
O presidente do Observatório Social do Brasil, Ater Cristófoli, fala sobre a rede de ONGs que apostam na prevenção para combater a corrupção. Atualmente, mais de 70 cidades de 14 Estados do País contam com unidades, que primam pelo trabalho técnico, fazendo uso de uma metodologia de monitoramento das compras públicas em nível municipal, desde a publicação do edital de licitação até o acompanhamento da entrega do produto ou serviço. O objetivo é agir preventivamente no controle social dos gastos públicos. Com base nas irregularidades detectadas, a rede calcula ter conseguido em 2013 uma economia total de R$ 305 milhões para os cofres públicos.
“É preciso matar a corrupção no edital, fazer a prefeitura colocar lá que o preço é R$ 4, não R$ 10. E a coisa mais efetiva, dada a morosidade da Justiça”, disse Cristófoli. O primeiro Observatório surgiu em 2004, no rastro de um escândalo de desvio de recursos em Maringá. O ex-prefeito Jairo Gianoto foi condenado, preso e hoje recorre em liberdade. Dois anos depois, a vizinha Campo Mourão seguiu o exemplo. A iniciativa chegou a Estados como Santa Catarina, São Paulo e Rondônia.
O Observatório Social atua ainda em outras frentes, como a educação fiscal, demonstrando a importância social e econômica dos tributos e a necessidade do cidadão acompanhar a aplicação dos recursos públicos gerados pelos impostos. Estimula também a inserção da micro e pequena empresa nos processos licitatórios, contribuindo para geração de emprego e redução da informalidade, bem como aumentando a concorrência e melhorando qualidade e preço nas compras públicas. A instituição promove, ainda, a construção de Indicadores da Gestão Pública, com base na execução orçamentária e nos indicadores sociais do município, fazendo o comparativo com outras cidades de mesmo porte. Confira a entrevista na íntegra.
1) – Como surgiu o Observatório?
Ater Cristófoli – Após uma série de escândalos em Maringá. Na época, falava-se em um desvio de R$ 100 milhões. Os abusos geraram uma indignação enorme, e a Associação Comercial e outras lideranças resolveram montar uma estrutura para acompanhar os atos do município. Naturalmente foram ver os editais de licitação. Foi a decisão mais acertada: em vez de ver o que foi desviado, dar ênfase à prevenção.
2) – Que entidades participaram?
AC – Associação Comercial, OAB, maçonaria, Lions, igreja. Em Maringá, hoje são 60 instituições. No primeiro ano, a economia foi de R$ 9 milhões.
3) – Como medem essa economia?
AC – Nem contamos os editais derrubados. Levamos em conta o que a prefeitura estava disposta a pagar por um produto no edital e o que ela paga após nossa intervenção. Em Campo Mourão, o preço do material escolar caiu para um terço. Medicamentos estão custando a metade. É preciso matar a corrupção no edital, fazer a prefeitura colocar lá que o preço é R$ 4, não R$ 10. E a coisa mais efetiva, dada a morosidade da Justiça.
4) – A corrupção está na cúpula ou nos escalões inferiores?
AC – Quem mais rouba não é o poder público. Em geral são as empresas que pegam o edital, combinam a coisa antes e vão acertadas para o pregão. Agora, estamos indo além. Melhor do que saber que a prefeitura pagou 49 centavos por uma caneta – o preço normal – e não R$ 3,50, é ver se a caneta é necessária. Só aí se faz o edital.
5) – Há treinamento para o pessoal que analisa os editais?
AC – Sim, e constante. Apesar de termos um quadro de voluntários, profissionalizamos a equipe. Precisamos de gente na linha de frente, das 8h às 18h – administradores, advogados, economistas, e dois ou três estagiários. Temos um software para a gestão e nele colocamos todos os valores que as prefeituras pagam pelos produtos. Com isso, temos referências.
6) – Todos os Observatórios atuam da mesma forma?
AC – Temos um manual de procedimentos, que a Price Waterhouse ajudou a elaborar, e um fluxograma de trabalho. Quando se descobre alguma irregularidade, primeiro avisamos o secretário ou o prefeito. Se ele não faz nada, avisamos a Câmara. Se os vereadores não fizerem nada, e normalmente não fazem, aí a gente avisa o Ministério Público. Em Curitiba, estamos fazendo um acordo para notificar oficialmente o Tribunal de Contas do Estado.
7) – A pressão dá resultado?
AC – Temos uma prestação de contas quadrimestral. Agente chama as entidades que nos dão lastro, a imprensa. No ano passado, com 62 observatórios, conseguimos obter uma economia de R$ 305 milhões.
8) – A corrupção é o principal problema do País?
AC – Na minha opinião, temos dois grandes cânceres. Um é a sonegação. E outro é o desvio dos recursos públicos. Estamos vendo cada vez mais gente reclamando do poder público. É porque tem cada vez mais gente pagando imposto. E não é porque os brasileiros estão ficando mais honestos, é porque a informática está avançando. Estamos trabalhando com o Sebrae para tornar isso algo parecido com uma franquia. O pessoal das franquias tem toda uma metodologia de controle.
9) – As manifestações de junho afetaram o trabalho de vocês?
AC – Não. É outro público. Não adianta nariz de palhaço, não adianta quebra-quebra. O pessoal do mal é muito organizado e, desse jeito, sempre vai levar vantagem.
(Responsabilidade Social com informações do jornal Estado de São Paulo. A entrevista foi publicada originalmente na edição de 19 de janeiro de 2014 do jornal)
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