
Ilda Peliz, presidente da ABRACE
À frente da Associação Brasileira de Assistência às Famílias de Crianças Portadoras de Câncer e Hemopatias (Abrace), Ilda Peliz, uma mineira de 51 anos, narra um pouco de sua trajetória como presidente dessa instituição. O grande estímulo que levou Ilda a empunhar a bandeira dessa causa foi a morte da filha Rebeca, em 1995, vítima do câncer. Hoje, Ilda supera a dor da perda por meio do trabalho que desenvolve junto às mais de três mil crianças que já receberam tratamento na Abrace e da presença do marido e de seus outros dois filhos. Na entrevista ao www.RESPONSABILIDADESOCIAL.COM, ela comenta sobre a importância do voluntariado, a situação do Terceiro Setor no Brasil e o relacionamento da Abrace com a rede de lanchonetes McDonald´s.
1) Responsabilidade Social – Qual a proposta inicial de trabalho da Abrace e como ela evoluiu ao longo da existência da associação?
Ilda Peliz – A ABRACE foi fundada em 1986. É uma instituição filantrópica, sem fins lucrativos, que nasceu da união de pais, médicos e amigos de crianças que se encontravam em tratamento de leucemia, no Hospital de Base de Brasília. São famílias que vivenciaram as dificuldades para a realização do tratamento médico em um hospital público. Os objetivos principais são os seguintes: oferecer assistência social às famílias de crianças e adolescentes carentes e portadores de câncer e outras doenças hematológicas; apoiar o tratamento médico hospitalar; e oferecer alojamento para crianças, adolescentes e acompanhantes vindos de outras cidades em busca de tratamento em Brasília. Naquela época, apenas 50% dos pacientes sobreviviam. Outros 28% abandonavam o tratamento, pois eram pacientes vindos de outras cidades e não tinham recursos para pagar hospedagem na capital. Na época, muitos fatores contribuíam para o agravamento da saúde dessas crianças: a falta de medicamentos constante; a desinformação dos pais sobre a gravidade da doença; e a deficiência de infra-estrutura domiciliar. Não adianta a criança receber a quimioterapia no hospital e não ter em casa alimentação, higiene e local decente para repouso. A maioria dessas crianças e adolescentes pertence a famílias com renda de até um salário mínimo, moram em barracos de um cômodo, em camas improvisadas no chão, sem agasalhos, sem higiene e com alto índice de desnutrição. A ABRACE evoluiu muito nesses 16 anos. A seriedade, o profissionalismo e a ética adotados pela diretoria levaram a ABRACE a ser reconhecida pela comunidade, pelas autoridades e pela mídia como uma instituição eficiente. Dessa forma, o apoio financeiro da população prosperou, as parcerias aumentaram e a ABRACE pôde ampliar seus serviços de assistência às crianças e suas famílias.
2) RS – Quantas crianças já foram atendidas pela Abrace desde seu surgimento?
IP – A instituição já tratou mais de três mil crianças. Cada uma delas permanece, em média, cinco anos sendo assistida pela ABRACE – período necessário para que o câncer seja considerado curado desde o momento do diagnóstico. Ou seja, são cerca de dois anos de tratamento e outros três anos de acompanhamento. Em 2000, assistimos 546 crianças e adolescentes (de zero a 18 anos); em 2001, foram 723 e mais 3.000 familiares. Fechamos o mês outubro de 2002 com 1.173 pacientes assistidos. Este dado é preocupante, pois mostra que o número de casos novos em 2002 já cresceu mais de 60%.
3) RS – O que a senhora entende por Responsabilidade Social?
IP – Responsabilidade Social significa a adoção de valores éticos nas relações que a empresa mantém com seus diversos públicos: funcionários, colaboradores, fornecedores, governos, acionistas, clientes, comunidade e meio-ambiente. Ou seja, não adianta a empresa levantar uma bandeira social ou cultural se os dejetos da sua indústria estão poluindo as águas do rio ou, ainda, se a empresa que apóia um projeto social da comunidade local, mas sonega impostos e encargos sociais. A Responsabilidade Social agrega valor ao negócio ou produto. Hoje e cada vez mais, as pessoas procuram serviços ou produtos cuja marca esteja associada a uma conduta correta social, econômica e ambiental.
4) RS – Como a senhora avalia a atuação do Terceiro Setor no Brasil? Que iniciativas podem ser tomadas para otimizar os resultados nesse setor?
