
Fernando Credidio
Por Fernando Credidio
Quero abordar, nesta edição, um tema que certamente faz parte do dia-a-dia das organizações do terceiro setor: a maneira como, grosso modo, as empresas costumam receber as entidades e, principalmente, a falta de feedback decorrente desses contatos, prática que fere os princípios básicos da boa comunicação, da etiqueta e vai de encontro à imagem de responsabilidade social que as corporações procuram transmitir aos seus mais diversos públicos. Como corolário dessa postura, tenho observado que fechar parcerias e patrocínios está se tornando uma tarefa cada vez mais árdua para as entidades sociais, não apenas pela acirrada concorrência entre elas, por vezes negada, mas, principalmente, pelas atitudes – ou falta delas – de algumas corporações quando procuradas por uma organização do terceiro setor.
Tudo se inicia com a perspectiva de uma futura aliança entre empresa e organização social. Após um sem fim de tentativas de aproximação por intermédio de e-mails, fax, conversas com assistentes e secretárias que, não raras as vezes, desconhecem o que seja o terceiro setor ou a responsabilidade social empresarial, finalmente a entidade consegue contatar o responsável da empresa pelas “políticas” de cidadania corporativa. Até aí tudo perfeito, apesar das dificuldades iniciais. A companhia recebe a equipe da organização com um sorriso largo e a disponibilidade quase que imediata para fechar um acordo em nome da tão decantada imagem de empresa cidadã que faz – ou deseja fazer – questão de alardear.
Ao final da primeira reunião, o executivo da empresa tira do bolso aqueles elogios que levam os dirigentes da entidade ao céu. “O trabalho de vocês é fantástico!”. “Esse projeto é exatamente o que estávamos procurando para agregar valor social à imagem e à marca de nossa corporação!”. Os incautos representantes da organização social nem fazem idéia de que esses mesmos elogios, com as mesmas vírgulas, foram usados com entonação idêntica nas últimas dez reuniões que a companhia manteve com outras entidades do terceiro setor.
Entretanto, as maiores dificuldades virão a seguir, no momento do follow-up (acompanhamento) em relação à possível parceria a ser estabelecida entre entidade e empresa. “E aí fulano, você analisou o projeto que enviamos?”. O representante da corporação, sem o menor constrangimento e pesar pela mentira, diz: “Claro que sim! Aliás, gostamos muito! Vocês poderiam entrar em contato dentro de alguns dias para conversarmos mais detalhadamente?”. Após novo hiato, o diretor ou representante da organização volta a ligar e consegue, às custas de muita eloqüência e perseverança, agendar um novo encontro, regado com a mesma receptividade. Na ocasião, o porta-voz da empresa anuncia que necessita estudar um pouco mais o projeto com seus pares e que entrará em contato caso persista alguma dúvida. Outra espera, que pode durar meses, até a chegada das respostas clássicas – e nada criativas – por parte das empresas: o budget daquele ano não comporta investimentos adicionais; a proposta não atende aos requisitos do core business da corporação; ou a companhia está passando por uma reestruturação e por isso o projeto será analisado em um outro momento.
Quem não passou até hoje por situação semelhante? Na verdade, esse palco circense é armado pela simples falta de objetividade – e sinceridade, naturalmente – dos executivos dessas empresas em dizerem de imediato: “não estamos interessados no seu projeto”. Essa talvez seja a principal diferença entre se fechar parcerias e negócios no Brasil e no exterior. Sabemos que os estrangeiros não são, via de regra, os mais elegantes no trato com as pessoas. Mas, sem dúvida, são mais eficazes na objetividade e rapidez com que tomam decisões e concluem suas transações e pendências. Esta é a questão. Já presenciei e participei de algumas negociações que perduraram meses, quando poderiam ter sido resolvidas em poucos dias ou semanas apenas com um “não” como resposta, atitude que permitiria à organização procurar outra parceira.
Mais grave, porém, é quando a organização descobre que aquele projeto recusado por uma determinada empresa foi devidamente maquiado e colocado em prática por ela própria, sem qualquer pudor, sob a alegação que o mesmo não é exatamente o que foi apresentado na ocasião. Infelizmente, essa prática tem grassado cada vez com mais freqüência no mercado socioambiental, atitude que denota que as corporações ainda não estão preocupadas, como delas se esperaria, em fazer da ética o eixo principal na implantação de suas políticas de cidadania e governança corporativa.
Diante desse quadro, é preciso que os executivos dessas empresas atentem que para ser socialmente responsável, não basta a uma companhia deixar de poluir os rios, cuidar da saúde de seus empregados ou apoiar determinados projetos coordenados pela comunidade local, aquela que reside ou trabalha em seu entorno. Cidadania corporativa é bem mais do que isso. É sair do discurso vazio para a ação, é ter ética, é respeitar as organizações que as procuram – mesmo porque não estão fazendo qualquer favor em relação a isso –, sobretudo seus representantes, que, quase sempre, desempenham um trabalho dignificante, muitas vezes abdicando de seus afazeres profissionais e obrigações de caráter pessoal com o objetivo de contribuírem para a mudança da realidade social do país, cujo comportamento os executivos dessas companhias jamais se preocuparam em adotar.
Concluindo, eu diria que é preciso que as empresas, por meio de seus profissionais, aprendam a dizer “sim” ou “não”, “bom” ou “ruim”, “quero” ou “não quero”, “funciona” ou “não funciona”, “volte” ou “não volte”. Se conseguirem fazer isso, sendo mais transparentes e indo direto ao ponto, certamente será menos custoso a todos nós.
Fernando Credidio é Presidente da organização não-governamental Parceiros da Vida, especializada em comunicação de marketing para o terceiro setor. Também é articulista das revistas Melhor – Vida & Trabalho, Filantropia, Voluntariado & Terceiro Setor, Marketing Cultural, Junção e do jornal Essência Social.
Também nessa Edição :
Perfil: Moema Leão
Entrevista: Augusto de Franco
Notícia: O que deu na mídia (Edição 8)
Notícia: Natureza conservada
Notícia: Brasil revisitado
Notícia: O voluntariado transformador
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