
Antonio Vives
Antonio Vives, cidadão espanhol, é gerente do Departamento de Desenvolvimento Sustentável do Banco Inter-Americano de Desenvolvimento (BID). O departamento é o órgão técnico do banco, encarregado das políticas setoriais, estratégias, melhores práticas, divulgação de experiências, melhoria da qualidade e relações com instituições internacionais. Vives trabalha no BID há mais de 26 anos e já ocupou vários cargos: encarregado de investimentos das operações do setor privado, encarregado de operações, Chefe da Divisão de Operações para vários países, Chefe do Escritório de Assessoria do Departamento de Operações, Chefe da Divisão de Infra-Estrutura e Mercados Financeiros; atualmente também está a cargo do Sub-Departamento de Empresas Privadas e Mercados Financeiros do Departamento de Desenvolvimento Sustentável. Vives especializou-se em responsabilidade social das empresas, financiamento de infra-estrutura, desenvolvimento de mercados financeiros e financiamento de microempresas em economias emergentes. De Washington, Vives fala a seguir com absoluta franqueza sobre a importância do tema “responsabilidade social” para a América Latina e como o mesmo conceito pode se tornar um importante diferencial num ambiente globalizado.
1) Responsabilidade Social – Como o senhor definiria o conceito de responsabilidade social empresarial?
Antonio Vives – Comecemos dizendo que uma empresa que não é rentável não pode ser responsável, deixaria de existir no curto e médio prazo e assim não cumpriria com suas funções. Para que uma empresa possa ser responsável ela precisa ser viável, antes de tudo, no longo prazo. Toda empresa opera dentro de um contexto no qual sofre influência de diversos elementos: os acionistas que trazem recursos, os credores que financiam, os trabalhadores que oferecem esforços, os clientes que adquirem bens e serviços, a comunidade que permite sua presença, o governo que regula, o meio ambiente que proporciona recursos naturais e, em geral, a sociedade que permite suas operações. A empresa tem responsabilidades com todas essas partes, ainda que em diferente grau de responsabilidade e prioridades.
Para o BID, uma empresa responsável é aquela que harmoniza suas atividades de tal maneira que satisfaz as expectativas das partes citadas acima. É óbvio que na maioria dos casos existem conflitos de curto prazo, por exemplo, atender bem aos trabalhadores tem certas vezes impactos na rentabilidade da empresa, apoiar a comunidade também tem seus custos. Para resolver esses conflitos e tomar decisões, a empresa precisa ter uma visão de longo prazo que considera não apenas os custos imediatos (aqueles que os gerentes vêm com clareza absoluta), mas também os benefícios tangíveis e intangíveis do longo prazo (aqueles que infelizmente muitos gerentes são incapazes de observar). A rentabilidade e responsabilidade não são duas opções excludentes. Na maioria dos casos, as práticas responsáveis são rentáveis. Aliás, existem muitas empresas que fazem da responsabilidade sócio-ambiental um negócio, como, por exemplo, a Natura no Brasil na produção de cosméticos naturais, ou a General Electric nos Estados Unidos através de sua campanha Ecomagination que versa sobre eficiência energética e uso de energias renováveis.
O apoio empresarial à educação primária em uma cidade onde uma empresa tenha operações pode ser filantropia pura, não um comportamento socialmente responsável, mas isto depende das circunstâncias. Por exemplo, em uma área menos favorecida onde estudantes se convertam em futuros trabalhadores locais, a educação desses mesmos jovens se converte numa responsabilidade empresarial já que beneficia a população e a empresa que, de forma estratégica, começa a preparar já sua força de trabalho. A empresa responsável, portanto, tem uma visão ampla e de longo prazo sobre seu próprio papel na sociedade.
Há ainda a questão do cumprimento das leis e regulamentos vigentes no país, o qual mais que uma “responsabilidade” nada mais é que parte no negócio. A responsabilidade que falamos aqui se refere ao comportamento que a empresa teria se todas as leis e regras fossem perfeitas. Diante das deficiências prevalecentes nos países em vias de desenvolvimento, a empresa deve operar como se todas estas regras existissem em perfeição. “Faça aos outros o que gostaria que fizessem a você”.
