A renomada economista futurista e iconoclasta inglesa, radicada nos Estados Unidos, Hazel Henderson, destaca na entrevista que a quebra do paradigma econômico-financista, ocorrida nos últimos cinco anos, acelerou a transição da economia global sustentável. Aos 80 anos, ela continua sendo uma defensora incansável da sustentabilidade como solução para os impasses da humanidade e o desequilíbrio ecológico.
Crítica da economia clássica, baseada no materialismo e resultados financeiros, Hazel aponta caminhos em seus livros e artigos para empresas, empreendedores, organizações e países mudarem seus valores e modelos de negócios. Os custos ambientais e sociais devem entrar na contabilidade das empresas e do Produto Interno Bruto (PIB) de países, segundo ela.
Autora de vários livros de sucesso, cujos temas são sempre a respeito de economia e administração sustentáveis, Hazel fundou a Mídia Mercado Ético (Ethical Markets Media’s), em 2005, para difundir experiências e empresas sustentáveis, investimentos socialmente responsáveis, tecnologias amigáveis com o meio ambiente, negócios éticos, matrizes energéticas limpas, boa cidadania empresarial, entre outros assuntos afins.
Artigos, boletins e vídeos desenvolvidos e coletados em todo o mundo, são disponibilizados ao público no portal http://www.ethicalmarkets.com ou por meio do portal http://www.mercadoetico.com.br no Brasil. Nos últimos anos, ela se tornou produtora de programa de TV, veiculado nos Estados Unidos, também denominado Mercado Ético, cujas pautas pertencem à mesma temática de seu trabalho e vida.
Como convencer empresários sobre a mudança de paradigma da economia e necessidade de se comprometerem com valores éticos e novos processos produtivos e de consumo?
Hazel Henderson– Primeiro, deixe-me dizer o quanto meu pensamento está alinhado com o Sebrae [Serviço Brasileiro de Apoio às Micro e Pequenas Empresas] e sua equipe. Apresentei minhas ideias a respeito do comércio mundial sustentável em uma conferência do Sebrae em Vitória, em 2003, quando foram previstos muitos dos problemas globais atuais sobre a necessidade de um novo paradigma para além de modelos econômicos obsoletos. Estas questões acerca de como criar formas justas, inclusivas, ecologicamente corretas e sustentáveis de desenvolvimento humano também foram discutidas na Rio +20, em julho de 2012, e encontraram um amplo consenso entre 191 países. Assim o Brasil continua liderando esses debates no mundo, envolvido com todas as políticas conflitantes e reunindo grupos de interesse para indicar como realizar a transição para a sustentabilidade.
Vejo o Sebrae como um ator cada vez mais importante nessa transição, uma vez que trabalha com a economia real local e empresas de menor porte, que são a base de todas as sociedades, ao invés da escala excessiva, subtração de recursos naturais e excesso de ‘financeirização’, que observamos nos grandes negócios. As finanças globais extraem riquezas das economias locais, das comunidades e dos ecossistemas.
O financiamento global deve ser reduzido e dividido em lugar de socorrer governos e bancos centrais de países, como ocorreu, após a crise de 2008. Nos Estados Unidos, pequenos empreendedores, líderes locais, organizações não governamentais (ONGs) e cidadãos estavam bem conscientes sobre essas desigualdades e pediram cadeia para financistas corruptos e seus aliados políticos. A administração Obama e o Banco Central norte-americano continuaram a política de resgate, dando trilhões de dólares aos bancos de Wall Street (principal centro financeiro dos EUA) com taxas de juros praticamente zero, e com a “quantitative easing” (QE), isto é, imprimindo dinheiro. Isso gerou recuos populares da direita na ascensão do Tea Party (movimento conservador constitucionalista, surgido em 2009) e das ONGs de esquerda no movimento “Occupy Wall Street” (Ocupem Wall Street).
Histórias semelhantes estão acontecendo na Europa, onde políticos tolos socorrem bancos e os responsáveis pela crise financeira em detrimento de seus próprios cidadãos, que ficam sujeitos às políticas de falta de austeridade, cortes nos serviços públicos, redução de empregos e pensões. Todos esses eventos estão ocorrendo em mercados maduros, em economias capitalistas e mistas, que se originaram no início da era industrial, e que hoje apontam o fim do paradigma econômico-financista, por meio de protestos populares, por se encontrarem profundamente atoladas em dívidas não reembolsáveis.