IP – O Terceiro Setor no Brasil tem feito toda a diferença na vida de muitas pessoas. O primeiro setor já demonstrou que sozinho não resolverá os problemas sociais do país. Até 1990, o segundo setor entendia que seu papel social era gerar empregos e recolher impostos. Assim, surgiu o terceiro setor para cobrir as lacunas deixadas pelo primeiro e segundo setores. Mas é preciso estar consciente que, sozinho, o terceiro setor não consegue resolver todos os problemas sociais. A falta de integração dos três setores permitiu que o tráfico de drogas e o crime organizado passassem a oferecer “soluções sociais” para os habitantes de favelas e morros. Isto serviu para abrir os olhos do primeiro e segundo setor, que perceberam a necessidade de apoiarem parcerias em prol do social. Na minha visão, os problemas sociais, culturais e ambientais do nosso Brasil só serão resolvidos com a formação de fortes alianças entre os setores e com o fundamental apoio da área empresarial.
5) RS – Como se dá a participação da sociedade no projeto da Abrace? Quais as estratégias da associação para estimular a comunidade a cooperar com esse processo?
IP – A sociedade está sempre presente quando é convidada a participar dos projetos da ABRACE, seja com o trabalho voluntário, por meio da participação em campanhas ou com doações financeiras. Com base no lema “Não basta dizer que é honesta, é preciso provar”, a ABRACE presta contas ao Ministério Público anualmente e a Diretoria trabalha em formato de colegiado. Dessa forma, sua imagem de transparência, honestidade e eficiência é sempre reforçada com a divulgação dos seus resultados e do alcance de sua missão. Assim, nós estamos, cada vez mais, conquistando a confiança e a admiração da comunidade que nos apóia.
6) RS – Qual a importância da ação do voluntariado para a Abrace?
IP – O voluntário é a força propulsora do trabalho da ABRACE. Profissionais que custariam mais caro para a Organização doam sua mão de obra: empresários, profissionais liberais e executivos compõem o quadro de nove diretores; 14 psicólogos doam 56 horas semanais e mais de 800 voluntários são sempre convocados para eventos e campanhas. Sem o voluntariado, a Instituição não funcionaria. Eles são sempre ouvidos, respeitados e valorizados, pois sabemos reconhecer que são o maior patrimônio de nossa Instituição.
7) RS – A rede de lanchonetes McDonald´s é o principal ponto de apoio da Abrace, especialmente na edição do McDia Feliz – data em que todas as compras do sanduíche BigMac são convertidas em doações para instituições que tratam o câncer infantil. A senhora acha que o trabalho em conjunto com empresas e multinacionais é uma boa opção para o desenvolvimento do terceiro setor? Que cuidados devem ser tomados nessa relação?
IP – Sem dúvida, o McDia Feliz, fruto da parceria com o Instituto Ronald é o nosso carro chefe. A campanha envolvia apenas a comunidade que comprava o sanduíche. Hoje, envolve vários parceiros, empresas e a mídia tornando-se, assim, um grande evento da comunidade. Na relação entre empresas e causas sociais, vários fatores devem ser analisados pelos envolvidos, como o tipo de produto da empresa, seus valores e objetivos. Por exemplo, não podemos fazer uma parceria com uma indústria de cigarros ou bebidas alcoólicas. A Instituição também deve se proteger para não ter sua causa usada só para lucro do patrocinador, mas sim numa parceria em que os dois lados se beneficiam.
8) RS – Qual o maior objetivo da Abrace para o próximo ano?
IP – Nossos objetivos para 2003 são: 1) início das obras da construção do primeiro hospital para tratamento do câncer infanto-juvenil no Distrito Federal; e 2) a implantação do projeto de geração de rendas para as famílias assistidas.
9) RS – A Abrace pode contar com a cooperação do governo local ou existem dificuldades nessa relação?
IP – Não temos ajuda financeira do Governo do Distrito Federal (GDF). Representamos os nossos assistidos e é nosso papel, também, fiscalizar e cobrar qualidade dos serviços públicos oferecidos. Apesar de termos uma relação de parceria com o governo em prol do tratamento do câncer, há um ano estão em falta medicamentos de alto custo e a ABRACE tem se encarregado de suprir esta carência. Estamos cobrando as devidas providências da Secretaria de Saúde, pois não é nosso papel fornecer remédios para o poder público e sim, viabilizar o tratamento dessas crianças.
Também nessa Edição :
Perfil: Tim Lopes
Artigo: Cidadania empresarial: um caminho sem volta
Notícia: O que deu na mídia (Edição 4)
Notícia: Práticas de cidadania
Notícia: Símbolos nacionais vão às aulas
Notícia: A ONG da Caixa
Leave a Reply