Por Henrique Cortez
A iniciativa dos balanços sociais, decorrente de uma atitude socialmente mais responsável por parte das empresas, foi muito comemorada pelas organizações da sociedade civil. Era um passo importante e definitivo na direção da integração dos interesses e compromissos das empresas com a sociedade e, por conseqüência, com o mercado. Não existe mercado que não esteja ancorado na sociedade. Mas, sempre existe um mas, a realidade ainda está muito longe das expectativas iniciais. O Ibase recomenda um modelo mínimo de balanço social, que dá transparência aos conceitos e indicadores sociais, culturais e ambientais. No entanto, a imensa maioria das empresas \”socialmente responsáveis\” não adota sequer o modelo mínimo do Ibase.
Em uma palestra, na qual discutia conceitos essenciais sobre responsabilidade social, fui questionado se estava pondo em dúvida os balanços sociais. Tive a oportunidade de dizer que, depois dos escândalos contábeis (Enron, Xerox etc.) duvidava de qualquer balanço, inclusive o social. Por força de meu trabalho, acompanho com seriedade os tais balanços sociais e posso afirmar que a maioria é discursiva e enganosa, com maior brilho no texto publicitário do que no conteúdo das ações realizadas. Vejamos alguns casos.
Um dos maiores bancos nacionais destaca que a política de demissões adotada pela empresa tem como principal preocupação o respeito incondicional às pessoas e à legalidade. Respeitar as pessoas e a legalidade é obrigação mínima de qualquer empresa, mesmo as irresponsáveis. Há quem destaque que outro passo importante do projeto (consolidação da cultura de atendimento) foi a definição e incorporação de uma cultura de atendimento, construída a partir da premissa de que a personalidade da empresa transparece na forma como cada funcionário atende o cliente. Tal cultura está estruturada em valores como eficiência, atenção, agilidade, confiança e cuidados com a higiene. Desde quando atender ao cliente com atenção, agilidade, confiança e cuidados com a higiene deixaram de ser obrigações mínimas para tornarem-se expressões de responsabilidade social?
Já vi quem, orgulhosamente, afirme que seus colaboradores são incentivados a contribuir para o processo de avaliação e monitoramento das crenças e valores da empresa. E daí? Inúmeras vezes vemos compromissos decorrentes de Termos de Ajustamento de Conduta – TACs ou medidas compensatórias, firmadas com autoridades ambientais e o MP, destacados como exemplos de responsabilidade ambiental, quando na verdade são compromissos decorrentes de ações ou processos ambientalmente irresponsáveis. Outro grande banco nacional destaca em sua publicidade, como prova de seu compromisso ambiental, que financia a aquisição de equipamentos de aquecimento solar ou que financia conversão de automóveis para GNV. Como compromisso social, este banco cidadão destaca o financiamento de pequenas e médias empresas. Ora, bolas, estas são atividades relacionadas com o negócio de qualquer banco. Oferecer crédito e financiamento é prova de responsabilidade social e/ou ambiental?
Quantas vezes não assistimos empresários ou executivos afirmando, em suas empresas, seu compromisso com a ética como demonstração de sua responsabilidade social? Os exemplos são infinitos e seria desnecessariamente cansativo destacá-los. O importante é que muitas pessoas, como eu, já estão prestando mais atenção aos balanços sociais e, com certeza, passarão a cobrar mais verba e menos verbo, porque de propaganda enganosa já estamos cansados. Não basta dizer que possui uma política de gêneros. É necessário demonstrar qual o percentual de mulheres em seu quadro funcional e qual o percentual de mulheres em cargos executivos. Se for da segunda casa decimal não possui política de gênero. O mesmo em relação aos negros ou deficientes físicos ou qualquer outra política de igualdade de oportunidades.
Voltando aos bancos, podemos perguntar aos banqueiros quanto realmente investem em projetos sociais, culturais e ambientais. Se excluímos os valores dos projetos com incentivo fiscal, como os projetos culturais, teremos um número mais próximo da verdade, em termos de responsabilidade social. Na maioria das vezes, em termos relativos, ele será da segunda ou terceira casa decimal em termos de lucro operacional. Ou seja, rigorosamente nada!
As empresas não possuem caráter, temperamento, atitude, consciência ou responsabilidade. Estas características humanas são decorrentes de seu acionistas e executivos, que por sua vez podem ser os nossos amigos, parentes, vizinhos, etc. Eles são tão responsáveis socialmente quanto a sociedade espera e cobra que eles sejam. Simples assim. Reclamamos da falta de responsabilidade e compromisso social, mas não exercemos um controle social mais efetivo. A mesma lógica perversa aplica-se aos acionistas e executivos ou às próprias empresas, porque, além da tradicional impunidade, não enfrentarão qualquer tipo de rejeição social. As empresas que maquiaram produtos em suas quantidades ou peso continuam no mercado normalmente e algumas continuam líderes de seus segmentos. No entanto, uma empresa que mentiu descaradamente, com o claro e definido objetivo de enganar o consumidor, deveria enfrentar conseqüências legais e mercadológicas sérias. Sabemos que nada aconteceu, salvo o consumidor saber que foi enganado e conformar-se com isto.
A responsabilidade por esta situação, no entanto, é da sociedade civil, é de todos nós. Devemos ter o compromisso de apenas adquirir bens e serviços das empresas que realmente tenham uma atitude correta e respeitosa com a sociedade e para com o mercado consumidor. Afinal é a sociedade, enquanto mercado consumidor, quem efetivamente sustenta a atividade empresarial.
Pessoalmente, a título de exemplo, não consumo produtos da Nike porque não apóio o trabalho infantil, quer seja no Brasil ou na Malásia, e isto não é nenhum sacrifício. Como muitos outros, digo não às empresas, políticos e cidadãos comuns que possuem atitudes ou comportamentos que ferem os meus princípios, compromissos pessoais e que, principalmente, são socialmente irresponsáveis. Espero que, no futuro, esta seja uma atitude afirmativa mais comum. No momento em que a sociedade aprender a dizer não às empresas irresponsáveis ou que tenham apenas responsabilidade discursiva podem ter certeza que elas imediatamente serão mais comprometidas com a sociedade ou não irão sobreviver em um mercado competitivo. Para que os acionistas e executivos façam as suas empresas mais responsáveis, nós, da sociedade civil, devemos fazer a nossa parte aprendendo a dizer não.
Henrique Cortez é ambientalista e coordenador de Programas Socioambientais da OSCIP Câmara de Cultura. (artigo originalmente publicado no portal “Cidadania na Internet” – www.cidadania.org.br)
Também nessa Edição :
Perfil: Anita Roddick
Entrevista: Rita Ippolito
Notícia: O que deu na mídia (Edição 22)
Notícia: Lição aprendida
Notícia: PTB entra com ação no STF contra Estatuto do Desarmamento
Notícia: Está na moda consumir consciente
Leave a Reply