A presidente do Centro de Estratégias para Organizações Sociais (Ceos), Rebecca Raposo, faz uma avaliação do terceiro setor no Brasil. Na entrevista exclusiva para o Responsabilidade Social.com, ela aponta quais são os principais desafios para organizações sociais brasileiras e ações prioritárias para fortalecer essas instituições.
Rebecca Raposo também faz uma avalição do marco legal do setor. Na opinião da especialista, “há muita insegurança jurídica no atual arcabouço legal, que é uma colcha de retalhos de várias leis produzidas em distintos momentos da vida social brasileira”. Leia a entrevista na íntegra.
1) Responsabilidade Social – A senhora preside o Centro de Estratégias para Organizações Sociais (Ceos), que trabalha em prol do fortalecimento institucional de organizações da sociedade civil do país. Como a senhora avalia o cenário do terceiro setor do Brasil?
Rebecca Raposo – Hoje estamos, simultaneamente, em um bom momento e em uma encruzilhada. Avançamos muito, embora haja espaço para avançar bem mais, no que se refere aos dados setoriais, por exemplo. Até 2005, trabalhávamos com estimativas ou com os dados internacionais da Universidade Johns Hopkins (EUA). Atualmente, já estamos indo para a terceira série de dados não só nacionais, mas oficiais, produzidos pelo Ipea [Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada] e pelo IBGE [Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística].
Por outro lado, houve uma redução muito expressiva nos recursos filantrópicos internacionais, que foram responsáveis por financiamentos duradouros para várias organizações brasileiras hoje consolidadas graças a esses recorrentes e consistentes apoios. Então, agora estamos vivendo o desafio de sustentar as ações da sociedade civil brasileira com recursos dos brasileiros, e parte dessa cultura cidadã local não está ainda instalada, criando um hiato nos fluxos dos recursos e nos diálogos com os potenciais financiadores.
2) RS – Há uma crítica recorrente à falta de profissionalização nas organizações do terceiro setor. É justificável?
RR – Em parte sim, em parte não. As organizações de fato carecem, muitas vezes, das ferramentas de gestão adaptadas à realidade social brasileira, pois, quando têm acesso, são ferramentas no formato adequado ao mundo corporativo, com fins de lucro, sendo que elas são sem fins de lucro. As ferramentas são as mesmas, mas a sua aplicação é bem diferente. Por outro lado, essa queixa, embora aplicável de alguma forma, está hoje sem substância, configurando-se apenas como uma queixa, quase um preconceito, em vez de ser parte integrante do desafio que temos para desenvolver plenamente o conjunto da sociedade brasileira.
3) RS – Para a senhora, quais são os principais desafios para organizações sociais brasileiras e quais ações são prioritárias para fortalecer essas instituições?
RR – Os desafios são múltiplos, mas se tivesse de selecionar um apenas, seria o de posicionamento da organização social, porque implica uma boa leitura e compreensão do contexto e, portanto, um bom senso também de relevância no seu propósito, na sua missão, nos serviços que presta à sociedade brasileira a quem se dirige em busca dos seus recursos.
4) RS – Na sua opinião, nosso marco legal cria um ambiente propício para investimentos sociais no Brasil? Por quê?
RR – De jeito nenhum! Embora, por exemplo, uma parte significativa do que o Estado abre mão via incentivo fiscal não seja utilizada – pelas pessoas físicas ou jurídicas -, há muita insegurança jurídica no atual arcabouço legal, que é uma colcha de retalhos de várias leis produzidas em distintos momentos da vida social brasileira, com diferentes fundamentações e premissas, algumas delas não mais aplicáveis à atual demanda social.
5) RS – Na sua avaliação, quais são os desafios do terceiro setor no Brasil para a próxima década e qual o papel do Centro de Estratégias para Organizações Sociais nesse contexto?
RR – O desafio do terceiro setor brasileiro é, além de ser bem feito para brasileiros, ser integralmente financiado pelos brasileiros, seja essa condição no formato Estado, no formato empresa, fundações ou institutos, ou ainda pelas pessoas físicas. Chegou o momento de pagar pelos benefícios gerados pela sociedade civil organizada por meio de doações sistemáticas, como pagamos, por meio dos impostos, pelos serviços oferecidos pelo Estado, ou mesmo pelos produtos gerados pelas empresas.
6) RS – Os conceitos “investimento social” e “filantropia” muitas vezes ainda são tratados como sinônimos. Quais são as principais diferenças entre as duas ações?
RR – O termo “Investimento Social Privado” foi criado para incorporar a noção de métodos comprovadamente eficientes que a doação pura e simples não trazia, com foco no interesse coletivo, no bem comum, e diferente do investimento social que o Estado faz, que é, inclusive, inúmeras vezes maior que o privado. Mas hoje estamos vivendo a necessidade de ressignificar a parte do “privado” nesse conceito, pois ele tem ficado cada vez mais privado no sentido do interesse entrópico das empresas e suas fundações, e menos no sentido do privado enquanto ator diferente do Estado.
7) RS – O que é, na sua opinião, responsabilidade social, econômica e ambiental?
RR – É a assunção de uma postura ética coletiva pelo CNPJ. Embora, para sustentarmos o planeta que nos sustenta, todos nós, CNPJs e CPFs, tenhamos de assumir nossa corresponsabilidade nesse processo, o impacto das ações não éticas dos CNPJs é efetivamente muito maior e, portanto, a responsabilidade também.
Centro de Estratégias para Organizações Sociais (Ceos) – Telefone: (11) 2501-7478
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