O Brasil se encontra no melhor momento para quem busca emprego, mas essa melhora no mercado de trabalho não teve impacto significativo na qualificação dos profissionais. A avaliação é de Ilan Ryfer, presidente do Instituto GMK, que desenvolve, há duas décadas, atividades voltadas para qualificação profissional de jovens de menor renda. Na entrevista, o economista formado pela Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro e com MBA em Finanças pela Wharton Business School (EUA), avalia o mercado de trabalho no País e detalha as principais ações do instituto.
Atualmente, o IGMK atende 1,5 mil jovens por ano em seis centros de formação: quatro em São Paulo, um em Niterói (RJ) e um em Natal (RN). Nesses 20 anos, foram quase 15 mil alunos formados, com uma inserção média de 65%, dos formados em São Paulo, no mercado de trabalho.
“Temos um trabalho intenso e constante de melhoria em várias áreas. A principal é a acadêmica, na qual estamos constantemente revendo nossas apostilas e trazendo palestrantes com novidades do mercado de trabalho”, destaca na entrevista exclusiva ao Responsabilidade Social.com. Ryfer é gestor de investimentos da Duo Partners, possui as certificações CFA, FRM e CAIA. Já desempenhou essa atividade nos Bancos Opportunity e Pactual, além do Sagitta Asset e do JGP Asset. Ex-professor de Finanças do IBMEC-RJ, ele foi sócio da Hedging Griffo, de 2003 a 2010. Leia a entrevista na íntegra:
Responsabilidade Social – O Instituto GMK atua há duas décadas em prol da qualificação profissional de jovens de baixa renda. Num País que registra o maior número de empregabilidade – o número de semanas em busca de uma nova colocação caiu de 17,8 em 2003 para 12,4 em 2012 -, qual o principal desafio para os jovens quando o assunto é mercado de trabalho?
Ilan Ryfer – O Brasil se encontra no melhor momento para quem busca emprego. Nunca tivemos uma taxa de desemprego tão baixa, próxima de 6% na medida do IBGE [Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística], vindo de 12% no período de 2001 a 2003. Isso teve reflexos tanto na formalização do emprego, quanto na elevação dos salários. Por outro lado, preocupa pelo seu impacto na inflação. Em alguns setores ficou difícil encontrar profissionais, como na construção civil.
Entretanto, essa melhora no mercado de trabalho não teve impacto significativo na qualificação dos profissionais, pois essa é uma questão de base, que demora anos para ser resolvida. Educação e qualificação profissional são fundamentais, não somente para a colocação inicial do indivíduo no mercado de trabalho, mas também para a promoção na carreira escolhida.
O grande desafio é se preparar bem para aproveitar o bom momento do mercado e avançar rapidamente na carreira. Um maior nível de capacitação também é fundamental para evitar maus momentos, caso o mercado de trabalho tenha uma piora. Não podemos nunca esquecer que a economia é cíclica.
RS – Pesquisa recente do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea) mostrou que as vagas de emprego criadas para trabalhadores jovens (de 15 a 24 anos de idade) são de alta rotatividade – não por escolha dos profissionais e sim por imposição do mercado para reduzir os custos trabalhistas. Na sua avaliação, quais as principais consequências desse modelo para economia do País?
IR – A alta rotatividade de mão de obra tem uma série de consequências negativas, tanto para empregadores quanto para empregados. Primeiramente, impede que empregados sejam devidamente treinados e que os melhores possam ser identificados para ascensão dentro da empresa. O não treinamento correto aumenta o risco de um atendimento ruim. A alta rotatividade também traz riscos à segurança empresarial, na medida em que mais pessoas desconhecidas irão trabalhar na empresa.
O maior custo da alta rotatividade vem do RH, que tem de ser ampliado para constantemente trazer novos funcionários e treiná-los, ainda que de forma superficial. Em longo prazo, acredito que a economia gerada pela alta rotatividade seja marcada pelo aumento de gastos com RH, segurança e mau atendimento.
É importante salientar que a alta rotatividade de mão de obra não é unicamente gerada por empregadores. Os jovens atualmente têm, em média, outro tipo de atitude frente ao emprego. Primeiramente, está acabando a cultura de um único emprego para a vida toda e a fidelidade à empresa. Ao longo da vida, uma pessoa terá de três a seis empregos em média. Outra questão é a busca única e exclusiva por salários mais altos. Certamente, salário é um componente importante na escolha do emprego, porém não é o único. Qualidade de vida, possibilidade de ascensão na empresa, treinamento e aprendizado são também valores que devemos buscar num emprego, mas que, geralmente, só vêm com tempo de trabalho numa mesma empresa.
