O diretor da Market Analysis, Fabián Echegaray, destaca em entrevista exclusiva concedida ao Responsabilidade Social.com o crescente abismo entre a cobrança dos consumidores por atitudes mais responsáveis por parte das empresas e o resultados apresentados pelas corporações nesse sentido. O descompasso foi observado na edição deste ano da pesquisa “Monitor de Responsabilidade Social Corporativa”, realizada anualmente desde 2001 pela instituição em mais de 30 países. No Brasil foram entrevistadas cerca de 800 pessoas das nove maiores capitais.
Segundo ele, hoje para o consumidor brasileiro não adianta tentar compensar com iniciativas cidadãs ou ambientalistas, problemas de desatenção às responsabilidades operacionais e intrínsecas aos produtos ou serviços que justificam a existência das empresas. “Dentre as considerações básicas sobre práticas sustentáveis sempre tem se destacado a necessidade que a empresa trate bem seus funcionários, respeite legislação trabalhista e não viole direitos humanos. Por outro lado, iniciativas empresariais recentes como a adesão à moratória da carne e madeira de áreas de desmatamento ou o banimento do saco plástico ainda mal chegaram à cabeça do consumidor típico”, destaca.
Echegaray antecipa a lista das empresas mais responsáveis, segundo os consumidores, e os nomes das que foram reprovadas. O executivo explica, ainda, como a Petrobras, excluída em 2008 do Índice de Sustentabilidade Empresarial (ISE), da Bolsa de Valores de São Paulo (Bovespa) e duramente criticada pelo alto teor de enxofre no diesel comercializado, está entre as melhores empresas com responsabilidade social corporativa. Acompanhe.
1) Responsabilidade Social – A Market Analysis realiza anualmente uma pesquisa para avaliar as percepções dos consumidores sobre responsabilidade corporativa. Quais as principais evoluções ao longo dos anos? O consumidor brasileiro tem se mostrado mais exigente?
Fabián Echegaray – Existe um duplo movimento para uma maior cobrança das grandes empresas sobre comportamentos mais responsáveis diante do meio ambiente e das comunidades afetadas pelas suas ações comerciais ou de utilização de recursos e uma crescente insatisfação com os resultados apresentados pelas corporações nesse sentido. Essa brecha entre o esperado das empresas e a avaliação da atuação das mesmas nas questões socioambientais era de 45 pontos em 2001 e em 2009 chegou a 87 pontos. É um abismo e tanto! O maior dentre os 15 países onde monitoramos o fenômeno da responsabilidade socioambiental da perspectiva dos consumidores.
Só que o aumento das expectativas tem sido comparativamente menor ao aumento da frustração com seu desempenho, indicando a existência de um descompasso entre os focos de atuação empresarial e o que o cidadão típico entende que deveria ser prioritário.
2) RS – Quais são as empresas mais citadas pelo consumidor entre as melhores e as piores dentro do segmento de responsabilidade socioambiental?
FE – Nos 32 países onde realizamos o estudo neste último ano, as empresas de tecnologia da informação são as que lideram como modelo de sustentabilidade, junto com empresas do setor de alimentos. No Brasil, tem sido Petrobras, Coca Cola e Nestlé as que com maior regularidade tem frequentado o ranking das melhores nos últimos cinco anos.
Do lado das piores, as operadoras de telefonia são as que recebem críticas mais frequentes, e não é por acaso que sejam elas as que também liderem os índices de reclamações do Procon. Afinal, a mensagem é que não adianta tentar compensar com iniciativas cidadãs ou ambientalistas, problemas de desatenção às responsabilidades operacionais e intrínsecas aos produtos ou serviços que justificam a existência das empresas.
3) RS – Como o senhor explica a inserção da Petrobras no topo da lista das mais responsáveis, sendo que a companhia foi excluída em 2008 do Índice de Sustentabilidade Empresarial (ISE), da Bolsa de Valores de São Paulo (Bovespa) e é duramente criticada pelo alto teor de enxofre no diesel comercializado?
