
Fernando Credidio
Por Fernando Credidio
Um dos grandes dilemas enfrentados pelas empresas, atualmente, é como comunicar seu apoio a projetos e programas de responsabilidade social. Ninguém discute, hoje em dia, que a responsabilidade social tornou-se uma poderosa ferramenta de comunicação para as empresas, entre outras razões, por criar diferenciais para marcas, produtos e serviços em relação a seus concorrentes. Até há pouco tempo, ao encontrar um diferencial competitivo, as companhias se apropriavam desse atributo por um longo tempo, despendendo poucos esforços na sua manutenção. Assim, bastava a elas planejar campanhas de comunicação apoiadas apenas nesses valores a fim de garantir o market share (medida de aferição do grau de participação de uma marca ou produto no mercado, em dado momento) e altos índices de recall (teste por meio do qual se verifica a intensidade com que é lembrado determinado anúncio, marca ou produto).
Contudo, a globalização, a velocidade de troca de informações e a padronização de sistemas e processos provocaram uma série de conseqüências para as companhias. A principal talvez seja a de que no momento em que encontram um diferencial, rapidamente, o perdem. Ou porque a concorrência foi capaz de copiá-lo ou porque ele próprio se obsoletou, em função de um diferencial mais avançado de um concorrente direto. A partir daí, os executivos, publicitários e profissionais de marketing passaram a travar uma luta incessante para encontrar novos diferenciais. Terminada uma etapa do processo, inicia-se a próxima e assim por diante. É um círculo vicioso. É nesse ponto, especialmente, que as empresas têm se utilizado da responsabilidade social. Para as companhias, está claro que as causas e projetos socioambientais que patrocinam trazem retorno expressivo em se tratando de mercado, melhoria efetiva de imagem, exposição em mídia espontânea e recrutamento de bons colaboradores, apenas para citar alguns benefícios, pois ao divulgar seu compromisso social a organização fica mais conhecida e respeitada na comunidade. Por essa razão, é natural que eles sejam objeto de preocupação, ganhando uma comunicação mais especializada, planejada, eficaz e dirigida.
Mas, até que ponto a postura cidadã das empresas não fica comprometida quando elas destinam recursos que poderiam ser aplicados em projetos e programas sociais para a divulgação de sua participação nessas ações? Em minha opinião, esta questão adquire contornos dramáticos, principalmente nas companhias que mais investem em políticas de responsabilidade social, interferindo sobremaneira nas estratégias de comunicação dessas organizações, transformando-se em uma das mais difíceis escolhas enfrentadas pelos executivos no seu dia-a-dia. Em passado recente, as corporações limitavam-se a trabalhar quase no anonimato, sem fazer muito alarde. Atualmente, devido aos generosos espaços que a mídia tem concedido às empresas “socialmente responsáveis” e ao marketing social – expressão que, vale destacar, vem sendo empregada de forma equivocada pela maioria das companhias –, elas estão abandonando gradativamente a postura low profile e fazendo da comunicação peça-chave para o sucesso dos programas e projetos que apóiam ou financiam.
Perguntado, até com relativa freqüência, a respeito de como as empresas devem agir diante da situação em divulgar ou não sua participação em uma determinada causa social, costumo responder que não considero pecado uma companhia se valer de estratégias de comunicação para dar visibilidade às ações sociais que promove, desde que tais estratégias não camuflem artifícios com fins estritamente mercadológicos, levando em conta apenas os resultados advindos desse procedimento, comprovadamente vantajoso. Patrocinar uma ação social visando tão somente a divulgação da marca, de um produto ou serviço é uma estratégia que nunca deve ser adotada, porque aos poucos a sociedade passa a distinguir se a conduta está sendo ou não autêntica. É bom que se diga que, gradualmente, os consumidores já conseguem diferenciar a publicidade vazia de uma atitude séria, por estarem mais esclarecidos, atentos e vigilantes em relação a alguns recursos empregados pelas empresas com o fim explícito de tornar sua marca e imagem mais simpática e bem aceita. Ao descobrirem que estão sendo ludibriados, acabarão, fatalmente, punindo a marca infratora da ética, migrando para uma concorrente. É o chamado efeito “bumerangue”.
