
Ana Rosa Soares
Você já ouviu falar em ODMs? A expressão ODMs (Objetivos de Desenvolvimento do Milênio) surgiu durante a reunião da Cúpula do Milênio, realizada em Nova Iorque, em 2000, quando líderes de 191 nações oficializaram um pacto para tornar o mundo mais solidário e mais justo até 2015. O sucesso desse grande projeto humanitário prevê a realização de 8 metas:
- Erradicar a extrema pobreza e a fome;
- Educação básica de qualidade para todos;
- Promover a igualdade entre os sexos e a autonomia das mulheres;
- Reduzir a mortalidade infantil;
- Melhorar a saúde das gestantes;
- Combater o HIV/ AIDS, a malária e outras doenças;
- Garantir a sustentabilidade ambiental;
- Estabelecer parcerias para o desenvolvimento.
Ana Rosa Soares, Oficial de Avaliação e Monitoramento e Ponto Focal de Objetivos de Desenvolvimento do Milênio do Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (PNUD), fala ao www.RESPONSABILIDADESOCIAL.COM sobre os desafios do Brasil para alcançar as metas dos Objetivos de Desenvolvimento do Milênio (ODMs).
1) Responsabilidade Social – Desde 2004 o Brasil trabalha para alcançar as metas estabelecidas pela Organização das Nações Unidas (ONU) – os oito Objetivos do Desenvolvimento do Milênio (ODM). Qual o balanço que podemos fazer da atuação do Brasil até aqui?
Ana Rosa Soares – O país tem registrado progressos importantes no cumprimento dos ODM. O desafio agora é atingir as diferentes metas em todas as regiões do país e pelos diferentes grupos sociais. O Brasil já alcançou a meta estabelecida pela ONU de reduzir pela metade a pobreza. E assumiu o compromisso mais ambicioso de reduzir a um quarto a pobreza extrema. Do mesmo modo, ao invés de reduzir à metade a proporção da população que sofre de fome, o país se comprometeu a eliminar a fome até 2015. Também estamos prestes a universalizar o acesso ao ensino fundamental. As desigualdades de renda no país vêm diminuindo, assim como as desigualdades de gênero e raça, principalmente no que diz respeito ao acesso à escola. Mas ainda temos grandes desafios no que se refere à qualidade da educação e à participação igualitária da mulher e das diferentes etnias na esfera política e no mercado de trabalho. A violência contra a mulher também ainda é um sério problema.
A taxa de mortalidade na infância e a mortalidade materna vêm apresentando uma redução. A infecção pelo HIV parece permanecer estável e a taxa de mortalidade por AIDS também segue tendência de queda.
O desmatamento da Amazônia diminuiu, mas, apesar das muitas tecnologias desenvolvidas, a degradação do meio ambiente ainda segue em ritmo preocupante. Algumas melhorias das condições de vida urbana e de saneamento básico também foram registradas, mas os problemas ainda são bastante marcantes e essa é das metas mais complexas de atingirmos até 2015. O governo tem se mostrado comprometido, assim como o setor privado e o terceiro setor, mas ainda devemos continuar incentivando o comprometimento de todos e a divisão dessa responsabilidade para alcançarmos todos os objetivos até 2015 ou o quanto antes. Mas alcançá-los de uma maneira verdadeiramente abrangente é importante. Acredita-se que o Brasil possivelmente na média alcançará boa parte das metas. Mas a média não é suficiente, não basta. Se desagregarmos os dados, veremos que no ritmo em que estamos, muitas pessoas no Brasil e no mundo não sentirão ao longo de toda a vida o impacto das metas alcançadas.
É necessário ainda focar na necessidade de traçar estratégias realmente sustentáveis. E garantir que todos os benefícios alcancem principalmente as populações menos privilegiadas.
2) RS – Em que medida os ODM contribuem para a alteração efetiva de políticas públicas e a melhora da situação social no Brasil?
ARS – Os Objetivos de Desenvolvimento do Milênio constituem o esforço mais expressivo da comunidade internacional em incentivar que metas sejam cumpridas e indicadores medidos, ajudando a nortear políticas públicas. Os ODMs buscam chamar atenção dos países para a necessidade de monitorar onde se encontram em relação às metas para poderem planejar mais adequadamente. Isso influencia de maneira muito positiva a criação e alteração de políticas públicas. A plataforma dos ODM tem sido importante para incentivar o monitoramento e mostrar o caminho que nos resta a percorrer, os desafios à frente para proporcionar uma vida mais digna aos cidadãos. Ainda é preciso investimento sério e trabalho continuado, mas é indispensável destacar o esforço que tem sido feito e o trabalho continuado para adaptar políticas públicas e ações. Ter metas, indicadores e padrões ajuda a planejar mais adequadamente com foco em reais mudanças sociais sustentáveis. E o fato de ser uma plataforma internacionalmente comparável entre os países, incentiva governantes a planejarem de acordo, a prestarem contas dos esforços feitos em direção à melhoria de vida da população através de políticas públicas e programas sociais.
