Conheça na entrevista abaixo, um pouco mais sobre os bastidores de um dos institutos mais atuantes no Brasil: o Ronald McDonald. Todo ano, os brasileiros estão acostumados a contribuir para a causa do câncer infantil, consumindo um big mac no Mc Dia Feliz. O superintendente do Instituto Ronald McDonald, Francisco Neves, explica o funcionamento das campanhas, conceitua responsabilidade social, marketing social e filantropia e convoca o terceiro setor para continuar na trilha do trabalho com compromisso. Confira:
1) Responsabilidade Social – Quando e por que foi criado o Instituto Ronald McDonald?
Francisco Neves – O Instituto Ronald McDonald (IRM) foi criado em 8 de abril de 1999 pela rede McDonald’s e por diversas instituições de combate ao câncer infanto-juvenil e nasceu da necessidade de aumentar o índice de cura da doença no Brasil. O Instituto foi estruturado nos moldes da Ronald McDonald House Charities, que atua em outros 49 países e atualmente integra um sistema beneficente global que já viabilizou cerca de US$ 400 milhões em doações para programas voltados à infância e adolescência.
2) RS – Como é mantido o instituto?
FN – O Instituto é mantido por meio de contribuições regulares de empresas – que atuam como Membros Mantenedores – e de pessoas físicas, que podem tornar-se Membros Contribuintes, se quiserem fazer doações mensais, ou simplesmente depósitos em dinheiro nos cofrinhos (caixas-troco) distribuídos pelos restaurantes da rede McDonald’s em todo o país. Outra fonte de arrecadação é o McDia Feliz, campanha anual coordenada pelo Instituto Ronald McDonald e que tornou-se a maior ação nacional contra o câncer infanto-juvenil.
3) RS – Quantas crianças e adolescentes doentes são atendidos por ano pelo instituto?
FN – As 90 instituições cadastradas em todo o Brasil que recebem recursos do Instituto Ronald McDonald atendem, por ano, mais de 2,5 mil crianças e adolescentes com câncer.
4) RS – Quais as principais ações de captação de recursos do Instituto Ronald McDonald?
FN – O Instituto Ronald McDonald desenvolve uma série de ações de arrecadação, a fim de garantir recursos para o combate ao câncer infanto-juvenil. Esses recursos são usados na compra de material e equipamentos hospitalares, na reforma de instituições, casas de apoio e hospitais que atendem crianças e adolescentes com câncer, entre outras iniciativas. Mais de 100 instituições em 20 estados já foram beneficiadas com recursos provenientes dessas ações, entre elas:
– McDia Feliz – Maior fonte de arrecadação de recursos do Instituto Ronald McDonald, o evento permitiu ao Instituto movimentar, de 1988 até 2005, cerca de R$ 59,8 milhões. Na 17ª versão do McDia Feliz, em 2005, foram arrecadados R$ 8,6 milhões com a venda de mais de 1,2 milhão de sanduíches Big Mac. A campanha consiste em reverter, em benefício de instituições que tratam de crianças com câncer, toda a renda arrecadada com as vendas de sanduíches Big Mac (exceto impostos) num sábado do ano, em todo o país. Sábado é o dia da semana em que a rede McDonald’s registra maior movimento.
– Instituto Ronald McDonald Invitational Golf Cup – Criado em 2004, o torneio de golfe beneficente é uma iniciativa inovadora da Martin-Brower em parceria com o Instituto Ronald McDonald. Em 2005, o evento reuniu cerca de 450 empresários e executivos num torneio no Clube de Campo de São Paulo e permitiu arrecadar R$ 500 mil.
– Cofrinhos – Os cofrinhos distribuídos pelo Instituto Ronald McDonald por mais de 500 restaurantes da rede McDonald’s em todo o país também auxiliam no desenvolvimento de ações de combate ao câncer infanto-juvenil. No ano passado, os cofrinhos arrecadaram R$ 2,33 milhões, ajudando milhares de crianças e adolescentes com câncer. Para estimular as doações, o Instituto lançou um desafio entre os restaurantes de todo o país. O projeto dos cofrinhos despertou o interesse da Casa Ronald McDonald da Argentina e o Instituto não só prestou consultoria, como intermediou a compra e o transporte de mil cofrinhos para a Argentina junto a seus parceiros no Brasil. Todo o material foi entregue em 2005.