O modelo de capitalismo de estado da China está tirando mais pessoas da pobreza do que qualquer outro país na história mundial. A China também está gerindo a transição de sua economia, migrando de um modelo de extração de recursos naturais insustentável e poluidor para um padrão de crescimento econômico com investimentos sociais, voltado à demanda dos consumidores e grandes investimentos em energia solar, eólica, eficiência energética e restauração ecológica.
Então, espero que o Sebrae e outros grupos de interesse público e ONGs possam participar da promoção da conscientização e compreensão desta grande transição global, por meio de novas e velhas mídias, rumo à economia de escala menor, controlada localmente e baseada no mercado interno, no uso eficiente de todos os recursos e preços adequados para internalizar os verdadeiros custos.
Esta transição pode criar abundância compartilhada e prosperidade, preservando a produtividade dos recursos naturais. Tal transição pode significar mudanças de todos os sistemas em vários níveis e provocar a criação de novas políticas e conceitos jurídicos. Mais pessoas devem ser envolvidas, incluindo a base da pirâmide social e todos os cidadãos. Assim vejo as recentes manifestações de rua no Brasil: como um sinal saudável de que Brasil é, hoje, uma democracia madura, que funciona da mesma forma que o Ethical Markets (Mercado Ético), que dá apoio de mídia ao movimento ‘Ocupem Wall Street’ e atua em todo os Estados Unidos.
O protagonismo da economia mais sustentável e justa também cabe às grandes corporações? Qual é o papel dos pequenos negócios na transformação da economia?
HH – As grandes corporações podem e devem fazer sua parte para mudar a sua contabilidade para modelos de custo completo, aposentar produtos e serviços insustentáveis e redirecionar seus modos de produção para atender os princípios da vida, como, por exemplo, a Natura está fazendo com a empresa parceira especializada em biomimetismo para redesenhar todos os seus produtos. Esta é a vanguarda da inovação empresarial (veja nosso conjunto de conferências Biomimicry Innovation and Finance. Zurique, agosto 2012).
Como os custos sociais e ambientais impactam micro e pequenas empresas?
HH – Os custos sociais e ambientais ‘externalizados’ pelo sistema macroeconômico global financeiro e pelas grandes corporações afetam micro e pequenas empresas em muitos aspectos negativos: monopolizando as políticas públicas e os projetos de infraestrutura, que investem em obras de grande escala e ignoram as pequenas localidades; extraindo excessivamente os recursos naturais; desfavorecendo os fornecedores locais, etc.
Quando as ‘externalidades’ dessas políticas e grandes projetos em escala global e nacional forem totalmente ‘internalizadas’ em seus próprios balanços, a eficiência dos mercados locais e regionais será percebida (como observei em minha palestra para o Sebrae, em Vitória, 2003).
Quais são as oportunidades para os pequenos negócios em um cenário onde as políticas são voltadas ao desenvolvimento local e às práticas sustentáveis comunitárias?
HH – As oportunidades para os empresários locais estão começando a ser impulsionadas pelas muitas falhas de antigos modelos e paradigmas, desde o colapso dos bancos “too-big-to-fail” (muito grandes para falir) na Europa, América do Norte e Japão. Mesmo socorridos, eles perderam a confiança de clientes e pequenos investidores.
Nos EUA e na Europa, os esforços para contornar o abalo dos bancos de Wall Street e europeus provocou a migração da moeda corrente para cooperativas de crédito, sistemas de permutas e intercâmbio eletrônico, compartilhamento de automóveis e de recursos da comunidade, lojas de segunda mão, contratos de agricultura, mercados de agricultores e o interesse crescente em bancos públicos comunitários, como o Banco de Dakota do Norte, considerado um sucesso com mais de cem anos.
Os setores de energia que se transformaram em grandes empresas de energia elétrica, geradores de desperdício nas longas linhas de transmissão, estão sendo substituídos por telhados solares locais, geradores eólicos e construção civil com eficiência energética (veja minha análise em nosso placar Transition Scoreboard, que totaliza investimentos privados em todos os setores verdes no mundo, desde 2007, que equivalem atualmente a US$ 4,1 bilhões). Grandes instalações centralizadas de energia e outros mega projetos estão, agora, perdendo financiamento como previ.