3) RS – Até que ponto, num país de grandes dimensões como o Brasil, o “trabalho de formiguinha” da sociedade civil pode resultar em avanços significativos nos ODM?
ARS – É indispensável destacar o esforço que tem sido feito para o alcance dos ODMs e o acompanhamento das metas. E num país com as dimensões do Brasil, é justamente o trabalho de formiguinha que é capaz de fomentar a capilaridade necessária para que as metas sejam trabalhadas nos lugares necessários e que a atenção adequada seja dada a elas de acordo com cada realidade vista de perto.
O que gostaríamos de incentivar cada vez mais são mecanismos de monitoramento e mensuração dos esforços da sociedade civil de forma coordenada e consolidada. O governo busca monitorar suas ações e indicadores gerais e, por vezes, acaba tomando crédito de alguns sucessos promovidos por conta da atuação da sociedade civil. Seria importante poder mensurar melhor e valorizar também esse esforço da sociedade civil.
Algumas empresas vêm discutindo a viabilidade de criar observatórios de ODMs para as ações da sociedade civil. A sociedade civil buscando monitorar e promover mudanças sociais, acompanhando a evolução das ações comprometidas através de indicadores específicos para ações específicas, de atores específicos. O Prêmio ODM Brasil, iniciativa pioneira no mundo, busca incentivar e valorizar ações, programas e projetos que contribuem efetivamente para o cumprimento dos ODMs. Prefeituras locais podem ser premiadas, mas organizações da sociedade civil e entidades empresariais também podem, buscando mostrar que esse trabalho de formiguinha deve ser promovido porque ele pode ir longe e ganhar uma dimensão bastante grande. Serve não só ao Brasil, mas ao mundo como exemplo de boas práticas, algumas de grande impacto.
4) RS – As empresas têm contribuído de forma efetiva para os ODM ou a atuação delas nessa área ainda é tímida?
ARS – A participação de todos pode e deve ser reforçada. Chegamos esse ano à metade do prazo de 15 anos estabelecido pela ONU para o alcance das metas, mas não estamos na metade do caminho. O setor privado e o terceiro setor têm mostrado comprometimento. Mais e mais empresas vêm inclusive adotando a plataforma dos ODMs como medida coorporativa e apresentado balanços sociais de suas ações continuadas. Mas ainda devemos continuar incentivando o comprometimento de todos e a divisão da responsabilidade de alcançarmos todos os objetivos até 2015 ou o quanto antes.
É principalmente importante que mais empresas se envolvam seriamente no desenvolvimento e implementação de estratégias direcionadas aos grupos de pessoas e regiões que estão tendo mais dificuldades de alcançar as metas. Todos os agentes envolvidos nesse desafio podem aumentar a sua participação, fazer mais para ajudar no objetivo geral de desenvolvimento de maneira estratégica e articulada, para que o impacto seja o esperado e atinja o maior número de pessoas possível.
5) RS – Qual a sua visão sobre Responsabilidade Social?
ARS – As Nações Unidas através do Pacto Global incentivam a responsabilidade social corporativa buscando unir governos, empresários, agências da ONU e ONGs pela idéia compartilhada de que práticas empresariais baseadas em valores universais geram ganhos econômicos e sociais. As práticas empresariais são importantes para o melhoramento das condições humanas e da sustentabilidade ambiental. O setor privado é fonte importante de geração de emprego e renda, investimentos, inovação e novas tecnologias, fatores indispensáveis no combate à pobreza. É também do interesse do setor privado não apenas não ser parte do problema, mas da solução.
Valores de responsabilidade social ajudam na criação e promoção de um ambiente estável e propício para a própria empresa, aumentam a oferta de mão-de-obra competente, o poder de consumo, a atração de investimentos, ajudam na abertura de novos mercados, podem promover um sistema comercial e financeiro aberto e não-discriminatório, incentivar a inovação e estimular a competitividade, ajudando a diminuir custos e riscos causados por problemas gerais e também ambientais, de saúde, falta de segurança, etc.
