
Organizador do recém-lançado “Práticas de Cidadania”, o professor e historiador da Universidade de Campinas (Unicamp) Jaime Pinsky é conhecido entre os colegas pela inquietação permanente. Escreve, com a mesma desenvoltura e leveza, sobre fanatismo, colonização, preconceito e educação. Divide seu tempo entre aulas, palestras e artigos. Mas, na gaveta, mantêm sempre uma idéia prestes a se tornar livro. Em 2003, Pinsky lançou “História da Cidadania”, finalista do Prêmio Jabuti do ano seguinte. Não contente em expor as origens do pensamento cidadão, ele buscou exemplificá-lo. Passou de professor a aluno. E acabou aprendendo e ensinando em excelente companhia. “Práticas da Cidadania” reúne artigos de gente que participa ou investiga experiências concretas de responsabilidade social. Entre eles, Cláudia Costin, Gilberto Dimenstein, Marcio Pochman, Marina Silva, Milu Vilella e Oded Grajew. Com a publicação, Pinsky buscava respostas para perguntas aparentemente simples com Que importantes ações, no sentido de estender a cidadania a todos, estão sendo executadas em nosso país e por quem? Quais os obstáculos que estão sendo enfrentados para que essas ações se concretizem? Quais os apoios recebidos e por parte de quem? Boa parte das perguntas estão respondidas no livro. Mas a contribuição maior de Pinsky parece ser a de gerar uma reflexão sobre os temas. Além de aprender, quem lê as publicações organizadas ou escritas pelo historiador passa buscar respostas em lugares ainda mais próximos: em si mesmo, na rua, no trabalho. Um excelente exercício de cidadania.
Responsabilidade Social – Como foram escolhidas as pessoas responsáveis pelos artigos publicados em Práticas de Cidadania?
Jaime Pinsky – As pessoas que participaram dos artigos são cidadãos especiais, que têm um compromisso efetivo com a cidadania e, a partir de suas experiências, traçaram parâmetros relacionados a elaboração de políticas públicas mais consistentes quanto práticas empresariais mais comprometidas com a responsabilidade social. Estes cidadãos especiais aceitaram um grande desafio e cumpriram, eficazmente, a proposta do livro, colaborando para que o “Práticas de cidadania” também se tornasse um grande sucesso.
2) RS – De que forma o Sr avalia a prática da cidadania hoje, na sociedade brasileira? A forma como as pessoas votam ou escolhem um produto já reflete alguma mudança de comportamento?
JP – Os direitos civis e políticos não asseguram a democracia sem os direitos sociais, aqueles que garantem a participação indivíduo na riqueza coletiva: o direito à educação, ao trabalho, ao salário justo, à saúde, a uma velhice tranqüila. Exercer a cidadania plena é ter direitos civis, políticos e sociais. Sonhar com cidadania plena em uma sociedade pobre, em que o acesso aos bens e serviços é restrito, seria utópico. Contudo, os avanços da cidadania, se têm a ver com a riqueza do país e a própria divisão de riquezas, dependem também da luta e das reivindicações, da ação concreta dos indivíduos. Votar é uma parte da prática cidadã, uma vez que se democracia não cria, automaticamente, a cidadania, a falta de democracia, sem dúvida, impede a sua prática.
3) RS – Um dos artigos do livro trata do Ministério Público. O Sr tem acompanhado as discussões sobre as atribuições desse órgão? A restrição às atividades investigativas pode implicar em um esvaziamento de uma entidade que hoje é reconhecida pela defesa dos direitos dos cidadãos?
JP – No livro, o promotor Vidal Serrano discorre sobre a importância crescente do Ministério Público, que tem como ferramentas fundamentais a independência e a vigilância, que colaboram para uma verdadeira democracia em nosso país. Creio que seria um retrocesso inaceitável limitar as funções dos procuradores e promotores de justiça àquelas de acusadores. O ministério público exerce no Brasil um papel muito mais amplo que deve ser preservado, embora, é claro, abusos e constrangimentos não possam ser aceitos pela sociedade.
4) RS – Como o Sr vê a atuação das instituições públicas na construção da cidadania? O Estado tem seguido o caminho certo? A interação entre sociedade civil organizada e Estado tem se dado de forma saudável?
JP – Educação, como não poderia deixar de ser, é a palava-chave. Afinal, está na ausência histórica de um projeto educacional consistente, uma das principais raízes de nossas mazelas nacionais. Em “Práticas de cidadania”, o professor José Eustáquio Romão nos apresenta as conquistas do projeto Escola-cidadã, enquanto o jornalista Gilberto Dimenstein descreve sua experiência no Bairro-Escola. O projeto ousou ultrapassar as fronteiras dos muros escolares e estender o sentido da cidadania à rua e a toda a comunidade e seu entorno. Quanto ao Estado, creio que ele teria a obrigação – que a meu ver não está sendo cumprida – de propiciar uma igualdade de oportunidades, o que implicaria em escola pública de qualidade, em primeiro lugar (o que, de resto, havia, quando a escola publica era freqüentada por filhos da classe média).
5) RS – Nos últimos anos, o setor privado tem se voltado cada dia mais para ações na área social. Na sua opinião, trata-se de um movimento consciente ou ainda restrito ao marketing positivo que esse tipo de iniciativa proporciona?
JP – É preciso compreender que a verdadeira cidadania não consiste simplesmente em “ajudar o outro”, mas, na verdade, “servir o outro”. A chamada responsabilidade social não pode se tornar um modismo passageiro, um surto de “marketing” a mais entre os tantos que surgem no cotidiano das organizações. Pagar menos impostos e divulgar institucionalmente uma marca, em nome da cultura ou da cidadania não pode ser tolerado nem estimulado. Contudo, creio que, aos poucos, o consumidor brasileiro começará a discriminar os produtos e serviços de empresas poluidoras, exploradoras de mão de obra infantil, irresponsáveis com relação à comunidade em que vivem e por aí afora. Espero que as empresas assumam sua responsabilidade social antes que seja tarde demais para seus interesses comerciais.
6) RS – Na sua avaliação, os meios de comunicação no Brasil tem conseguido cumprir sua função social? O Sr vê a necessidade de algum controle da sociedade ou ampliação do debate sobre a qualidade do que é veiculado, principalmente na televisão?
JP – Há uma diferença nítida entre censura e estabelecimento de regras claras. Rádio e Tevê são concessões, e como tal tem que cumprir o seu dever de divertir, informar e educar. É uma bobagem dizer-se que cabe apenas à escola educar: família, amigos e veículos de comunicação são inegáveis meios de educação (nem sempre da boa) e me parece que cabe à sociedade como um todo discutir, com franqueza e sem preconceito, o conteúdo dos programas e as obrigações dos cessionários do serviço público. A liberdade de imprensa não pode ser confundida com o direito incondicional de defender os interesses dos empresários do setor. Isto não é prática cidadã.
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