
A pesquisadora Débora Diniz
O extenso currículo da antropóloga Debora Diniz revela uma história de sucesso calcada numa profunda dedicação aos livros. Temas prediletos: feminismo e bioética – ambos os assuntos altamente inflamáveis e polêmicos. É preciso fôlego para ler em voz alta os cargos ocupados por Debora nos seus tenros 32 anos: é doutora em antropologia pela Universidade de Brasília (UnB); atua como pesquisadora associada de bioética e gênero da Universidade de Leeds, no Reino Unido; é bolsista da Fundação MacArthur; professora visitante da Universidade Estadual do Rio de Janeiro (UERJ); diretora da Feminist Approaches to Bioethics Network; diretora do Centre for the Study of Global Ethics, da Universidade de Birmingham, Reino Unido; e, por fim, é autora de artigos, livros e vídeos sobre os temas da bioética, da ética feminista e dos direitos humanos.
Debora consagrou-se no meio científico como diretora da Organização Não-Governamental ANIS: Instituto de Bioética, Direitos Humanos e Gênero. Nessa ONG, dedica-se a estudos que lhe renderam o Prêmio Manuel Velasco-Suarez, concedido pela Organização Pan-Americana de Saúde (OPAS), bem como o privilégio de ser uma das duas únicas brasileiras a participarem das discussões sobre as consequências sociais do Projeto Genoma Humano, nos Estados Unidos. Na entrevista concedida ao site Responsabilidade Social, Debora fala sobre a importância da Bioética na busca pela igualdade de direitos, na discussão de eternos dilemas e tabus da humanidade (como aborto, eutanásia e clonagem), além das expectativas do Terceiro Setor com relação a chegada do novo governo em janeiro próximo. Confira:
1) Responsabilidade Social – De que maneira a Bioética se aproxima da Responsabilidade Social?
Debora Diniz– A Bioética é um mecanismo político e acadêmico de intervenção nos conflitos morais em saúde. Desta maneira, todas os desdobramentos que a discussão bioética possui, desde a clonagem, a eutanásia, passando pelo Projeto Genoma Humano ou por temas sobre tecnologias reprodutivas, têm um peso social extremamente importante. A responsabilidade social da bioética se traduz tanto na pesquisa desenvolvida nas universidades, como nas ações de advocacy no legislativo, onde a bioética é discutida em projetos de lei que tratam, tanto do tema do aborto quanto da informação genética. A responsabilidade social é um conceito que remete a interesses e direitos dos cidadãos, e já faz parte da pauta da bioética brasileira.
2) RS – Qual a proposta de trabalho da ANIS? Há quanto tempo o Instituto já atua no Brasil?
DD – A ANIS é a única organização não-governamental, sem fins lucrativos, voltada para a pesquisa, assessoramento e capacitação em bioética na América Latina. Nosso trabalho é pautado nas questões relacionadas à reprodução humana, tais como o aborto, as tecnologias reprodutivas, a clonagem e o Projeto Genoma Humano. As atividades da ANIS são coordenadas por quatro programas: Advocacy, Educação, Informação e Pesquisa. A ANIS tem sede em Brasília e desenvolve suas atividades desde 1999. A ANIS tem como prioridade democratizar e popularizar a informação em bioética no Brasil, sob uma perspectiva feminista.
3) RS – Em que medida o conceito da Bioética tem evoluído entre os brasileiros?
DD – Apesar de a bioética, no Brasil, estar vinculada à prática médica e a temas de saúde, o início das pesquisas sobre o tema se deu, de maneira mais incisiva, quando as primeiras inquietações relacionadas a conflitos morais em saúde começaram a ser propostas por acadêmicos não-médicos, ou seja, por estudiosos de ciências sociais e humanas, além de operadores do direito. A bioética brasileira só começou a se estruturar no início dos anos 90, mais precisamente com o periódico Bioética, lançado pelo Conselho Federal de Medicina, em 1993. Uma boa fonte de referência sobre o nascimento da bioética e sobre a estruturação da bioética brasileira é o livro recém-lançado pela Editora Brasiliense, O Que é Bioética, da Coleção Primeiros Passos. É importante ressaltar que a bioética brasileira é uma das mais consolidadas na América Latina.