O que fazer, então? Particularmente, sou favorável à publicação de relatórios e balanços sociais, pois esses documentos transformam a frieza dos números em exemplos de cidadania e responsabilidade social. Acredito, também, que a política de se publicar anúncios institucionais de caráter socioambiental pode e deve ser bem explorada pelas empresas, desde que os espaços sejam bonificados (cedidos) pelos veículos de comunicação. Em relação a campanhas publicitárias, desaprovo as ostensivas, não somente por envolverem custos excessivos – cujos valores, não raras às vezes, consomem mais recursos do que os destinados às causas ou projetos apoiados – como, também, por nem sempre causarem o efeito desejado junto aos stakeholders. Infelizmente, esse tipo de ação é o que mais tem sido praticado pelo mercado, sobretudo após a implementação do programa Fome Zero, pelo Governo Federal.
Outro erro muito comum cometido pelas companhias é divulgar sua atuação social deixando transparecer, de alguma forma, que essas ações não fazem parte de seus verdadeiros valores corporativos. Em outras palavras, que essa vocação não está presente no DNA da empresa, na sua filosofia de gestão. Não havendo verdadeiro engajamento da alta administração e dos colaboradores, a comunicação se assemelhará à inconsistência de uma espuma d’água, convertendo-se em mero discurso. Existem, porém, outros aspectos que devem ser enfocados quando analisamos as razões que inibem a comunicação das ações sociais pelas empresas. Para algumas dessas corporações, há dúvidas se é melhor investir na divulgação dessas ações, destinar os recursos para os projetos da companhia – como comentei anteriormente – ou mesmo doá-los para uso de terceiros. Para outras, o custo elevado da comunicação não compensa o investimento e, finalmente, para um terceiro grupo, existe o nítido receio de ampliar demandas.
Ainda que concordando, em parte, com a tese de algumas empresas que defendem a posição de que não devem ganhar em função da ação social que realizam, porque a divulgação comprometeria a intenção, não posso renegar minha formação e crenças no sentido de que a comunicação possui um papel fundamental no aspecto de despertar consciências e de mobilizar outras organizações, tornando público o compromisso com o social. Se analisarmos o problema de maneira mais racional, descobriremos que ele não se concentra exatamente no fato de uma corporação comunicar ou não sua participação nas ações. O embaraço está, muitas vezes, na forma de como as empresas fazem isso e se apresentam à sociedade. A verdade é que a maioria das corporações não sabe como e de que forma divulgar suas ações de responsabilidade social. As causas são várias, entre as quais a diminuta quantidade de executivos e agências de comunicação e propaganda com expertise comprovada na área. A carência de profissionais de comunicação especializados nesse setor é, sem dúvida, um fator limitador para o crescimento do número de empresas cidadãs, haja vista que muitas não se sentem seguras em ingressar nesse campo sem uma assessoria profissional.
Concluindo, é preciso que fique claro que a comunicação das ações sociais exige assessoria profissional, porque deve ser planejada de maneira diferenciada, analisando-se criteriosamente os valores e o core business da empresa. Não se pode, nem se deve, considerar tais ações como um produto qualquer, porque esse tipo de comunicação fornece transparência ao processo, uma vez que, ao esconder o que fazem, as companhias permitirão conjecturas por parte da sociedade. Portanto, comungo da opinião de que a comunicação das ações sociais deve ser estimulada, desde que com responsabilidade e ética, porque, mais do que “fazer marketing”, essa é uma maneira inteligente de se utilizar uma ferramenta para incentivar e replicar novas ações. E isso é diferente de oportunismo.
Fernando Credidio é Presidente da organização não-governamental Parceiros da Vida, especializada em comunicação de marketing para o terceiro setor. Também é articulista das revistas Melhor – Vida & Trabalho, Filantropia, Voluntariado & Terceiro Setor, Marketing Cultural, Junção e do jornal Essência Social.
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