– McLanche Feliz – Desde 2001, a refeição infantil mais vendida no país, com média de três milhões de unidades consumidas por mês, é hoje uma das principais fontes de recursos do IRM. Em 2004, a doação era de R$ 0,001 por lanche vendido e foram arrecadados R$ 217,151 mil. No ano passado, a doação passou para R$ 0,03 e o valor arrecadado foi de R$ 661,5 mil . Este ano, a previsão é que a arrecadação alcance o valor de R$ 752,4 mil.
– Licenciamento de Marcas – O Instituto Ronald McDonald recebeu do McDonald’s os direitos para o uso das marcas McDia Feliz, Ronald McDonald, Dia Mundial das Crianças, Instituto Ronald McDonald e Casa Ronald McDonald, para o licenciamento de produtos. O Instituto usa essas marcas para confecção e venda de produtos. Parte da renda obtida com a comercialização desses produtos é revertida para as instituições de apoio ao combate ao câncer infanto-juvenil.
Além das ações de captação, o Instituto possui outros projetos de combate ao câncer infanto-juvenil, como o Projeto Tsuru, que foi criado em 2004 e está mapeando 5.507 municípios brasileiros, para verificar as condições de atendimento e cura de crianças e adolescentes com câncer nesses locais. A iniciativa pretende identificar as demandas na assistência oncológica pediátrica no Brasil e orientar a mobilização da sociedade, a articulação de parcerias e a destinação de recursos, para ampliar a abrangência e a qualidade do atendimento às crianças e adolescentes com câncer. Através do Tsuru, o Instituto pretende identificar os chamados Pólos Convergentes, regiões que, por suas características sócio-econômicas, políticas e culturais, são capazes de atrair parcelas da população ao seu redor. Dessa forma, o IRM pretende aumentar o diagnóstico precoce da doença e oferecer condições dignas aos pacientes, evitando que tenham que se deslocar para lugares distantes em busca de tratamento. O projeto também conta com o apoio do Instituto Nacional do Câncer (Inca) e da Sociedade Brasileira de Oncologia Pediátrica (Sobope).
Além desse projeto, o Instituto mantém parceria com a Casa da Criança, grupo com mais de 2 mil arquitetos e decoradores, que desenvolve projetos de espaços bem planejados e equipados para instituições de atendimento a crianças. Através da expertise desses profissionais, esses locais são transformados em ambientes vivos, com instalações práticas e confortáveis para o atendimento de crianças. O grupo mantém convênio com empresas de vários setores, o que permite a doação de material de construção, acabamento, mobiliário, brinquedos e, sobretudo, mão de obra especializada. Através da parceria entre o Instituto Ronald McDonald e a Casa da Criança está sendo possível realizar a reforma do ambulatório de oncologia pediátrica do Hospital do Açúcar, em Maceió da Casa de Apoio Menino Jesus, em Fortaleza e da unidade de internação do Hospital do Câncer de Mato Grosso.
5) RS – Como as instituições podem pleitear ajuda junto ao IRM?
FN – O Instituto Ronald McDonald está constantemente revendo seu cadastro nacional, que identifica as instituições que assistem ou tratam de crianças e adolescentes portadores de câncer, com o objetivo de assegurar a mais adequada destinação de seus recursos. O cadastro, pré-requisito para que a instituição envie projetos ao Instituto, dispõe de amplas informações sobre essas instituições, incluindo infra-estrutura, origem de pacientes e demanda atendida. Esses dados, dentre outros, são parâmetros para o planejamento da destinação de recursos do Instituto. Para ser incluída no cadastro do Instituto Ronald McDonald, a instituição precisa atuar pela causa do combate ao câncer infanto-juvenil; ser legalmente constituída, com estatuto registrado em cartório e inscrição no CNPJ; não ter fins lucrativos; ser reconhecida pelas ações desenvolvidas junto à comunidade; entre outras exigências.
6) RS – O que o trabalho à frente do Instituto Ronald McDonald representou para a área social no país?
