
Roberto Patrus
Por Roberto Patrus
Não é raro que a ética nos negócios seja comparada com “espelhos para elevador”, como fazem Llano e Zagal, autores de um livro sobre o tema. Contam eles que, em um luxuoso prédio comercial, os usuários se queixavam continuamente da lentidão dos elevadores. Quando se estava a ponto de trocar todo o maquinário por um melhor, mais moderno e mais caro, surgiu a idéia de se colocarem espelhos no hall onde se aguarda o elevador. As pessoas começam a se ver, o tempo se ocupa e se elimina a sensação de espera. De acordo com a metáfora, a ética estaria sendo introduzida nas empresas mais para tranqüilizar as consciências do que para promover aperfeiçoamentos morais.
A ética pode ser definida como a reflexão acerca dos valores e critérios que determinam a escolha de uma conduta considerada correta. Ao escolher uma conduta que se considera a melhor, é papel da ética clarificar os valores que determinaram essa escolha. A finalidade da escolha ética é promover o bem comum, o que pode ser resumido em três alvos: não prejudicar ninguém, não deixar que ninguém o prejudique e não se prejudicar.
Podemos perguntar se, no mundo dos negócios, é possível escolher condutas boas sem prejudicar ninguém, sem se prejudicar e sem deixar que o outro o prejudique. A empresa (ou mesmo uma organização do terceiro setor) se relaciona com diferentes públicos (empregados, governo, comunidade, fornecedores, concorrência, acionistas) e suas ações podem beneficiar ou prejudicar esses públicos, inclusive indiretamente, por meio, por exemplo, de ações que afetam o meio-ambiente. Como parâmetro para fundamentar uma ética no mundo dos negócios (extensiva às organizações da sociedade civil), valemo-nos de um modelo de ética nos negócios, composto de três dimensões: a responsabilidade, a convicção e a virtude.
A dimensão da responsabilidade implica na noção de que toda ação da organização afeta pessoas ou grupos sociais, ou seja, os públicos com os quais se relaciona. A responsabilidade implica em prever os resultados das ações. No mundo dos negócios, um dos resultados que se espera das ações de uma organização é o lucro, ou, no caso das organizações de terceiro setor, o retorno financeiro para a manutenção e ampliação das suas atividades. Hoje em dia, essa finalidade econômica é compartilhada pela finalidade social (promoção de melhorias sociais para empregados e comunidade, principalmente) e pela finalidade ambiental (preservação do meio-ambiente e respeito às futuras gerações). A dimensão da responsabilidade reúne o tripé econômico-social-ambiental da sustentabilidade, não só da organização, mas do mundo em que vivemos.
A dimensão da convicção implica na adoção de valores de humanidade que, de algum modo, limitam a busca dos resultados estrategicamente planejados. Nem todos os caminhos são válidos para cumprir as metas estabelecidas. Uma organização ética preocupa-se com os resultados sim, mas sabe o que não deve fazer para realizá-los. Nesse sentido, a ética da convicção é um limite para a ambição da empresa ou da organização da sociedade civil. Esse limite só se realiza se a empresa debate os meios para o alcance dos seus fins. Um código de ética corporativa deve ser acompanhado de reflexão e treinamento contínuos, a fim de que a organização crie o seu jeito ético de fazer negócio.
A dimensão da virtude é a disposição firme e constante para a prática do bem. As decisões de uma organização são decisões de pessoas. Lideranças éticas promovem o hábito de fazer a coisa certa em cada processo decisório, o que exige coragem, virtude.
Ora, a ética de uma organização não se reduz à ética da responsabilidade, pois os resultados nem sempre justificam a violação de princípios éticos. Não se reduz, também, a uma ética da convicção, pois a defesa de valores legítimos pode ter conseqüências que invalidam a sua intenção. Não se pode desprezar o impacto das decisões em cada um dos públicos da empresa, o que seria irresponsabilidade. Desconsiderar os resultados das ações no processo de tomada de decisão não é apenas ingenuidade, é má gestão. Finalmente, a ética da virtude também não se basta para a formulação de uma ética organizacional. Crer que pessoas virtuosas formam uma organização virtuosa é um exemplo de falácia da composição, classicamente ilustrada pelo seguinte proposiçã se todas as peças de uma máquina são leves, logo a máquina é leve. A empresa é mais do que as pessoas que a integram. Ela é a soma de processos, tecnologias, culturas e pessoas.
Enfim, o modelo de ética organizacional aqui apresentado exige a articulação integrada entre responsabilidade (resultados), convicção (valores) e virtude (modo habitual da organização agir). A ética nos negócios é uma forma de gestão e deve estar imbricada na cultura e nos processos administrativos, tecnológicos e decisórios de uma organização. Seu foco é a organização. Sem gerir a cultura organizacional, sem aperfeiçoar os processos, sem aplicar os valores definidos e sem desenvolver as pessoas, a ética nos negócios será mero discurso, desarticulado da prática cotidiana. Será como um espelho no hall de um elevador.
Roberto Patrus M. Pena é Doutor em Filosofia, Mestre em Administração, Psicólogo e Filósofo. Professor da PUC Minas e da Universidade FUMEC e Psicoterapeuta do CEPAFE. Vice-presidente da ALENE, Associação Latino-americana de ética, negócios e economia. Coordenador do NUPEGS, Núcleo de Pesquisa em Ética e Gestão Social do Mestrado em Administração da PUC Minas. E-mail: robertopatrus@pucminas.br
Também nessa Edição :
Entrevista: Valdir Cimino
Entrevista: Francisco Neves
Notícia: O que deu na mídia (edição 34)
Notícia: Trote da Cidadania
Notícia: Futebol e Solidariedade
Notícia: Banco socioambiental
Agradeço ao professor Roberto Patrus, pelo artigo Ética nos negócios e nas organizações da sociedade civil.