
Por Marco Antonio Figueiredo Milani Filho
Responsabilidade Social é um tema cada vez mais presente nos relatórios anuais e páginas eletrônicas das empresas no Brasil e deveria envolver, basicamente, o aprimoramento das relações entre a organização e seus stakeholders de forma a criar condições favoráveis para o crescimento empresarial sustentável e contribuir para o desenvolvimento sob os enfoques sociais e ambientais. Nem todas as empresas que se declaram socialmente responsáveis, entretanto, apresentam evidências da dimensão financeira de seus supostos investimentos à comunidade, fato esse que permite questionamentos se a responsabilidade social corporativa é significativa ou se representa uma simples peça de marketing sem ações sociais efetivas.
Muitas empresas, ainda, autodeclaram-se socialmente responsáveis devido ao cumprimento de obrigações legais, como o pagamento de impostos, mas trata-se de impositivo previsto em lei, ou seja, se a empresa assim não proceder ela está sujeita a receber multas e outros tipos de punições, inclusive criminais. Pagar tributos não é uma atitude voluntária em prol da comunidade. Será que os empresários transfeririam recursos ao Estado se pudessem optar por retê-los? Essa situação levanta um aspecto fundamental na caracterização de empresas socialmente responsáveis: as práticas voluntárias, ao contrário das ações impostas por força de lei. Assim, espera-se que a responsabilidade social corporativa represente ações voluntárias, que ultrapassem, em termos de abrangência, as obrigações legais.
O investimento em equipamentos de proteção ambiental evita multas por danos ao meio-ambiente e processos jurídicos de entidades ambientalistas. Todas essas medidas estão diretamente relacionadas com a sustentabilidade da organização e, supostamente, contribuem para melhorar os resultados futuros e aumentar o valor de mercado da empresa.
Outro aspecto interessante é o desenvolvimento de ações voltadas ao público interno. Alega-se que uma empresa é socialmente responsável se oferecer, entre outras coisas, treinamento e benefícios aos seus próprios funcionários, mas essas ações convertem-se em investimentos no capital humano e tornam a empresa mais competitiva, pois retém os melhores funcionários e cria um ambiente interno favorável. Dessa maneira, tais ações podem ser entendidas como investimentos estratégicos que contribuem para a agregação de valor e sobrevivência corporativa, os quais são necessários e devem ser incentivados, mas não representam ações diretas para a comunidade.
Práticas para a melhoria do relacionamento com determinados stakeholders externos, como os fornecedores, favorecem a obtenção de melhores condições de aquisição e de pagamento pelos fatores produtivos, aumentando a competitividade da empresa. Mas um dos principais grupos relacionados à empresa é formado pelos clientes. Atualmente, discute-se até que ponto uma empresa que desenvolve diversas ações sociais que beneficiam os públicos interno e externo, mas cujo produto é, de alguma maneira, prejudicial à saúde dos próprios clientes, pode ser considerada socialmente responsável. Por exemplo, os fabricantes de cigarro e de bebidas alcoólicas. Considera-se que tais empresas geram externalidades negativas para a sociedade em que atuam, independentemente se empregam pessoas, pagam impostos etc. Sob essa perspectiva, empresas que poluem o meio-ambiente, fabricam produtos nocivos aos consumidores ou que prejudicam de alguma maneira, a comunidade, não podem ser classificadas como socialmente responsáveis.
Objetivando conhecer o grau de envolvimento corporativo com as práticas que, efetivamente, são voluntárias e direcionadas à comunidade (investimentos sociais privados), realizou-se uma pesquisa comparativa entre grandes empresas brasileiras, disponível em http://www.scielo.br/scielo.php?pid=S1519-70772008000200008&script=sci_arttext. Foram analisados dois grupos: o primeiro constituído por empresas listadas na Bolsa de Valores de São Paulo componentes do Índice de Sustentabilidade Empresarial – ISE, por supostamente ser formado por organizações comprometidas com Responsabilidade Social e, o segundo, formado por empresas com produtos associados a externalidades negativas (tabaco, bebida alcoólica e armamento). A seguir, apresentam-se os principais resultados.
Constatou-se que 100% das 34 empresas do ISE declaram-se socialmente responsáveis, mas 11,8% delas não apresentaram evidências financeiras sobre investimentos sociais realizados no biênio 2004-2005.
As empresas associadas a externalidades negativas possuem, em seu conjunto, relevante participação de mercado (participação total de mercado superior a 90% nos setores de Fumo, Bebidas Alcoólicas/Cerveja e Armas) e verificou-se que 100% das 8 organizações do setor de Fumo, 50% das 6 produtoras de cerveja e 50% das 4 empresas do setor de Armas declaram estar comprometidas com práticas de responsabilidade Social, mas somente as seguintes entidades evidenciaram investimentos sociais: CTA Continental e Souza Cruz (fumo); Ambev e Schincariol (bebidas alcoólicas) e Imbel (armas).
O valor médio de gastos sociais das empresas do ISE foi de 1,08% sobre os respectivos resultados operacionais. Destacam-se as entidades do setor de Intermediação Financeira com a maior média (2,12%), seguidas pelas organizações do setor de Petroquímicos (1,56%).
Os investimentos sociais das 18 empresas (fumo, bebidas alcoólicas e armas) apresentaram um valor médio de 0,45%, significativamente menor que a média obtida pelo grupo do ISE. Todavia, ao se compararem, somente, os dados das empresas que evidenciaram ações sociais, há diferenças relevantes nos resultados.
O valor médio (2,61%) das empresas do setor de Fumo que evidenciaram investimentos sociais (CTA Continental e Souza Cruz) é superior, significativamente, ao das 30 empresas do ISE que também dimensionaram seus gastos sociais (1,22%). Com relação às empresas de cerveja (Ambev e Schincariol), que apresentaram uma média de gastos sociais de 1,27% sobre os resultados operacionais, os testes não indicaram haver diferenças significativas com a média de gastos sociais de 30 empresas do ISE. O valor médio das ações sociais (0,29%) da Imbel (armas) foi proporcionalmente menor que o de 30 empresas do ISE.
O fato de, proporcionalmente, os gastos em ações sociais das empresas de fumo (CTA Continental e Souza Cruz) serem maiores do que a média das empresas do ISE, indica que há incentivos específicos para tal comportamento.
Por outro lado, o baixo valor investido socialmente pelas produtoras de armas indicam não haver os mesmos estímulos da indústria do fumo.
Pode-se supor que as empresas que não evidenciam ações sociais não sofrem pressões de grupos de interesse e/ou não apresentam desempenho social satisfatório, fazendo com o nível de divulgação das informações sociais (disclosure social) também seja baixo.
Considerando-se que, dentre as práticas de Responsabilidade Social destacam-se as ações direcionadas à comunidade, pode-se questionar a pertinência de se classificar empresas como socialmente responsáveis quando essas não evidenciam investimentos sociais. Quando as organizações apresentam reduzidos níveis de disclosure social, gera-se assimetria informacional entre a empresa e suas diferentes partes relacionadas, colocando-se em dúvida o grau de comprometimento social corporativo.
Marco Antonio Figueiredo Milani Filho, é economista pela Universidade Mackenzie, Mestre e Doutor em Controladoria e Contabilidade pela FEA/USP. Foi pesquisador visitante da Carleton University (Ottawa/Canada) e coordenador do Núcleo de Estudos do Terceiro Setor – NETS/UPM. E-mail: mmilani@usp.br
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