia, sem ciência. Não se estuda geografia, especialmente geografia física, sem ciência. Da mesma forma, não se dissemina informação sem tecnologia. Os indicadores sociais dependem, entre outros fatores, das taxas de emprego. Como gerar emprego e renda sem investimento na qualificação profissional, que, aliás, deve começar na infância? Quanto mais cedo o país forma seus cientistas, mais fácil os emprega no futuro. Tudo está interligado.
5) RS – Além do Brasil, a Sangari está presente também em outros países, como os EUA e a Argentina. Em que diferem os desafios em educação científica nesses países?
BS – Os países têm enfrentado desafios semelhantes em todo o mundo. Evidentemente, países como os Estados Unidos têm maior tradição na educação científica. Mesmo assim, há administradores públicos nesse país que já despertaram para o fato de que a formação em ciências ainda está aquém do desejável, pois é preciso acompanhar as mudanças. Os EUA não querem se acomodar. Querem estar sempre prontos para enfrentar a concorrência de potências emergentes, como a China, para ficar em um exemplo. A Argentina, por sua vez, tem desafios bem parecidos com os do Brasil. Como de resto na América Latina, enfrenta uma série de dificuldades em sua rede pública de ensino, especialmente em função das crises econômico-financeiras por que tem passado aquele país nos últimos anos.
A verdade é que, em uma sociedade globalizada, nenhum país quer ficar para trás. Todos querem, naturalmente, avançar além do ponto em que se encontram. Não querem parar no tempo. E a escola, de maneira geral, está parada no tempo, não se inovou, não acompanhou as mudanças de outros setores da sociedade. O método da Sangari vem despertando a atenção de educadores e de gestores em educação justamente porque estimula, de forma inovadora, o interesse das crianças por uma área de conhecimento que, em alguns casos, pode ser bastante árida. O método investigativo do CTC – Ciência e Tecnologia com Criatividade incentiva a investigação científica, algo indispensável para o crescimento sustentado de qualquer país.
6) RS – Muito se fala em maiores investimentos em uma educação de qualidade no Brasil, país onde as carências das escolas públicas são gritantes. Discutir educação em ciências não seria “supérfluo” diante de instalações e escolas precárias?
BS – A educação é um conjunto. De que adiantam, por exemplo, prédios e salas de aula sofisticadas se o conteúdo das aulas é medíocre? A escola não se limita ao físico. Ela não se restringe a merenda, instalações físicas, professores disponíveis com salário digno em dia. Ela só faz sentido se oferecer educação de qualidade. É claro que o aspecto físico contribui para isso.
Mas o principal está na capacidade da escola de fazer com que o estudante realmente aprenda. Para isso, ela necessita de material didático de qualidade, metodologia competente e professores altamente qualificados. Na área de ciências, a carência nesse aspecto parece mais evidente. Mas nenhum dos elementos precisa ser mutuamente excludente.
Deve-se pensar a escola como um todo orgânico. Vale lembrar que a educação em ciências é uma das coisas que mais instigam os alunos, seja em escolas ricas ou em escolas em zonas pobres e violentas. Nosso programa tem sido aplicado em favelas do Rio de Janeiro como estratégia para recuperar o engajamento dos alunos, trazer de volta seu prazer pelo estudo. O método CTC tem sido um fator de redução da evasão escolar; ou seja, educação em ciências, no nosso caso, não é supérfluo, é um recurso de grande importância exatamente nas escolas em situações mais difíceis.
7) RS – O Brasil aparenta ainda investir muito pouco em C&T. Quais as conseqüências práticas disso em longo prazo?
BS – Há mudanças em andamento. No ano passado, o país realizou sua 4º Conferência Nacional de CT&I. Dali saiu a plataforma necessária para a construção de uma política de Estado para a área. O aumento do investimento deverá ser uma conseqüência da implementação dessa política. Em todo caso, o fato de o Brasil ter investido menos do que o desejável em CT&I já apresenta conseqüências.
Segundo o IBGE [Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística], das 500 mil indústrias em atividade no país, somente três mil se dedicam regularmente à pesquisa e ao desenvolvimento (P&D). Para se ter uma ideia do que isso significa em termos práticos, na última década, a China multiplicou por dez seu número de registros no sistema internacional de patentes. Representa mais de 5% do volume mundial e ocupa o 5º lugar no ranking.
A Coreia do Sul, por sua vez, exibe um crescimento de 1,5 mil registros em 2000 para 8 mil em 2009, 5,17% do total global. O Brasil, ainda que tenha quase dobrado seu número de patentes internacionais (de 270 em 2005 para 480 no ano passado), ainda representa somente 0,32% das patentes do mundo. Sozinha, a empresa Panasonic registrou, em 2009, cinco vezes mais patentes que todo o Brasil.
De acordo com relatório da escola mundial de negócios Insead, realizado em parceria com a Confederação da Indústria Indiana, que classificou 132 países em termos de inovação, o Brasil ocupa a 68ª posição. Quando comparado aos vizinhos latino-americanos, sobe para a sétima, mas ainda perde para Chile, Costa Rica e Uruguai. O novo ministro de Ciência e Tecnologia demonstra enorme interesse em mudar esse quadro. Merece ter apoio para isso.
Instituto Sangari – Telefone: (11) 3474-7500
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