RS – A taxa de desemprego nas seis regiões metropolitanas pesquisadas pelo IBGE ficou em 6% em junho, após registrar 5,8% no mês anterior, segundo indica a Pesquisa Mensal de Emprego. Para o senhor, o dado é mais um sinal ruim da economia nacional ou não há, ainda, motivo para alarme, pois trata-se de um desempenho sazonal?
IR – A última década foi muito boa para o Brasil, com o aumento expressivo da venda de alimentos e matéria-prima para a China, que crescia de forma explosiva. Boa parte da população no Brasil, que se encontrava à margem da economia, foi inserida no mercado de consumo. Com isso, crédito e consumo cresceram significativamente e, consequentemente, o emprego no Brasil.
Independente do número, a taxa de desemprego ainda se encontra próxima do mínimo histórico. Entretanto, é de esperar certo aumento dessa taxa, o que, paradoxalmente, é benéfico para a economia. O desemprego baixo gerou pressões de salário e impactos negativos na inflação. Com a desaceleração da China, os problemas na Europa, a retração do crédito no Brasil, é de se esperar que o consumo continue a crescer de forma modesta, gerando um leve aumento do desemprego. Isso, por outro lado, reduz as pressões inflacionárias. Nesse cenário, sempre se destacarão os empregados com melhor nível de educação e capacitação técnica.
RS – Além da oferta de cursos profissionalizantes, o instituto GMK desenvolve outras iniciativas em prol da capacitação profissional de jovens? Vocês possuem, por exemplo, assento em algum comitê que discuta políticas públicas para esse tema?
IR – O Instituto GMK tem como único objetivo, atualmente, a capacitação e qualificação profissional de jovens de famílias carentes. Recentemente, montamos um curso de formação de professores, pois entendemos ser fundamental a formação desse tipo de profissional para nossos cursos de capacitação. Entretanto, não temos nenhum vínculo com o setor público, nem sob a forma de repasses financeiros, nem participando ativamente de discussões com o governo. Todo nosso financiamento vem do setor privado.
Conhecemos várias ONGs que têm esse objetivo, o de mudar as políticas públicas na área de educação, e que têm obtido grande êxito nesse papel. Preferimos continuar com foco no que fazemos há 20 anos: formar jovens para o mercado de trabalho.
RS – Quais os cursos oferecidos atualmente pelo instituto e quantas pessoas são contempladas pelas oficinas?
IR – Atualmente, atendemos 1.500 jovens por ano em seis centros de formação: quatro em São Paulo, um em Niterói e um em Natal. Cada turma tem de 30 a 35 alunos, que podem escolher cursos nas seguintes áreas: auxiliar administrativo, hotelaria, atendente de cinema, bartender, garçom, turismo e hospitalidade, TI – tecnologia de informação em montagem de redes, construção civil, manutenção de computadores e auxiliar de cozinha. Ao longo de nossos 20 anos, já criamos vários cursos a pedidos de empresas, mas que infelizmente foram descontinuados por falta de recursos financeiros.
RS – Já são 20 anos realizando esse trabalho. Como o senhor avalia a atuação do instituto? Quais os principais resultados que podem ser apresentados?
IR – Temos muito orgulho das realizações do instituto, mas gostamos sempre de olhar para frente e ver aonde queremos chegar, ao invés de onde estivemos. Nesses 20 anos, foram quase 15.000 alunos formados. Em média, colocamos 65% dos nossos formados em São Paulo no mercado de trabalho logo após a conclusão do curso. Em Natal, esse percentual é de 100%. Ampliamos gradualmente o número de atendidos, começando com a primeira turma de 12 alunos, para as quase 30 turmas por semestre e 1.500 alunos por ano. Ampliamos o número de cursos oferecidos, bem como o escopo geográfico, indo para Niterói e Natal.
RS – Como evoluiu o trabalho do IGMK ao longo desse período?
IR – Temos um trabalho intenso e constante de melhoria em várias áreas. A principal é a acadêmica, na qual estamos constantemente revendo nossas apostilas e trazendo palestrantes com novidades do mercado de trabalho. Outra área de evolução é o contato com empresas, fundamental desde o financiamento de cursos, passando pelo desenvolvimento de novos cursos, e finalmente na contratação dos jovens.