A senhora é crítica em relação ao papel da publicidade e a considera aliada da cultura de consumo, de desperdício e destruição dos ecossistemas. A publicidade também vai se tornar mais ética e sustentável?
HH – A publicidade é uma indústria de US$ 500 bilhões dólares que ainda promove formas insustentáveis de materialismo e consumo. Fundei o Prêmio EthicMark para a publicidade promovedora de potenciais para o futuro da humanidade, em 2004. Publicidade é o verdadeiro sistema de educação do mundo, para o bem ou para o mal, e influencia muito as notícias e conteúdos da mídia de massa.
Por este motivo, é fundamental convocar a publicidade e o marketing para uma causa maior: elevar a visão das pessoas para as próprias oportunidades de desenvolvimento pessoal e enriquecimento espiritual, promovendo estilos de vida satisfatórios e sustentáveis, sociedades mais equitativas e ecologicamente corretas.
Os vencedores do prêmio anual EthicMark serão anunciados na Conferência SRI (Conference on Sustainable, Responsible, Impact Investing) no Colorado, em outubro. Entre os finalistas figuram campanhas de empresas brasileiras, inscritas por meio de nosso parceiro Mercado Ético, de São Paulo, dirigido por Christina Carvalho Pinto. Nossa colega Rosa Alegria (mestre brasileira em Estudos do Futuro pela Universidade de Houston/EUA), será membro do júri do prêmio. Estamos, agora, sendo copatrocinados por prestigiadas organizações como: Escola Superior de Propaganda e Marketing (ESPM) do Brasil; Academia Mundial de Negócios; Globescan; Universidade de Notre Dame; Marcas Sustentáveis; entre outros.
Como se promove a mudança mental dos anunciantes?
HH – A transição global, a partir da era industrial e baseada nos combustíveis fósseis, está sendo bem encaminhada para um futuro sustentável e sendo acelerada pela ampliação do uso de tecnologias renováveis. Tecnologias de geração de energia solar e eólica podem agora competir com o carvão, petróleo e energia nuclear, embora essas fontes antigas ainda sejam subsidiadas por US$ 500 milhões dólares em todo o mundo.
Todos os países se comprometeram na Rio +20 em eliminar progressivamente os subsídios aos combustíveis fósseis e a energia nuclear é agora vista como muito perigosa, como também muito cara. Com o fim desses subsídios e a ‘internalização’ dos custos, os pequenos produtores terão melhores maneiras de competir. A corrupção corporativa dos políticos para manter seus favores impedem que a transição global seja mais rápida.
Conte-nos sobre seu recente trabalho, que envolve um novo paradigma da economia: a Biomimética 3.8.
HH – A parceria entre Mídia Mercado Ético (Ethical Market Media’s) e uma empresa de biomimetismo viabilizou nosso mais recente produto intelectual: Princípios de Ética Biomimética das Finanças (Principles of Ethical Biomimicry Finance™). Este trabalho é voltado a executivos com o objetivo de ajudá-los a adquirir novas competências para investir no rápido crescimento da economia sustentável global, que monitoramos por meio de nosso placar da transição verde (Green Transition Scoreboard®).
Nós licenciamos os Princípios de Ética Biomimética das Finanças como um sistema de conhecimento geral, que também pode ser usado como um programa de ensino e guia, que levará as empresas a prosperar na economia sustentável. Nós cobramos taxas da indústria e executivos, mas ficaria feliz em conceder licença especial sem fins lucrativos para o Sebrae educar suas equipes no Brasil!
(Responsabilidade Social com informações do Centro Sebrae de Sustentabilidade)
Hazel Henderson – Sites: www.ethicalmarkets.com e www.mercadoetico.com.br
Também nessa Edição :
Entrevista: Brizabel da Rocha
Artigo: Para que reportar sustentabilidade?
Notícia: Responsabilidade empresarial (2013/09)
Notícia: Instituições de todo o país recebem apoio para expandir negócios sociais
Notícia: Desenvolvimento local em alta
Oferta de Trabalho: Procura-se (09/2013)
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