
Ensinar às crianças sobre o respeito às diferenças de maneira leve e divertida. Essa é a proposta do livro infantil “Verdinelo e seus amigos”, da educadora Tamires Romano. A obra tem como objetivo mostrar para garotada que fazer amigos é muito bom, independente da cultura, etnia, classe social ou região onde mora. A obra narra a história de Verdinelo, um chinelo verde com fivelas grossas e solado resistente, que faz uma grande viagem e conhece todo tipo de calçado. O conto começa quando o seu dono, Nigu, o empresta para a prima, Keiko, durante um encontro familiar em São Paulo. Porém, ela retorna para cidade onde vive, no sul do país, e esquece de devolver. Então, uma aventura com muitas novas amizades e grande aprendizado se inicia.
Confira a entrevista exclusiva que o Responsabilidade Social.com realizou com a autora:
Responsabilidade Social – Qual foi a intenção inicial de escrever um livro infantil que aborde o respeito e a tolerância?
Tamires Romano – Na verdade o conto foi inspirado em uma história verídica: durante um encontro em família, meu irmão realmente estava com um chinelo verde que foi emprestado para sua amiga de Curitiba. Ela esqueceu de devolvê-lo e foi com ele pro Paraná e, como o dono do chinelo era um carioca todo extrovertido, eu imaginei um chinelo fazendo amizade com vários tipos de calçados e aproveitei a situação e para escrever sobre isso e fazer um livro.
RS – A cultura, etnia, classe social e religião são fatores que afetam a aprendizagem de grupos hegemônicos de alunos?
TR – Sim, acredito que sim. Primeiro porque as crianças tem, em geral, a visão que os pais tem de uma determinada situação. Logo, se ela nasce em uma família evangélica ela vai ter essa mesma visão de mundo e crenças que os pais estão passando pra ela. Eu inclusive passei por uma situação dessas em sala de aula quando fiz estágio: pra deixar o dever mais divertido, a professora fez uma atividade contando a historia da Iara, mãe das águas, e no dia seguinte uma aluna voltou dizendo que contou a história em casa e a mãe disse que a Iara era “do demônio”. Conversamos com ela explicando sobre o que era o folclore e as lendas, mas cada um ensina para o filho o que acha melhor e o que está dentro de sua própria cultura. Não podemos julgar, mas é complicado quando uma criança diz coisas assim em voz alta e todas as outras se assuntam. Sem dúvida a cultura, a etnia, classe social e religião podem influenciar a aprendizagem e o convívio em sala de aula, mas a maioria dos pais acaba demonstrando o que acreditam mesmo sem querer, gerando preconceitos mais para as outras crianças, porque criança é um ser puro que faz amizade de qualquer jeito e em qualquer lugar, com mendigo, na rua, e a gente põe nosso preconceito nela, afetando dentro e fora da sala de aula.
RS – Na sua opinião, quando existem, a discriminação e o preconceito são ensinados em sala de aula ou vem de casa?
TR – Na verdade, para as crianças, tudo que seja diferente do que elas vivem causa estranhamento. No meu livro mesmo tem uma hora que a personagem está esperando o ônibus naqueles túneis da parada, e algumas crianças não convivem nem interagem com essa situação porque andam no carro dos pais, e aí a maioria não sabia o que era o túnel da espera, porque não faz parte da rotina delas. Ou seja, qualquer coisa, situação e pessoa que fuja dessa rotina causa uma certa estranheza. O filho do meu namorado, por exemplo, aponta quando vê gente em cadeira de rodas, mesmo quando falamos que é feio e falta de educação, que pode ter acontecido um acidente, e isso tem que ser trabalhado muitas e muitas vezes até entrar na cabeça da criança que isso é algo normal e não precisamos tratar ninguém de maneira diferente. Educação é isso: falar milhões de vezes até ir entrando na cabeça das crianças, até que ela se acostume. O mesmo acontece com ter colegas gordinhos ou com óculos, porque eles também sofrem preconceito e bullying por caracterizarem aquilo que é diferente, e os que se consideram “normais” não estão acostumados com coisas que para nós são comuns… Então acredito que qualquer coisa diferente cause estranheza, mas isso é algo que vem muito dos pais, se trabalhássemos para que desde pequenos eles fizessem trabalhos voluntários em instituições, o diferente acabaria sendo visto como algo normal bem mais cedo para as crianças, e ela cresceria livre de preconceitos, sabendo que existem diversos tipos de pessoas e respeitando as diferenças.
RS – Quais são as principais metas e desafios para a educação no Brasil?