2) RS – Por que o tema da responsabilidade social é considerado uma prioridade para o BID? Qual o seu impacto no desenvolvimento da América Latina?
AV – O objetivo do BID é contribuir para o melhoramento da qualidade de vida das populações latino-americanas. O BID trabalha, sobretudo, por meio do setor público e, em particular, com governos para que se aprimorem os cenários nos quais as empresas trabalham, ainda que tenha operações diretas com empresas privadas de diversos tamanhos.
Nesse sentido, nossos objetivos coincidem como o de uma empresa responsável, de acordo como o explicado anteriormente. Ambos trabalham para melhorar a qualidade de vida da população em geral. O BID, no entanto, tem um enfoque particular em infra-estrutura, saúde, educação, meio ambiente, entre outras áreas. As emprestas privadas, por outro lado, têm um enfoque particular na promoção do emprego e pagamento de impostos por meio da produção de bens e prestação de serviços que a sociedade necessita. No entanto, a empresa responsável deve ir além dessas ações e da visão exclusiva de gerar lucros, deve se preocupar com o impacto de suas ações sobre as partes afetadas e ter em conta os resultados desses diferentes planos. É aí onde os objetivos do BID e da empresa privada coincidem e onde a empresa contribui de fato para o desenvolvimento do país, muito além de apenas promover rendimentos aos seus acionistas ou proprietários.
Nenhum dos atores sociais dos quais falamos – empresas privadas, governo, sociedade civil, organismos multilaterais – podem, sozinhos, tirar nossos países do estágio de subdesenvolvimento. Para alcançar seu potencial é necessária a participação coordenada de todas as partes. Mas não podemos permitir que se desenvolva um setor privado cujo objetivo é explorar as ineficiências de um Estado, ou organismos internacionais que apóiem governos corruptos. A empresa não é a única responsável – isso é um trabalho conjunto.
3) RS – O que faz o BID para disseminar boas práticas em responsabilidade social empresarial?
AV – O BID trabalha na disseminação de boas práticas em duas frentes. Por um lado, assegura-se que as operações que financia tanto no setor privado quanto no público são executadas tendo em conta boas práticas de responsabilidade sócio-ambiental e, em segundo lugar, trabalha com programas especiais de investigação e disseminação. No primeiro caso, o BID se assegura que seus clientes são responsáveis e desenha operações de tal maneira a promover a mitigação de eventuais impactos ambientais adversos, o respeito aos direitos laborais, a proteção das sociedades afetadas, entre outros. Isso serve como exemplo para empresas e operações similares.
Na segunda frente, o BID desenvolve um programa de investigação e disseminação de boas práticas. Existem publicações sobre responsabilidade social de micro, pequenas e empresas média, do papel do setor privado no desenvolvimento econômico, casos de sucesso no continente, estratégias nacionais para a promoção da responsabilidade social, entre outras. No que toca a disseminação, o BID organiza eventos nacionais e regionais. O mais conhecido é a série de Conferências Interamericanas sobre Responsabilidade Social Empresarial que em 2006 foi realizada em Salvador e em 2007 será organizada na Guatemala, sendo esta a sexta edição do evento. Para maiores informações sobre esse conjunto de atividades, sugiro visitar o link http://www.csramericas.org.
4) RS – Os Estados Unidos e a Europa aparentemente já estão bem evoluídos na internalização de práticas transparentes e responsáveis em assuntos corporativos. O senhor acredita que a boa conduta empresarial se tornará prática comum na América Latina apesar dos desafios socioeconômicos da região?
AV – É muito difícil generalizar, mas – de fato – podemos dizer que a consciência sobre as virtudes de uma empresa responsável é muito mais difundida nos países da Europa, especialmente no norte, e, em menor escala, nos países do sul do continente europeu e nos Estados Unidos. Na América Latina esta prática se limita ainda a um grupo relativamente pequeno de empresas, ainda que comece a se difundir em empresas de todos os tamanhos, particularmente no Brasil, Chile, México, Colômbia e Argentina.