FN – O Instituto Ronald McDonald recebeu um legado do McDonald’s na área social, principalmente através do McDia Feliz, mudando o panorama do câncer infantil no país. Antigamente, uma criança com câncer era vista e tratada como um adulto em miniatura, pois não havia equipamentos apropriados, nem profissionais especializados no tratamento do câncer infantil. Esses movimentos em prol de crianças e adolescentes com câncer estimularam debates e discussões que ajudaram a quebrar o tabu que girava em torno da doença. A abordagem do tema mudou e as pessoas passaram a se envolver mais com a causa, divulgando e ajudando a criar a consciência de que o câncer tem cura e do quanto é importante o diagnóstico precoce.
Para isso, é preciso estar focado num tema e disseminar as informações relativas a esse tema para as comunidades, gerando um envolvimento maior das pessoas em relação ao assunto e também dos profissionais que atuam na área. Eu me sinto um privilegiado por participar de todo o processo, que começou na década de 90, e me sinto dignificado, pois tenho um respeito e um orgulho enorme de participar de um movimento que está mudando a mentalidade a respeito do câncer no país.
7) RS – Qual a diferença de responsabilidade social e filantropia na visão do Instituto?
FN – A filantropia remete a ações externas das organizações empresariais, em benefício de determinada comunidade ou grupo social enquanto a responsabilidade social tem um objetivo estratégico e está incorporada a cadeia de negócios da empresa. O McDonald’s por exemplo, tem o combate ao câncer incorporada ao seu dia-a-dia e promove, junto com o Instituto, não apenas o McDia Feliz, mas outras várias ações com o objetivo de arrecadar recursos destinados à causa, como os cofrinhos espalhados por mais de 200 restaurantes da rede em todo o país, para estimular os clientes a doarem os trocos dos lanches, as doações de R$ 0,003 sobre a venda do McLanche Feliz, entre outras. Ou seja, a filantropia é apenas parte da responsabilidade social. Mas não adianta, por exemplo, a empresa promover uma ação social isolada e agir de forma politicamente incorreta a maior parte do tempo. O conceito de responsabilidade social também não deve ser confundido com o de marketing social, cujo principal objetivo é alavancar os negócios da empresa através da divulgação de uma imagem positiva perante a opinião pública e o consumidor. Os conceitos e a prática do investimento social derivam da consciência da responsabilidade e reciprocidade em relação à sociedade, assumida livremente por empresas, fundações ou institutos.
8) RS – Como o senhor vê o crescimento da responsabilidade social corporativa no país?
FN – Eu vejo a responsabilidade social corporativa como um movimento salutar, de transformação da sociedade como um todo. As empresas estão agregando um valor que não tem em vista exclusivamente o retorno financeiro com seu produto. O consumidor reconhece a atuação dessas empresas na área de responsabilidade social e esta atuação, por sua vez, resulta num comprometimento maior dos funcionários dessas empresas em relação às comunidades que vivem em áreas próximas.
9) E o que o senhor pensa da profissionalização de todo o terceiro setor, nítida nos últimos tempos?
FN – Acho importante e necessária, mas faço uma ressalva: o Terceiro Setor não pode perder a sua essência, a sua alma, e se transformar no Segundo Setor. É preciso ter metas ousadas, desprendidas e empreendedoras. É preciso se dedicar à causa, pois, do contrário, não será possível alcançar os resultados que se está procurando. É preciso ter persistência, abnegação e entender que não está fazendo só para si, mas para os outros.
10) RS – Que tipo de atuação por parte das organizações da sociedade civil são mais importantes e têm mais resultado no tratamento do câncer?
FN – A mobilização é importante, pois chama a atenção para um problema até então desconhecido da maioria das pessoas. Depois que o McDia Feliz foi criado, o espaço destinado à divulgação do câncer infanto-juvenil aumentou expressivamente e trouxe a consciência de que o câncer tem cura. Depois desse movimento, o número de instituições de apoio cresceu, assim como a quantidade de médicos especializados na área e o apoio psicossocial oferecido aos portadores da doença. A mobilização possibilitou, ainda, a criação de casas de apoio, que aumentaram a aderência dos doentes aos tratamentos e fizeram com que muitos hospitais precisassem expandir sua estrutura, para atender à demanda crescente de pacientes.
Mais informações sobre como se cadastrar junto ao Instituto, podem ser obtidas pelo e-mail instituto@instituto-ronald.org.br
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