TR – O problema é que existe um hiatos muito grande entre a teoria e a prática. O ensino da Matemática, por exemplo, nós achamos chato porque não vê utilidade naquilo para nossa vida mas usamos sim, sem perceber. O desafio é a maneira como você ensina algumas matérias: ensinar com jogos, ensinar de forma mais dinâmica e divertida, passar coisas legais para crianças, não só falar devagar, usando o quadro enquanto os alunos anotam, deixando a aula um tédio. É por isso que as crianças falam que a matéria preferida é Educação Física, como se ela fosse a parte legal e a sala de aula fosse chato. Existe um preconceito até com o ato de estudar. Com certeza aprender brincando é o melhor jeito, mais leve e divertido pra falar de cosias serias, como meu livro que, ao meu ver, não é infantil porque o tema deve ser discutido com todo mundo (adultos, idosos, adolescentes…) e só possui um formato infantil por conta da fábula. E, além disso, o desafio é conseguir trazer a teoria das matérias que ensinamos para a prática, pra vida das crianças. Estaríamos despertando um maior interesse em estudar se ela enxergasse que aquilo é realmente importante e útil. Uma série de matérias poderiam ter coisas mais práticas, passeios, jogos e ensinar de um jeito completamente diferente, saindo do comum, da sala de aula. O ensino no Brasil ainda é muito engessado. Algumas escolas tem projetos legais e conseguem sair um pouco do tradicional mas temos muito caminho pela frente pra conseguir tornar a educação no Brasil um pouco melhor.
RS – Como você avalia a educação brasileira e o acesso a oportunidades?
TR – Antigamente as escolas públicas eram uma referência e colocar um filho em escola particular era uma situação incomum, pois mesmo na pública eles tinham acesso a educação de qualidade e poderiam ir pra faculdade. Entretanto, hoje vivemos em outra realidade e acredito que existem muitos professores que ensinam nesse método tradicional, não se atualizam e pararam no tempo por conta da desmotivação. Além disso, é óbvio que a remuneração é péssima pelo tipo de trabalho que temos que desenvolver. Professor não só dá aula, nós planejamos, corrigimos exercícios e provas, o que acaba sendo um trabalho que se estende para casa. Investimos muito, sempre nos atualizando e estando preparados, para depois passar em um concurso público e ganhar pouquíssimo, mesmo sendo sem dúvida uma das profissões mais importantes porque sem ela não existiria as outras. Outro ponto é a falta de investimento do governo, o desinteresse de professores mais velhos, aquela coisa que a gente que é mais novo chega na escola achando que vai fazer mil projetos, cheio de ideias bacanas, mas nos deparamos com a realidade sem recursos e completamente diferente, muitas vezes tendo que desembolsar do nosso dinheiro para realizar uma atividade ou então uma diretora não aprova. Inclusive, se você quer fugir do ensino tradicional você encontra muitas barreiras no meio do caminho. Falta de professor, porque também não é uma profissão glamourosa, as pessoas tem que realmente amar muito ensinar pra fazer isso e mesmo assim é necessário uma complementação de renda. Por fim, acho que desafios na questão do governo repartir verba e investir em educação de maneira errônea, porque a corrupção não deixa muito para o restante, e professores que param no tempo. Até porque, quando você se depara com uma situação na qual não sabe o que faz, como muita bagunça e conversas paralelas, você volta pro jeito tradicional de punição, pois só conhece aquilo que fizeram com você.
RS – Qual o seu entendimento do termo ‘responsabilidade social’?
TR – Acredito que hoje em dia ficamos muito preocupados com os nossos direitos mas antes dos nossos direitos temos também que lembrar dos nossos deveres. Acredito que como responsabilidade é não pensar apenas no próprio umbigo e sim na sociedade. Dar de volta o que recebemos, ter gratidão e, se tivermos condições, – mas sempre temos porque até as classes baixas ajudam mais que a classe alta – fazer algum tipo de trabalho e pensar mais na sociedade, no próximo, no seu bairro… Ter a consciência de que você não está sozinho no mundo e que cada um fazendo um pouquinho a gente consegue fazer muito. Busquei desempenhar esse papel no sentido de escrever um livro que seja acessível a todos, em formatos de ebook e audio book, além de retornar o dinheiro da primeira edição para fazer livros em braile, que vou distribuir nas instituições do Brasil. No meu ponto de vista isso é um pouco da responsabilidade social que eu tenho como escritora: de ter certeza que todos vão ter acesso ao meu livro porque acredito em pegar o pouco que temos, sermos gratos, sermos felizes e poder passar um pouco disso adiante para que mais pessoas possam ter também.
A autora do livro “Verdinelo e seus amigos” fala sobre a educação brasileira e como ensinar às crianças sobre o respeito às diferenças de maneira leve e divertida.
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