A extensão dessas práticas na Europa deve-se muito à tradição de uma preocupação social, do reconhecimento de que os recursos são escassos e valiosos e que, portanto, devem ser bem cuidados. As pressões da sociedade civil (muito bem) organizada e o fato de que alguns governos lançam incentivos à contribuição de empresas ao desenvolvimento econômico – de maneira a estabelecer mecanismos indutores – são fatores importantes. Adicionalmente, o âmbito quase continental da União Européia promove uma intensa campanha de conscientização e, em alguns casos, imposições e regras que fazem cada vez menos voluntárias as práticas de responsabilidade social empresarial (RSE).
Na América Latina se desenvolveu um intenso movimento de promoção da RSE por parte de algumas instituições da sociedade civil e por algumas associações cooperativas, dos próprios empresários. Em boa medida, as ações tomadas se devem também a pressões derivadas da necessidade de se vender em mercados internacionais, especialmente os europeus que exigem certos comportamentos com o meio ambiente, os recursos humanos, a comunidade, etc. Em alguns casos, os principais promotores são os mesmos empresários que uma vez viram experiência de sucesso em outros países e se deram conta que sua sobrevivência num horizonte longo dependiam de trabalhar numa sociedade bem desenvolvida. As perspectivas são, portanto, boas e o movimento em prol da RSE está tomando corpo.
Lamentavelmente as ações dos mercados financeiros, da sociedade civil, dos meios de comunicação e dos governos e – muito especialmente – dos consumidores, são todavia débeis e, em grande medida, ignoram o comportamento empresarial no que se refere a forma como o mesmo produz seus bens e serviços, fundamentalmente por não disporem de informação a respeito. Esta é uma das grandes barreiras a se vencer.
É precisamente diante dos desafios econômicos e sociais que mais necessitamos de empresas com comportamentos responsáveis para a sociedade em geral. O papel da empresa socialmente responsável em países em desenvolvimento é ainda mais relevante. Em países onde o Estado e a sociedade civil já cumprem plenamente suas funções, a empresa pode se limitar a “não fazer o mal”, mas em países como os nossos, as empresas devem ainda mais cobrir algumas deficiências do Estado, ainda que com cautela para não substituí-lo. Diante da incapacidade de um governo municipal de administrar água potável, uma empresa pode se ver diante da “responsabilidade” de fazê-lo na comunidade onde trabalha. Estritamente falando, não é responsabilidade da empresa, mas se a mesma quiser que seus trabalhadores vivam em condições de salubridade que os permita trabalhar com bom rendimento, não há remédio a não ser assumir essa tarefa. Em um país desenvolvido isto seria praticamente impensável.
Pode-se alegar que empresas operando em países em vias de desenvolvimento não dispõem de recursos para serem responsáveis. Isto é uma grande falácia que cai por terra quando se confunde responsabilidade social e ambiental com filantropia ou com doações. Como dizíamos ao princípio, responsabilidade social é uma forma de operar e fazer negócios, válida em qualquer lugar do mundo, ainda que adaptada à realidade local.
5) A questão ambiental é cada vez mais um fator que determina o êxito de econômicas nacionais. Em que medida esse fator é levado em conta pelo BID, quem sabe, por exemplo, como condicionalidade para investimento e empréstimo aos países da região?
AV – De fato, a responsabilidade no âmbito nacional, não apenas no âmbito corporativo, é um fato de competitividade internacional. A marca-país, “made in…”, afeta a demanda nos mercados internacionais, tanto de produtos quanto de serviços, como é o caso do turismo. O prestígio de um país tido como responsável e respeitoso dos direitos humanos e do meio ambiente é um fator de competitividade e é resultado não apenas dos comportamentos corporativos, mas também produto das políticas nacionais e de desenvolvimento de sua sociedade civil. Um dos casos mais paradigmáticos é o da Costa Rica, reconhecida como um país que protege seu meio ambiente, o qual lhe dá competitividade a produtos de expeortação como o café e setores baseados no turismo. O caso do Brasil também é similar e vai na mesma direção, ainda que seja mais complexo.
No BID realizamos esforços para que nossos serviços sejam realizados e formulados cuidando do impacto sobre o meio ambiente e populações. Para tanto, temos políticas muito claras que requerem extensos estudos prévios, complementados com elementos de condicionalidade para sua execução e intensa supervisão.
Site do Banco Interamericano de Desenvolvimento: www.iadb.org.br
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