4) RS – Que avaliação a senhora faz do VI Congresso Mundial de Bioética que ocorreu em Brasília nos últimos dias?
DD – Foi um sucesso. O evento reuniu um número significativo de palestrantes e conferencistas, e a circulação de pessoas foi muito grande. Outro aspecto positivo foi a inserção de temas relacionados a bioética na mídia. A ANIS co-coordenou a IV Conferência Internacional da FAB – Rede Internacional de Perspectivas Feministas para a Bioética, que é rede satélite da IAB – Associação Internacional de Bioética. O VI Congresso Mundial de Bioética e a IV Conferência Internacional da FAB foram fundamentais, no sentido de consolidar o projeto bioético no Brasil.
5) RS – Quais foram as principais conclusões tiradas acerca da discussão sobre “Bioética, Poder e Injustiça: Por uma Ética de Intervenção” – tema central do Congresso?
DD – O tema escolhido para o VI Congresso Mundial de Bioética determinou uma linha de apresentações que apontaram para a importância de uma perspectiva plural na discussão Bioética. Isto foi trabalhado desde o Congresso que aconteceu no Japão, em 1998. Esta conclusão também pode ser tirada da IV Conferência da FAB, que escolheu o tema “Gênero, Poder e (In) Justiça”. Durante a Conferência, que antecedeu o VI Congresso, a pluralidade do tema deu o tom dos trabalhos apresentados. Isto prova que, somente com o exercício da tolerância e com um fórum aberto e plural para o debate poderemos discutir os temas bioéticos no Brasil.
6) RS – Qual a sua previsão a respeito da interação dos setores de bioética e responsabilidade social com o novo governo que assume em janeiro próximo?
DD – É muito difícil fazer previsões dentro de uma transição política tão importante. Arriscar um cenário político-social no início de uma mudança política como a que estamos experimentando agora é, no mínimo, precipitado. Mas acredito que esta interação entre os setores que tratam de assuntos de cunho bioético e o novo governo só pode ficar mais forte, uma vez que uma das prioridades propostas é, justamente, a justiça social. Esta interação também poderá ficar mais intensa dentro do Terceiro Setor, que tem por eixo temático questões relacionadas à responsabilidade social. Acredito, entretanto, que a triangulação Academia/Terceiro Setor/Governo Federal, ainda tímida no país, será extremamente importante para o desenvolvimento da justiça social no país.
7) RS – Até hoje não existe uma comissão de Bioética dentro da presidência, a despeito do que acontece em todos os outros países e dos grandes nomes de cientistas brasileiros dedicados a essa área. Isso pode mudar?
DD – Acredito que sim, mas é importante atentar para o fato de que sua composição e vinculação não devem ser políticas e, sim, meritocráticas. Uma Comissão Nacional de Bioética deve seguir o modelo francês ou o americano, onde, para começar, o número de componentes é infinitamente inferior ao modelo brasileiro, proposto pelo Ministério da Saúde. Uma comissão desta importância deve ter uma representação acadêmica expressiva, enquanto os técnicos devem ser chamados a opinar em questões específicas, como consultores da comissão. Lembro que o propósito de uma Comissão Nacional de Bioética é, justamente, deliberar e orientar o Governo sobre temas que podem determinar os rumos do sistema de saúde em todo o país ou modificar as políticas de alocação de recursos em saúde, entre outros. Diante disto, é fundamental que esta comissão não seja uma instância de representação político-partidária, mas, sim, de consulta séria e isenta de interesses que não os que representem a diversidade democrática de nosso país.
8) RS – A Anis está aberta para algum tipo de atuação ligada ao voluntariado?
DD – Na verdade, a ANIS possui um programa de estágios, de voluntariado e de formação de jovens pesquisadores. A ANIS possui uma equipe permanente de profissionais das mais diversas áreas do conhecimento. Neste ano, implementamos a Confraria Amigos da ANIS, uma iniciativa importante no sentido de agregar centros de pesquisa, estudantes e acadêmicos que se interessam por nossas atividades. A idéia é formar uma rede de pesquisadores voluntários e estimular a produção e disseminação do conhecimento em bioética no país.
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