Acho que uma das principais características do Instituto GMK é que estamos sempre abertos a novas tentativas. Queremos sempre evoluir, criar novos cursos, incluir novos materiais didáticos. E sabemos que isso inclui errar e acertar. Um exemplo disso é o curso de TI que desenvolvemos em 2012 em parceria com o IBTA. Inicialmente, eram duas versões: TI – Redes e TI – Programação. Infelizmente, a turma de TI – Programação não deu certo, pois os jovens não conseguiram em seis meses atingir as metas de aprendizado. Apesar disso, foram os primeiros contratados, pois tinham conhecimentos de informática mais avançados que os demais alunos. Entretanto, a turma de TI – Redes foi um sucesso e no semestre seguinte descontinuamos o curso de Programação e duplicamos o de Redes.
RS – O percentual de inserção no mercado dos jovens que participam dos cursos do instituto alcança, em média, 65%? Em sua opinião, é um resultado satisfatório? Por quê?
IR – Em São Paulo, estamos com 65%, que é a média dos cursos de capacitação profissional. Queremos melhorar? Lógico! E é por isso que temos uma profissional integralmente dedicada à área de contratação. Em Natal, temos 100% de inserção. Adoraríamos melhorar, mas acho que não dá.
RS – Quais as metas do Instituto GMK para a próxima década?
IR – Não sei se consigo ir tão à frente, mas temos um planejamento para os próximos três anos. Entre essas metas, está a duplicação do número de atendidos, de 1.500 para 3.000 alunos por ano. Queremos também ter uma ou duas parcerias com ONGs do Rio de Janeiro para espaço de aulas na cidade. Estamos procurando um local para ter uma sede acadêmica própria. Atualmente, temos somente uma sede administrativa e utilizamos o espaço de sala de aula das ONGs parceiras. Queremos manter essas parcerias e até ampliá-las, mas entendemos que temos de ter um espaço de aulas do Instituto em São Paulo para podermos testar todos os nossos novos cursos num ambiente mais controlado.
Se eu pudesse estender para 10 anos, diria que nossa meta é atender 10.000 alunos divididos entre São Paulo, Rio de Janeiro, Natal e em pelo menos mais duas capitais do Nordeste, onde a carência desse tipo de curso é muito maior.
RS – Para o senhor, o Brasil constrói atualmente um caminho que garantirá mais emprego e qualificação profissional para jovens? Quais deverão ser as prioridades do País nesse setor nos próximos anos?
IR – Pelo que notamos em São Paulo, o setor público já entendeu, pelo menos parcialmente, que não se constrói uma nação sem educação. E a forma mais rápida de ensino para o mercado de trabalho são os cursos técnicos e profissionalizantes. Tanto instituições privadas quanto o setor público têm oferecido cada vez mais opções e vagas em cursos técnicos e profissionalizantes.
Apesar de para nós isso gerar mais “concorrência”, vemos com muito bons olhos essa evolução do setor público. Afinal, ONGs são criadas para suprir uma carência social não atendida pelo setor público. Quando essa carência é finalmente atendida, a ONG deveria ser extinta. Costumo brincar que toda ONG nasce com o objetivo de não ser mais necessária. Infelizmente – ou felizmente, pois adoro meu trabalho na ONG – ainda somos necessários, mas cada vez menos, pelo menos em São Paulo.
RS – Qual o seu entendimento do conceito ‘responsabilidade social’?
IR – Para mim é muito simples: não prejudicar ninguém em benefício próprio e, se possível, ajudar o próximo em benefício próprio. Afinal de contas, quase todo altruísmo é egoísta. Só fazemos o bem, pois isso nos faz bem, mesmo que a um nível puramente espiritual. Minha remuneração do Instituto GMK é única e exclusivamente o prazer de fazer o bem, mas se não tivesse esse retorno “espiritual”, provavelmente não seria presidente do instituto.
Atualmente, existem os empreendedores sociais, aqueles que buscam o lucro com uma atividade que gera benefícios para a sociedade. Isso prova que podemos sim pensar em uma nova forma de capitalismo, que junte o terceiro setor com a atividade empresarial.
Instituto GMK – Telefone: (11) 3831-729
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