FE – Essa pesquisa é realizada com consumidores, é a opinião do consumidor médio, que se mostra muito receptivo a informação e interessado por RSE, mas não consegue acompanhar os detalhes do comportamento socioambiental de cada empresa. Portanto, são vários fatores genéricos que moldam as impressões que eles fazem das grandes empresas.
No caso da Petrobras, o que podemos dizer é que não se trata apenas do comportamento ambiental da empresa. Outras percepções entram em jogo, como sua capacidade de gerar empregos e riqueza para a sociedade. Quando repetimos a pergunta que confirma o ranking com públicos especializados em temas de sustentabilidade e que, portanto, seguem de perto resoluções como a do ISE e questionamentos que as corporações recebem de ONGs, órgãos de regulação, etc., o painel de melhores e piores muda, às vezes substancialmente.
4) RS – Como a pesquisa é elaborada? Quais os principais aspectos abordados?
FE – O estudo vem sendo realizado todos os anos desde 2001 seguindo a mesma base: uma amostra representativa da população adulta, com no mínimo 800 entrevistados que moram nas nove maiores capitais do país (em quatro regiões). As cidades são São Paulo, Rio de Janeiro, Belo Horizonte, Recife, Salvador, Porto Alegre, Curitiba, Brasília e Goiânia.
Essa amostra é um espelho da distribuição da população adulta em termos de sexo, classe e grupos de idade, garantindo assim sua representatividade e a possibilidade, então, de projetar esses resultados para o conjunto da população estudada. A margem de erro da pesquisa é de 3,5% para mais ou para menos.
Existe um temário que se repete todos os anos ou a cada dois anos sobre atitudes básicas diante da cidadania empresarial e sustentabilidade, expectativas de atuação, avaliação do desempenho de setores e empresas, preferências por iniciativas socioambientais específicas, avaliação do tipo de retorno que tais iniciativas podem gerar para as grandes empresas, e comportamentos efetivos guiados por considerações socioambientais. A pesquisa permite também que grandes empresas insiram perguntas relevantes para seus planos de negócios e políticas de investimento social e ambiental, fazendo dialogar os resultados obtidos com os temas já citados.
Além disso, o estudo tem o benefício adicional da evolução histórica de várias questões chaves para entender o cenário nacional e da comparação internacional, já que ele é replicado em mais de 30 países, todos os anos.
5) RS – A partir dos dados coletados é possível apontar as principais tendências no setor? Há um consenso entre os consumidores sobre as principais práticas que devem ser implementadas para que a gestão seja considerada responsável?
FE – A opinião dos consumidores vai evoluindo junto com a atuação do mundo corporativo, portanto não é algo rígido e fixo. Dentre as considerações básicas sobre práticas sustentáveis sempre tem se destacado a necessidade que a empresa trate bem seus funcionários, respeite legislação trabalhista, não viole direitos humanos. Isso é consenso.
Mas, outras práticas dependem do contexto e também do setor. Há uma compreensão intuitiva que indústrias extrativistas como mineração, madeireiras ou petrolíferas impactam o meio ambiente e, portanto, precisam compensar por esse impacto e minimizar as possibilidades de gestão irresponsável na sua operação.
Por outro lado, iniciativas empresariais recentes como a adesão à moratória da carne e madeira de áreas de desmatamento ou o banimento do saco plástico ainda mal chegaram à cabeça do consumidor típico. Ainda se mantém reduto da liderança empresarial que tomou essa decisão e de uma minoria de consumidores sensibilizados com o tema. Mas essas propostas, que são extremamente válidas e positivas, ainda não foram apresentadas de uma forma digerível para o consumidor médio.
6) RS – De que forma o estudo pode auxiliar as instituições a implementarem uma política responsável mais consolidada?
