O guru da economia ecológica e pensador na área do desenvolvimento sustentável, Herman Daly, defende na entrevista que é possível imaginar um mundo com prosperidade sem desenvolvimento econômico. “Certamente podemos viver num nível próspero sem necessidade de que o nível de prosperidade aumente de modo contínuo”, disse o especialista de 93 anos.
O economista dos Estados Unidos é professor emérito da Escola de Política Pública de College Park, nos Estados Unidos. Foi economista-chefe no Departamento Ambiental do Banco Mundial, onde auxiliou a desenvolver princípios políticos básicos relacionados ao desenvolvimento sustentável.
1) Em sua opinião, é possível haver crescimento econômico mantendo a sustentabilidade ecológica?
Herman Daly – Não. Não a longo prazo. A economia é um subsistema do ecossistema, e o ecossistema é finito, não cresce e é materialmente fechado. Temos um fluxo contínuo de energia solar entrante, mas que também não está aumentando.
2) Podemos imaginar um mundo com prosperidade sem crescimento econômico?
HD – Sim. Certamente podemos viver num nível próspero sem necessidade de que o nível de prosperidade aumente de modo contínuo.
3) Como define o conceito de “crescimento deseconômico”?
HD – O crescimento deseconômico é um crescimento que começou a custar mais do que vale – um crescimento, seja em volume de produção ou PIB [Produto Interno Bruto], para o qual os custos adicionais, incluindo os custos ambientais e sociais, são maiores do que os benefícios adicionais em termos de produção.
4) O senhor conhece o conceito de decrescimento, defendido por Serge Latouche? Em que sentido ele se relaciona com o conceito de “crescimento deseconômico”?
HD – Suponho que decrescimento seja a correção para o fato de se ter tido um período de crescimento deseconômico – ou de ter crescido além da escala ótima da economia em relação ao ecossistema.
A escola do decrescimento reconhece que a escala atual da economia é grande demais para se manter num estado estacionário. Por conseguinte, precisamos decrescer até chegar a uma escala sustentável que, então, procuramos manter num estado estacionário. O decrescimento, assim como o crescimento, não pode ser um processo permanente.
5) Como se aplicaria no cenário mundial atual o conceito de estado estacionário?
HD – Se nem o crescimento nem o decrescimento são sustentáveis, isso deixa o estado estacionário como único candidato. Mas nem mesmo um estado estacionário pode durar para sempre num mundo entrópico, de modo que o objetivo é a longevidade, e não a vida eterna neste mundo. Os países ricos precisam dar os primeiros passos rumo a um estado estacionário, liberando espaço ecológico para que os países pobres cresçam até atingir um nível de prosperidade suficiente para uma vida boa – o mesmo objetivo que todos os países deveriam tentar alcançar.
6) Como o senhor entende e define o que se chama hoje de economia de baixo carbono?
HD – Ela significa nos desacostumar dos combustíveis fósseis, mas poderia significar dependência da energia solar, como eu gostaria que acontecesse, ou também de energia nuclear, como defendem outros.
7) Qual a importância, na sua visão, de iniciativas como o IPCC (1988), o Protocolo de Kyoto (1997) e a Convenção do Clima (1992) no sentido de promover a economia de baixo carbono? Essas convenções têm algum impacto na prática?
HD – Até agora elas foram uma decepção, porque não se confrontaram com a questão do crescimento versus estado estacionário. Aceitam o contexto do crescimento e evitam a discussão a respeito da economia do estado estacionário.
8) Quais seriam as grandes transformações estruturais que as economias e as sociedades teriam que fazer para a passagem a uma economia de baixo carbono?
HD– Elas precisam adotar o paradigma do estado estacionário e esquecer o crescimento contínuo.
9) Que análise o senhor faz da crise financeira mundial atual? Que rumos o senhor vislumbra e que mudanças vê surgir?
HD – Vejo a crise financeira como decorrência de se tentar forçar o crescimento para além dos limites físicos e econômicos. À medida que o crescimento fica fisicamente mais difícil, tentamos continuar crescendo em termos monetários, financeiros emitindo montanhas de títulos da dívida e tratando isso como se fosse crescimento real – supondo que toda essa dívida venha a ser saldada pelo crescimento futuro. Nos EUA, atualmente 40% de todos os lucros são obtidos no setor financeiro – o setor financeiro se tornou um parasita.
10) Uma crise financeira como a que vivemos justifica o descaso ambiental e a tomada de medidas restritivas radicais, com emissão de poluentes, como único meio de sair do cenário sombrio, ou é justamente um momento que favorece uma mudança no paradigma econômico, como oportunidade para se pensar em alternativas no sentido da economia de baixo carbono?
HD – Certamente a opção seria a segunda, não a primeira.
11) Uma economia de baixo carbono abriria quais novas possibilidades para a sociedade, que sairia da economia baseada em combustíveis fósseis? Bastaria mudar as estruturas externas ou seria exigida uma metamorfose dos sujeitos, como sugere Edgar Morin?
HD – Se isso significa conversão, uma mudança do coração e da mente, então, sim, acho que é necessário, mas não suficiente sem políticas públicas para um estado estacionário.
12) Que oportunidades e dificuldades surgem para o Brasil e outros países emergentes com a economia de baixo carbono?
HD – O mesmo vale para todos os países – um planeta em que se possa viver durante muito tempo em vez de todos se darem mal juntos.
13) Que relação o senhor estabelece entre economia e felicidade?
HD – O PIB e a felicidade estão correlacionados positivamente até um certo limiar de suficiência. Para além dele, o PIB não parece aumentar a felicidade, mas continua a causar problemas ambientais.
14) Quais as implicações de uma sociedade em que o crescimento econômico não dá conta da dimensão subjetiva do ser humano?
HD – Creio que o crescimento realmente não satisfaz mais as verdadeiras necessidades humanas de comunidade, bons relacionamentos e paz. Uma economia calcada no crescimento leva à guerra por recursos e território.
(Entrevista orginalmente publicada no IHU On-line e reproduzida no Mercado Ético em 18 de agosto deste ano)
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