
Por Ricardo Voltolini
Episódio serve de lição para quem trabalha com sustentabilidade
Muito semelhantes, as duas imagens que ilustram este artigo guardam em comum o fato de retratarem importantes acidentes ambientais e de terem emocionado milhões de pessoas em todo o mundo. A primeira, de 1989, diz respeito ao famoso derramamento de petróleo do navio Exxon Valdez, no Alasca. A segunda, publicada em maio, mostra um pássaro da Lousiana envolto em óleo vazado da plataforma da Britsh Petroleum, no Golfo do México.
No episódio da década de 1980, 260 mil barris de petróleo mataram 250 pássaros marinhos, 2.800 lontras, 250 águias, 22 orcas e bilhões de ovos de salmão. No caso mais recente em mares americanos, o balanço de prejuízos ao ecossistema ainda não foi fechado, até porque o vazamento — estimado em quase um milhão de barris – não tem data certa para cessar. Como se vê, além de tragicamente cíclicos, os derramamentos de petróleo costumam se superar na intensidade de seus impactos.
Os números do episódio são desastrosos para a BP. No início do mês de junho, depois de mais uma tentativa fracassada de conter o vazamento, suas ações desabaram 15% na Bolsa de Valores de Nova Iorque, em grande medida pelo temor – justificado, diga-se – em relação aos custos de limpeza da sujeira negra dispersada no Golfo do México, já contabilizado em cerca de US 1 bilhão. E seguem ribanceira abaixo. Os investidores começaram a bater em retirada.
Não só porque são criaturas nervosas que não reagem bem aos humores de curto prazo. Mas porque passaram a ver mais brumas do que luzes no médio e longo prazos da petroleira. A temporada aberta de vendas de ações da BP reduziu o valor da empresa em US 20 bilhões. E o seu nome, antes cercado de uma aura quase mítica, foi raspado do Dow Jones Sustainability Index, índice que reúne ações de empresas preocupadas com a sustentabilidade. Sim, caro leitor, até a deflagração do episódio do Golfo do México, a BP tinha lá o seu prestígio – justo ou não! – como empresa atenta aos fundamentos da sustentabilidade.
O risco da BP ganhou nova dimensão, próxima do dramático: o custo do seguro da dívida da companhia, segundo The Wall Street Journal, avançou 75%. E a encrenca na qual se meteu promete novos – e caros – capítulos com o aumento dos processos judiciais movidos por pessoas que tiveram seus negócios prejudicados, com o anúncio de uma investigação criminal pelo governo americano e com a firme determinação de Barak Obama de mudar a lei para impingir uma multa compatível com o porte do estrago feito ao ecossistema da região, à auto-estima dos norte-americanos e à sua própria reputação. Do pescador de camarão da Louisiana ao secretário de Justiça dos EUA, Eric Holder, a maioria dos cidadãos americanos acredita que o caso seja mais grave do que o Furacão Katrina.
Há dez dias, a BP anunciou a contratação de Anne Womack-Kolton, uma das mais importantes relações públicas do EUA. Sua missão, para lá de espinhosa, será remendar os muitos buracos feitos na imagem e reputação da megacorporação inglesa. É opinião geral entre analistas do mercado que, apesar do balanço peso-pesado, se resistir ao fardo do passivo viscoso que se espalha pela região, a BP será uma empresa de menor valor, algo que já aparece estampado no rosto atônito de seu diretor-presidente, Tony Hayward.
O episódio BP ensina algumas coisas para quem trabalha com sustentabilidade.
(1) As questões do universo da sustentabilidade se impõem como variáveis cada vez mais críticas no sucesso ou fracasso de um negócio. Escolhas erradas, falhas estruturais, decisões infelizes e deslizes em processos que promovam impactos sociais ou ambientais serão crescentemente punidos com perda de valor econômico. O prejuízo será tanto maior quanto maior forem a comoção pública em torno do caso e o dano causado a um ecossistema ou a um grupo da sociedade. Se você é investidor, portanto, desconfie das empresas que tratam a sustentabilidade com displicência, desinteresse ou arrogância, ainda que seus balanços demonstrem hoje um certo vigor. A diferença entre o céu e o inferno pode estar na dificuldade de resolver uma falha técnica a 1.500 metros de profundidade no oceano.
(2) Quando a sustentabilidade fica só no discurso, os riscos aumentam. O caso BP é típico. Há exatos 10 anos, a empresa anunciou, por meio de uma milionária campanha de propaganda (estima-se algo como US$ 200 milhões), que passaria a ser chamada apenas pelas iniciais, usando, como recurso para fortalecer o novo posicionamento, o mote “Beyond Petroleum.” Mais do que um slogan, ou uma nova logomarca (a anterior foi substituída pela de um girassol), a empresa se comprometia a “ir além do petróleo”, investindo em energias renováveis por reconhecer que – líder do setor – tinha essa obrigação. Ainda nos anos 1990, a BP foi pioneira na discussão das mudanças climáticas, o que motivou muita gente a levar a sério o novo posicionamento.
Os números, no entanto, mostram que a bandeira ficou apenas no discurso. Em 2008, quando o Greenpeace tentou conferir um prêmio de greenwashing à BP, os borderôs revelavam um investimento pífio de pouco mais de 1% em energia solar. Óleo e gás continuaram recebendo 93% de financiamento.
(3) Já está mais do que na hora de investir na transição da matriz energética mundial, hoje centrada no petróleo, para outra mais limpa. Em um mundo predominantemente movido a combustível fóssil, já se sabe que a mudança levará alguns anos, talvez décadas. Mas ela precisa começar para valer. Um dos porta-vozes da BP chegou a afirmar em entrevista que o episódio do Golfo do México nada tem a ver com o debate de sustentabilidade, mas com uma falha técnica, tratada como um incidente. Será? Tivesse vazado bioetanol e o estrago ambiental seria infinitamente menor. Além de contribuição da queima do petróleo para as mudanças climáticas, a sua exploração é sim uma atividade econômica com alto risco ambiental. Resta aos governos e às sociedades avaliar o tamanho desse risco para definir até quando, em que medida e em nome de que tipo de desenvolvimento vale a pena corrê-lo.
Ricardo Voltolini é publisher da revista Idéia Socioambiental e diretor da consultoria Idéia Sustentável: Estratégia e Inteligência em Sustentabilidade.
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