FE – O estudo é uma bússola capaz de indicar o rumo geral não apenas das expectativas e percepções dos consumidores sobre esses temas e da atuação empresarial, mas também sobre o real impacto que as ações das corporações estão conseguindo. Nesse sentido, é um instrumento que indica métricas de avaliação e eficácia (ou retorno) dos investimentos socioambientais das empresas. Sem nenhum deles não há como consolidar políticas responsáveis. O estudo tem um aporte adicional, qual é de contrastar as prioridades de atuação desenvolvidas pelas empresas e as prioridades e preferências da população, indicando o tamanho da brecha entre, umas e outras, motivo frequente de incertezas e resultados insatisfatórios de alguns programas.
7) RS – O pós-Copenhague e as eleições presidenciais no Brasil tornam 2010 um ano decisivo para a definição dos rumos e das metas de sustentabilidade a serem assumidas e cumpridas por governos, setor privado e cidadãos. Para o senhor, os assuntos que tangenciam o desenvolvimento sustentável estarão presentes massiçamente na pauta política?
FE – A questão ambiental hoje ocupa um lugar entre as cinco maiores preocupações dos brasileiros. Não é necessariamente a Amazônia como abstração verde o que preocupa, não são causas conceituais, mas sim os resultados dos desastres ambientais que são sentidos na pele. Falo de ciclones que subitamente arrasaram moradias no Sul do Brasil, chuvas que inviabilizam cidades e causam destruição e morte de centenas de pessoas como no Rio, São Paulo ou Santa Catarina, secas violentas que exterminam o sustento econômico de milhares de famílias no Norte e Nordeste.
Por isso a questão, que até 2005 não saia da lanterna das prioridades do país, pulou na frente de questões históricas como educação, saúde, pobreza e estabilidade econômica, só perdendo para violência e desemprego. Portanto, sim, é uma questão que tem potencial de mobilização política e eleitoral, desde que seja conectado aos resultados dramáticos da crise ambiental no plano individual e comunitário. Isso é o papel dos candidatos, partidos e a sociedade civil organizada que pode pressionar para que o tema seja institucionalizado na pauta.
8) RS – Como as inovações e estratégias na área de responsabilidade social empresarial são retratadas pela imprensa a ponto de influenciar decisões dos consumidores?
FE – Na última década aumentou exponencialmente o número de matérias, portanto de atenção sobre RSE. Mas honestamente, não vejo muita mudança no tom da cobertura, ainda longe de focar nos resultados efetivamente obtidos pelas empresas e em quão sustentável é a maneira como as empresas fabricam seus produtos e ganham seu dinheiro. O jornalismo investigativo que chegou a se desenvolver no âmbito político não tem equivalente com relação ao comportamento das grandes empresas.
9) RS – Na sua avaliação, como a agenda da responsabilidade social empresarial avançará nos próximos dez anos?
FE – Questões de ética, transparência e governança voltarão a ganhar destaque, não necessariamente porque venham a se repetir escândalos como em 2001-2003, mas pelo crescimento da credibilidade como critério de avaliação. No Brasil, como na maioria dos países emergentes, o movimento da RSE foi introduzido e alimentado pelas multinacionais, entretanto o poder das grandes corporações de origem nacional exige que elas passem a ocupar um papel cada vez maior na definição dessa agenda.
Outra questão institucional relevante tem a ver com os incentivos que o governo e o próprio setor empresarial organizado ao redor da proposta da sustentabilidade corporativa venham definir. Além da regulamentação, o governo deve pensar em outros indutores. E o movimento de RSE, em minha opinião, precisa deixar mais claro para o consumidor final quais empresas são modelo e também quais são vilãs, para que a proposta de sustentabilidade ganhe materialidade e sentido.
10) RS – Qual o seu entendimento do termo ‘responsabilidade social’?
FE – Daria para mais de uma dissertação! Mas de forma sintética, admitindo que toda síntese é incompleta, tem a ver não apenas com a forma como uma empresa gasta seus recursos (investimentos sociais e ambientais) mas também como ela ganha seus recursos no processo de fabricação ou distribuição dos produtos e serviços vendidos. Isto é, como impacta na comunidade e meio ambiente, o que faz para reduzir esse impacto, quanto respeito pelas prioridades das comunidades ela pratica, etc.
Market Analysis – Telefone: (48) 3234-8573
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