
Ana Paula Ferreira, coordenadora de Direitos das Mulheres da ActionAid
A ActionAid, um movimento global voltado para a promoção dos direitos humanos e o fim da pobreza, divulgou um relatório que relaciona a violência contra mulher e cidades seguras. No Brasil, o foco do estudo foi em Recife e no Cabo de Santo Agostinho, em Pernambuco. Entre as principais constatações está que a falta ou a precariedade dos serviços públicos deixam as mulheres mais vulneráveis a sofrerem violências.
“A ActionAid aponta que para combater a violência contra as mulheres em situação de pobreza, é necessário que as mesmas tenham acesso a todas as possibilidades que a cidade oferece para o crescimento do ser humano”, destaca a coordenadora de Direitos das Mulheres da instituição no Brasil, Ana Paula Ferreira.
Na opinião dela, o país avançou muito nos últimos anos no combate à violência contra as mulheres, sobretudo com a criação da Lei Maria da Penha. Entretanto, é preciso garantir que outras ações afirmativas inibam a violência de gênero em espaços públicos, para além do que ocorre no espaço privado.
Para se ter uma ideia, de 2006 a 2012, a Central de Atendimento à Mulher (Ligue 180), do governo federal, ultrapassou três milhões de atendimentos à população. No ano passado, foram 732.468 registros – 1.577% em relação aos 46.423, em 2006. Os relatos de violência cresceram 700%: 88.685, em 2012, e 12.664, em 2006. No ano passado, o risco de morte chegou a 50%, de espancamento a 39% e de estupro a 2%. Dentre as unidades federativas, o Distrito Federal continua na liderança, seguido por Pará e Bahia.
Na entrevista, Ana Paula Ferreira, além de fazer uma ampla avaliação das políticas públicas e do marco legal voltados para as mulheres, também mostra as raízes dessa violência. Ela ainda apresenta as recomendações da ActionAid para tornar o país mais seguro para as mulheres. Leia na íntegra.
1) RS – Dados divulgados pela Secretaria de Políticas para Mulheres da Presidência da República revelam que, em 2012, a cada hora dez mulheres foram vítimas de algum tipo de violência no Brasil. Diante de dados tão alarmantes, é possível afirmar que o país pouco avançou no combate à violência contra a mulher?
Ana Paula Ferreira – O Brasil avançou muito nos últimos anos no combate à violência contra as mulheres, sobretudo com a criação da Lei Maria da Penha [11.340], em 2006. Aliado a isto, planos e políticas públicas foram criados para coibir a violência de gênero e campanhas foram intensificadas visando modificar a cultura patriarcal tão presente na sociedade brasileira. Com isso, a violência doméstica passou a ser um tema mais presente na mídia, nas rodas de conversa, em espaços públicos, o que colaborou para o fortalecimento das mulheres e o aumento das denúncias formais. Seguimos, porém, com os desafios de implementar plenamente a Lei Maria da Penha e pensar formas de garantir a violência contra as mulheres em espaços públicos e da desconstrução da cultura machista e patriarcal.
2) RS – Relatório divulgado neste mês pela ActionAid no Brasil revela que a má qualidade dos serviços públicos deixa mulheres e meninas vulneráveis à violência e ao assédio em espaços públicos. O estudo é baseado em pesquisas realizadas em duas cidades brasileiras – Recife e no Cabo de Santo Agostinho, ambas em Pernambuco – e ainda nos países Camboja, Etiópia, Quênia, Libéria e Nepal. Quais as principais constatações da publicação?
AF – Essa atual pesquisa da ActionAid teve como principal objetivo apresentar para a sociedade e gestores públicos que a falta ou precariedade dos serviços públicos deixam as mulheres mais vulneráveis a sofrerem violências.
3) RS – Na sua opinião, o quadro apontado nas cidades pernambucanas também é uma realidade de outras cidades brasileiras?
AF – Sim, podemos observar nas cidades brasileiras que são as mulheres em situação de pobreza, as pessoas que menos possibilidade têm de desfrutar a cidade e suas oportunidades, uma vez que a violência e o medo dela estão presentes em sua vida. Essa constatação é ainda mais clara em cidades que crescem rápido, sem que seus serviços básicos acompanhem esse crescimento.
4) RS – Quais as recomendações da ActionAid para tornar o país mais seguro para as mulheres?
AF – Uma cidade mais segura para as mulheres depende de uma série de fatores, inclusive de mudanças de comportamento da sociedade. Porém, a ActionAid aponta que para combater a violência contra as mulheres em situação de pobreza, é necessário que as mesmas tenham acesso a todas as possibilidades que a cidade oferece para o crescimento do ser humano. E para isso necessitam de moradia adequada, transporte em quantidade e qualidade, escolas de qualidade e em quantidade para atender suas demandas, um policiamento em quantidade e que seja sensível a proteção das mulheres, iluminação pública, entre outros serviços básicos.
