Por Victor Gomes Pinto
Os tempos mudaram: não há mais guerra fria e os inimigos da Rússia encontram-se hoje mais no front interno do que no externo. A economia não flui e até mesmo a emissão de poluentes, uma característica típica de sociedades industriais, caiu a níveis bem inferiores aos constatados em 1990, ano escolhido pela ONU como referência para monitorar as mudanças climáticas. Hoje os russos querem ser aliados dos Estados Unidos e fazem de tudo para não desagradá-los. O resultado é o boicote ao Protocolo de Kyoto, para decepção dos ecologistas e de todos quantos temem pela sorte da própria humanidade face ao aquecimento global provocado por níveis insustentáveis de emissão de dióxido de carbono (CO2) e de outros gases de efeito estufa.
No momento 111 países ratificaram o Protocolo de Kyoto, atingindo o limite de 44,2% das emissões de CO2 dos países industrializados. Não é o suficiente: para entrar em vigência, é preciso que o patamar de 55% seja alcançado. Os EUA, responsáveis por 36,1% do efeito poluidor, declararam que não ratificarão o acordo. O plano alternativo apresentado pela administração Bush não estabelece cotas de redução e coloca a decisão como uma opção livre para quem polui. Analistas afirmam que ao invés de reduzir os níveis de lançamento de dióxido de carbono, este plano resultará no seu aumento, como vem ocorrendo nos últimos anos, fruto da expansão econômica norte-americana.
Do pequeno grupo de países que continua negando a ratificação – Ucrânia, Quirguistão, Croácia, Israel,Indonésia, Egito, Austrália e Rússia -, apenas esta última tem relevância. Na prática a vida ou a morte do Protocolo está nas mãos dos russos, que respondem por 17,4% do total de emissões de CO2 para a atmosfera (a Austrália emite 2,1%).
O presidente Vladimir Putin e o 1º Ministro Mikhail Kasnayov declararam, em setembro do ano passado em Johanesburgo, durante a Rio +10, que o país estava para assinar o protocolo, fazendo com que um sorriso se abrisse no rosto de europeus e de todos os que apóiam o controle dos gases. Mas, depois, nada aconteceu e a possibilidade de que a Rússia o faça parece cada vez mais longínqua. Com um cinismo assustador o Ministro do Desenvolvimento Econômico e Comércio Mukhamed Tsikanov comentou: \”não temos mais o estímulo econômico.
Moscou esperava obter bilhões de dólares vendendo \”direitos de poluir\” pelo mecanismo de comercialização de quotas estabelecido pelo Protocolo, mas desde que os EUA, o maior comprador potencial, se foi, perdemos nosso mercado\”. Por seu turno Alexander Bedritsky, chefe do Centro de Hidrometereologia russo, embora confirmando que o governo não encontrou no protocolo qualquer restrição às atividades industriais internas, declarou não estar seguro se algum dia a Rússia ratificará Kyoto, completando com desastradas declarações que poderiam ter sido dadas por um executivo norte-americano: \”para o clima não importa que plano usaremos para reduzir emissões, pois ele é afetado pelo lançamento de CO2 na atmosfera e não pela assinatura de documentos, não importa o quão importante sejam\”.
A União Européia tem procurado pressionar. Em março enviou a Moscou nada menos que a Comissária de Meio Ambiente, a sueca Margot Wallström, junto com os ministros do meio ambiente da Grécia e da Itália. Uma vez lá chegando, colocaram as cartas na mesa: \”o Protocolo de Kyoto é bom para a Rússia e, mais do que isto, é bom para o mundo. Ratificando-o, atravessará a fina linha que a separa dos aplausos da humanidade, além de criar um importante canal de cooperação tecnológica, obtendo vantagens econômicas pela venda de certificados de emissão.\”
Na prática, contudo, os interesses são, digamos, mais realistas. Na última semana de junho pela primeira vez nos últimos 125 anos um chefe de estado russo visitou a Inglaterra. Putin ouviu, pela manhã, a referência explícita de Tony Blair à necessidade de firmar o compromisso de Kyoto mas, à tarde, negociou a venda de metade dos direitos da 4a. maior empresa petrolífera russa, a Tyumen ou TNK, para a British Petroleum, o que coloca o Reino Unido na condição de maior investidor estrangeiro no seu país e permite à BP ultrapassar competidores tradicionais como a Texaco, a Elf e a Shell/Royal Dutch.
Agora, perde apenas, em termos de capacidade de produção, para a poderosa Exxon que é norte-americana e para quatro gigantes do ramo: a Saudi Aramco da Arábia Saudita, a iraniana NIOC, a PEMEX mexicana e a PDV da Venezuela. O acordo é considerado um desastre a mais para o meio ambiente e o porta-voz da ONG Amigos da Terra, Bryony Worthington, enfrentou Tony Blair ao afirmar que \”sem Kyoto em ação não deveria haver negócio entre o Reino Unido e a Rússia\”. No dia seguinte Putin e sua esposa saíram em um tour pela Escócia e jantaram com a rainha Elizabeth II. A aliança BP&TNK segue em frente, de vento em popa.
A Agência Internacional de Energia em suas Perspectivas 2002 para a Energia Mundial estima que, na base do ritmo atual de expansão das emissões de CO2 que é de 1,8% ao ano, até 2012 teremos 70% a mais e não 5,2% a menos como prevê o texto de Kyoto. O globo cada vez mais ficará na dependência de poucos produtores de combustíveis fósseis, vários deles situados em áreas de instabilidade política (Oriente Médio).
O relatório elogia o esforço da China que só no período 1997-2001 reduziu em 17% suas emissões de dióxido de carbono (corte de subsídios e fechamento de 25 mil minas de carvão) ao tempo em que sua economia cresceu em 36%, fatos que desmentem a costumeira relação de causa e efeito entre expansão econômica e efeito poluidor e também as acusações dos EUA que lançador de gases CO2 na atmosfera.
Existem alternativas para o boicote? Uma das vozes mais ouvidas neste campo é a de David Victor, autor do livro \”Colapso do Protocolo de Kyoto\” (Princeton University Press), que apresenta três caminhos: remover o estabelecimento das metas aos países não interessados em controlar o carbono, como Rússia e Ucrânia, estabelecendo compromissos só para os demais; estabelecer multas para emissão adicional de CO2 ao invés de prêmios como no atual modelo; focar na emissão de CO2 de combustíveis fósseis, o que é mais fácil de monitorar e ataca a causa principal do problema, deixando de lado o metano e outros gases. Ainda que tais reformas sejam nada mais que tentativas de manter a base de Kyoto respirando, podem significar a diferença para o sucesso futuro dos esforços de contenção dos efeitos danosos dos gases de efeito estufa. Afinal, administrações como as de Putin e de Bush não devem durar a vida toda.
Victor Gomes Pinto é escritor, Doutor em Saúde Pública, e Coordenador de Saúde do Departamento Nacional do Sesi. E-mail: vitor.gp@persocom.com.br
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