6) RS – Como se articulam o cumprimento dos ODM ao desenvolvimento econômico?
ARS – Não existe desenvolvimento social sustentado sem desenvolvimento econômico sustentável e a devida atenção para a diminuição das desigualdades sócio-econômicas e o respeito aos direitos humanos. Basicamente, as metas do milênio buscam fortalecer essa conexão. Quando se tem por objetivo retirar uma parcela significativa da população da extrema pobreza, isto tem um impacto forte na economia. A lógica é: dando condições para que a população mais carente possa consumir, renda é gerada. Renda essa que, em alguns municípios mais pobres do país, representa um grande avanço de consumo. Essa renda faz com que novos negócios sejam criados e a produção seja incrementada. Mais renda e produção acabam por demandar mais mão-de-obra, o que faz com que haja um aumento do emprego, menos população carente e menos demanda por ajuda do governo. Com isso, volta-se ao início do ciclo.
A criação de empregos, o investimento em educação, a qualificação das pessoas e a responsabilidade com a questão de um desenvolvimento sustentável são fatores indispensáveis para que o crescimento e desenvolvimento econômico de um país aconteçam de uma maneira saudável, sustentada e responsável.
7) RS – Em que setores a senhora acha que os esforços do Brasil para atingir os ODM podem ser considerados exemplares? Por quê?
ARS – Os programas de combate à extrema pobreza e geração de renda do Brasil têm sido considerados exemplos interessantes, agora buscando um passo adicional em direção a uma melhor focalização dos programas e adaptação a situações diferenciadas de pobreza. Programas de combate ao HIV/AIDS no Brasil também se tornaram internacionalmente reconhecidos. Assim como os programas de biocombustível e sustentabilidade ambiental, de conservação da biodiversidade e recursos naturais. Podemos também destacar o protagonismo do Brasil na Cooperação Sul-Sul e seu empenho nos fóruns comerciais e financeiros mundiais, estabelecendo alianças globais inovadoras para o desenvolvimento, no espírito do oitavo Objetivo do Milênio.
8) RS – Quais as metas que são de mais difícil cumprimento?
ARS – Os principais desafios para o Brasil pontualmente dizem respeito à coleta e ao tratamento de esgoto e à redução do número de moradores em assentamentos precários. Metas complexas também são as ligadas à igualdade de gênero e valorização das mulheres. Sabemos que a situação das mulheres melhorou em alguns aspectos no Brasil e no mundo; mas ainda é complexa a situação das mulheres, principalmente na esfera política e no mercado de trabalho. A questão da qualidade do ensino também é um desafio para os próximos anos, assim como a sustentabilidade de todas as ações. Todas as metas têm suas complexidades, ainda mais se pensarmos nas dimensões e características históricas do país. Mas todas são alcançáveis com planejamento e compromisso de todos. Acima de tudo, o desafio maior será transformar os ODMs em uma realidade para cada cidadão desse país, indo além das médias no cumprimento dos ODMs.
09) RS – Está em curso a segunda edição do Prêmio ODM Brasil, uma iniciativa pioneira no mundo que visa incentivar ações, programas e projetos que contribuem efetivamente para o cumprimento dos ODM. Na primeira edição realizada em 2005, foram 920 projetos inscritos e 27 premiados. Qual a expectativa para essa edição?
ARS – Temos a expectativa de aumentar bastante o número de inscrições na segunda edição do Prêmio ODM Brasil 2007. Queremos pelo menos dobrar o número atual e para isso estamos fazendo lançamentos estaduais durante todo o mês de outubro. Assim, esse veículo de divulgação de boas práticas, que é o Prêmio ODM Brasil, levará ao conhecimento de todos mais experiências exitosas que se realizam em todos os recantos desse país. As prefeituras desenvolvem trabalhos e projetos sobre a maioria dos oito Objetivos. Muitas empresas, muitas universidades, muitas ONGs têm iniciativas que fazem referência aos oito objetivos também e muitas nem têm consciência de como podem estar contribuindo ou vir a contribuir para uma plataforma de melhoria mundial. Bons exemplos devem ser divulgados, tanto para se saber como as instituições colaboram para um Brasil melhor, como para chamar a atenção para possíveis caminhos e soluções que podem servir de inspiração até para outros países. Essa agenda internacional social dos ODMs pode beneficiar a muitos países pela rica troca de experiências e pelo fortalecimento dos laços dos povos do mundo.
Site: www.odmbrasil.org.br
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