
Beatriz de Souza Santa Rita
Beatriz de Souza Santa Rita
O debate mundial sobre a importância da preservação ambiental e diminuição das desigualdades sociais para a sobrevivência das populações surgiu na década de 70 e, desde então, vem ganhando espaço nos diferentes segmentos da sociedade. Àquela época, considerava-se que a tomada de providências rumo à sustentabilidade era obrigação do Poder Público, principalmente.
As Organizações Não-Governamentais passaram a cobrar ações dos governos e, diante de uma postura quase inerte, puxaram para si parte da responsabilidade em reverter o quadro de miséria e degradação ambiental crescente no mundo. Reconhecendo sua incapacidade em solucionar todos os problemas socioambientais, os governos passaram a utilizar as ONGs como aliadas e intermediárias no diálogo com a sociedade a partir da década de 80 em maior intensidade.
Tal fato contribuiu para avanços importantes, principalmente no que se refere à socialização de informações e aumento do senso crítico da sociedade em geral, o que levou a uma reflexão sobre os papéis de cada setor da sociedade. Dessa forma, pode-se dizer que o marco do movimento socioambientalista na década de 90 foi a cobrança de maior responsabilidade por parte da iniciativa privada, além de sua função essencial de gerar riquezas e lucro.
A motivação para tanto parece ser um misto de cobrança da sociedade, sensibilização para o tema e interesse em melhorar a imagem e aumentar seus lucros. Independente do motivo preponderante, os resultados, apesar de difícil mensuração, são evidentes: maiores investimentos em desenvolvimento comunitário, educação, atenção à infância e juventude, inclusão social de minorias, respeito às pessoas e ao meio ambiente. Esse se traduz principalmente na diminuição de consumo de recursos naturais não-renováveis, destinação e tratamento adequado de resíduos, utilização de fontes alternativas de energia e busca pela ecoeficiência.
A gestão da responsabilidade socioambiental por parte das empresas vem se aprimorando e algumas organizações já estão próximas dos padrões de excelência, de acordo com indicadores criados especialmente para mensurar índices de Responsabilidade Socioambiental Empresarial. Ainda assim, as demandas são muitas e mais parceiros são necessários. Na década atual, considero duas questões fundamentais para que as práticas em RSE atinjam patamares mais elevados: a adesão em massa das pequenas e médias empresas ao tema e o envolvimento das instituições financeiras. Abaixo tratarei do segundo item.
A questão parece ser simples: se a concessão de crédito é premissa para o desenvolvimento econômico, deve estar atrelado ao respeito a critérios socioambientais. O maior avanço em nível mundial nessa área está representado pelos Princípios do Equador, assinado em 2002 pelo Banco Mundial mais dez dos principais bancos do mundo. Aprimorado em 2006, o acordo incluiu avaliação ambiental do projeto em questão e respeito a critérios sociais. Tais itens passaram a ser obrigatórios para empresas que pleiteiam investimentos a partir de US$ 10 milhões. Também em 2006, a Corporação Financeira Internacional (IFC) passou a exigir que os bancos afiliados sejam signatários do tratado.
No Brasil, também há iniciativas importantes. A Lei Federal 9605, que trata dos Crimes Ambientais, co-responsabiliza as instituições financeiras por danos causados ao meio ambiente.
Em 2007, a BOVESPA em conjunto com diversas instituições, como Ministério do Meio Ambiente, Fundação Getúlio Vargas e Instituto Ethos, criou seu Índice de Sustentabilidade Empresarial (ISE), que tem por objetivo refletir o retorno de uma carteira composta por ações de empresas com reconhecido comprometimento com a responsabilidade social e a sustentabilidade empresarial, e também atuar como promotor das boas práticas no meio empresarial brasileiro. Segue a tendência mundial de “investimentos socialmente responsáveis” (“SRI”), que consideram que empresas sustentáveis geram valor para o acionista no longo prazo, pois estão mais preparadas para enfrentar riscos econômicos, sociais e ambientais.
O SERASA, uma das maiores empresas do mundo em análise de crédito, lançou recentemente o RRA (Relatório de Responsabilidade Ambiental), que permite avaliação das empresas segundo quatro critérios: política e gestão ambiental; forma de uso dos recursos naturais; medidas adotadas para evitar, diminuir ou remediar impactos; e cumprimento das disposições legais. O atendimento aos parâmetros resulta numa nota, enquanto o não-atendimento pontua negativamente.
Nesse cenário, o Banco Real – ABN AMRO se destaca por ter sido o primeiro no país a aplicar critérios de RSA em toda sua cadeia produtiva. Além disso, conta com uma política própria de concessão de financiamentos sob a avaliação de aspectos socioambientais. A política inclui também projetos de médio porte abaixo do limite estabelecido pelos Princípios do Equador. Alguns setores produtivos estão excluídos da carteira de clientes do banco: os que utilizam o trabalho infantil ou incentivam direta ou indiretamente a prostituição; extração de madeira nativa não-certificada, indústria do amianto. O Real também incentiva entre os clientes o acesso ao crédito para a correção de problemas ambientais já existentes, para que o passivo não se mantenha e a empresa não venha a falir, causando mais desemprego.
A novidade mais recente no Brasil no que diz respeito à negação de crédito para empresas que desrespeitam o meio ambiente, é uma resolução do Conselho Monetário Nacional (CMN), que vai modificar o financiamento na região Norte. Considerando o aumento dos índices de desmatamento na região para a criação bovina, o CMN está criando um sistema nacional com informações sobre a situação ambiental e fundiária da propriedade privada. Os bancos deverão checar nessa rede de informações se o proprietário solicitante de crédito tem algum passivo ambiental ou fundiário. A resolução ainda tentará induzir o crédito a atividades menos devastadoras, induzindo o aumento da produção por hectare e o incentivo a utilização de técnicas de manejo florestal.
Assim, é notável que o envolvimento das instituições financeiras é fundamental para a ampliação da adesão das organizações e empresas a critérios de Responsabilidade Socioambiental. Considerando o cenário nacional, tudo indica que a questão vem caminhando a passos largos, visto o número crescente de mecanismos que podem garantir tal ação. A iniciativa do Banco Real já está servindo de benchmarking para grande parte das instituições financeiras do país.
A política do Conselho Monetário Nacional para agropecuária na região norte pode muito bem ser adaptada para outros setores impactantes da economia. Entretanto, parece que o maior desafio será a fiscalização. Acredito que esse seja um fator fundamental para que logo não nos destaquemos como um dos países com a legislação mais avançada no assunto, mas com aplicação ineficiente, a exemplo da Lei Ambiental.
Beatriz de Souza Santa Rita é bacharel em turismo e especialista em responsabilidade socioambiental. Atuou em projetos socioambientais diversos nas áreas de geração de renda para comunidades em situação de vulnerabilidade social, conservação ambiental, turismo de base comunitária e atenção à infância e adolescência. Atualmente presta consultoria para organizações que desejam implantar programas de responsabilidade socioambiental e sustentabilidade. E-mail: beatrizsantarita@gmail.com
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