5) RS – Como você avalia as políticas públicas brasileiras voltadas para diminuir a violência contra a mulher?
AF – No Brasil, existem mecanismos específicos que visam garantir a integridade das mulheres no âmbito das relações domésticas e familiares, como os previstos na Lei Maria da Penha, e que representam um grande avanço para as mulheres do país. Todavia, não há leis e políticas específicas no nosso país que tratem da questão da violência contra as mulheres em espaços públicos, o que existem são mecanismos legais que preveem a punição a atos que atentem contra a vida, liberdade e igualdade de qualquer cidadão – entendendo que homens e mulheres são iguais perante o Estado brasileiro. E apesar de o serem na Constituição, ainda há um longo caminho a percorrer para que a letra da lei se torne realidade vivida. E quando lutamos por uma cidade segura para as mulheres, estamos também garantindo espaços públicos mais seguros para todos.
6) RS – Já no campo legal, quais os principais avanços da Lei Maria da Penha, por exemplo, e os limites dessa legislação? O Brasil já dispõe de um arcabouço jurídico de proteção às mulheres?
AF – A Lei Maria da Penha inaugurou uma nova era para o enfrentamento da violência contra as mulheres. Muitos foram os seus avanços. A criação de equipamentos sociais, a exemplo das Casas Abrigos e Delegacias Especializadas de Atendimento às Mulheres, trouxe uma nova perspectiva de proteção e acolhimento às mulheres vítimas de violência. A lei possibilita que os agressores não sejam mais punidos com penas alternativas e trouxe a medida protetiva como grande inovação, na medida em que prevê a saída do agressor do domicílio e a proibição de sua aproximação da mulher agredida. O nosso principal desafio hoje é garantir que essa legislação seja cumprida, por esse motivo a importância do trabalho voltado para a exigibilidade dos direitos das mulheres. Além disso, garantir que outras ações e leis afirmativas inibam a violência de gênero em espaços públicos, para além do que ocorre no espaço privado.
7) RS – No último dia 13, o governo federal anunciou o programa “Mulher, viver sem violência” que prevê investimentos de R$ 265 milhões em ações como a criação de centros especializados integrados de atendimento às vítimas de violência. Para você, é uma medida eficiente?
AF – A Lei Maria da Penha demanda políticas integradas que colaborem para que a violência de gênero efetivamente retraia, mas não pode estar dissociada de políticas que garantam que essas mulheres não sejam revitimizadas. O programa lançado pelo governo federal prevê a construção de centros chamados Casa da Mulher Brasileira, que ofereceria a integração dos serviços públicos (segurança, saúde, assistência social, abrigamento e orientação para o trabalho, emprego e renda). Pode ser uma ótima iniciativa, porém para que seja eficiente é preciso ver como chegará às mulheres em situação de violência, como sua implementação atenderá às reais necessidades dessas mulheres.
8) RS – Aponte os principais avanços do Brasil em prol das mulheres e os retrocessos registrados na última década.
AF – A Lei Maria da Penha é um exemplo do avanço. Um retrocesso é o fato de que em 2013 as mulheres seguem sendo as pessoas mais pobres dos pobres. Assim sendo é relevante a ampliação de políticas de erradicação da pobreza com o foco nas demandas das mulheres.
9) RS – Quais são, na sua opinião, os principais desafios do Brasil para mitigar a violência contra a mulher e qual o papel da ActionAid nesse contexto?
AF – São muitas as causas da violência contra a mulher, porém, podemos apontar a cultura machista e patriarcal como raiz dessa violência. A ActionAid atua em parceria com pessoas, organizações e movimentos para contribuir nesse movimento global de abolição do machismo e promoção do poder das mulheres para o alcance de sua autonomia nas diversas esferas.
10) RS – Na sua avaliação, o fato do Brasil ser governado por uma mulher pode, a médio e longo prazos, resultar num país com mais igualdade de gêneros? O que esperar para os próximos 20 anos?
AF – O fato de termos uma presidenta mulher possui um grande impacto simbólico. Para termos mudanças concretas rumo a garantia dos direitos das mulheres é preciso o comprometimento das diversas esferas da sociedade e da política (executivo, legislativo, federal, estadual e municipal). À medida que as mulheres e seus direitos conquistem ainda mais espaço na representação política nos diversos níveis, devemos conseguir mudanças ainda mais significativas.
11) RS – Qual o seu entendimento do termo ‘responsabilidade social’?
AF – Significa compreender as raízes da injustiça social no Brasil e no mundo e agirmos para sua superação.
ActionAid no Brasil – Tel: (21) 3206-5050
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