Augusto de Franco é um homem de opiniões fortes: “A responsabilidade social não deve ser colocada apenas como um apelo às empresas; não pode ser vista principalmente como uma nova face da filantropia stricto sensu; e não pode ser ‘vendida’ somente como um bom negócio em termos de marketing social. Responsabilidade social é, principalmente e antes de tudo, responsabilidade das comunidades, do cidadão e de suas organizações”. Atualmente, é Coordenador Geral da Agência de Educação para o Desenvolvimento (AED) e Diretor-Executivo da Comunitas – Parcerias para o Desenvolvimento Solidário. Porém, mais do que isso, Augusto de Franco tem o conhecimento de longos anos dedicados a atuação no terceiro setor. Em 1978, já trabalhava nesta área, numa época em que nem ao menos existia o termo ONG. Mais recentemente, teve seu trabalho destacado ao trabalhar ativamente na idealização da Nova Lei do Terceiro Setor. Quando questionado sobre o trabalho de desenvolvimento sustentável e integrado, Augusto de Franco sentencia: “Tudo depende – muito mais do que, às vezes, imaginamos – de não reproduzir uma atuação política intervencionista, verticalista e centralizadora, pois é esse tipo de atuação que extermina o capital social”. Confira suas outras opiniões abaixo:
1) Responsabilidade Social – Podemos dizer que o senhor é um ‘pioneiro’ das ações em terceiro setor e responsabilidade social no Brasil. Como ocorreu o seu envolvimento com o tema?
Augusto de Franco – Fundei uma organização do terceiro setor (naquela época não se usava esse termo, nem mesmo ONG) ainda em 1978 ou 1979, chamada CRD – Centro de Reflexão e Documentação, voltada para atividade de educação popular, que durou 10 anos. Em seguida, a partir de 1988, presidi a Fundação Nativo da Natividade, que se dedicava à formação política de lideranças sindicais e populares. Por outro lado, estou há bastante tempo, desde 1993, envolvido com o tema da responsabilidade social em virtude da minha participação, como uma espécie de secretário executivo nacional, na Ação da Cidadania contra a Fome, a Miséria e pela Vida. Entre 1995 e 2002, como Conselheiro e Membro do Comitê Executivo da Comunidade Solidária, trabalhei com o fortalecimento da sociedade civil e com a reforma do marco legal do terceiro setor. Entrementes, participei e ainda participo de várias organizações do terceiro setor, inclusive de duas Oscips.
2) RS – O senhor fez parte atuante do comitê responsável pela elaboração da Nova Lei do Terceiro Setor (9790/99), que criou as Oscips. Qual a avaliação que o senhor faz da implementação dessa lei no atual contexto? Ela tem sido satisfatória?
AF – Com efeito, coordenei esse processo a partir de 1997. Creio que a implementação das inovações conquistadas tem sido plenamente satisfatória, considerando que uma nova institucionalidade demanda tempo para ser instaurada de vez que enfrenta, sempre, uma cultura anterior que resiste naturalmente a mudanças. Temos hoje centenas de Oscips, sobretudo de desenvolvimento – o que é uma novidade – que crescem em número a cada dia que passa. Temos também dezenas (talvez quase uma centena) de Oscips de microcrédito, o que é outra novidade (pois, até 1999, o microcrédito era uma atividade ilegal no País).
3) RS – Ainda em referência à Nova Lei do Terceiro Setor, o senhor também foi idealizador da estratégia de Desenvolvimento Local Integrado e Sustentável (DLIS). O senhor pode falar um pouco sobre a proposta desse programa?
AF – Para quem está interessado, creio que o melhor é navegar pelo site do ‘Projeto DLIS’ (http://www.dlis.org.br). No entanto, poderia resumir, por meio do seguinte argumento, o fundamento, digamos, “filosófico” da estratégia do DLIS. Como todo desenvolvimento é desenvolvimento social e como desenvolvimento social é mudança social e como mudança social é uma questão política, tudo depende – muito mais do que, às vezes, imaginamos – de não reproduzir uma atuação política intervencionista, verticalista e centralizadora, pois é esse tipo de atuação que extermina o capital social e impede que pessoas e comunidades valorizem e desenvolvam seus próprios ativos, encontrando suas próprias soluções para resolver seus problemas, da sua maneira, afirmando a sua identidade. Essa é a “filosofia” que sustenta a concepção da estratégia do DLIS.
4) RS – Como fica o funcionamento do DLIS com o fim do governo Fernando Henrique?
AF – É preciso compreender que o DLIS não é uma estratégia clássica de governo, é uma estratégia mais complexa, de nova geração, de novo tipo. Talvez estejamos assistindo, pela primeira vez na história do Brasil, em ampla escala, ao nascimento de uma estratégia de desenvolvimento da própria sociedade, descentralizada como o é a morfologia das redes sociais, com multilideranças, múltiplos centros indutores, composta por miríades de núcleos dispersos, molecularmente empoderados e empoderantes. Por outro lado, o DLIS já se tornou um movimento social, de novo tipo. Quem participou da I Expo Brasil Desenvolvimento Local (realizada no final de novembro passado, no Centro de Convenções Ulisses Guimarães, em Brasília) pôde constatar que está se formando uma grande rede de participantes do DLIS, uma rede que está crescendo “por baixo”, subterraneamente, na base da sociedade, a partir da germinação de muitas sementes que estão sendo lançadas pelas mais diversas experiências locais. Cada experiência é uma sementeira. Cada experiência é polinizada por outras experiências. Assim, a cada dia, novas experiências florescem e se multiplicam, numa grande variedade de espécies. O mais surpreendente é que nada disso segue um plano definido por alguém. Não tem um chefe, não tem um comando centralizado. A I Expo Brasil Desenvolvimento Local mostrou que existem hoje milhares de pessoas, espalhadas por esse Brasil afora, dispostas a empregar seus esforços, voluntariamente, para promover o DLIS. Gente que acredita, que vê nesse tipo de atuação um sentido para sua própria vida. Gente que assume responsabilidades, toma iniciativas, celebra parcerias, alavanca recursos – em suma: empreende coletivamente, exerce protagonismo cooperativo, participa de uma nova esfera pública democrática e afirma novas identidades.
5) RS – O senhor acredita que o desenvolvimento sustentável é a única maneira de resolver os problemas sociais brasileiros?
AF – Com certeza. No meu livro “Pobreza & Desenvolvimento Local” (AED, 2002), tento mostrar por que a pobreza e a exclusão social não devem ser enfrentadas apenas com crescimento econômico e políticas compensatórias, e sim, prioritariamente, com programas inovadores de investimento em capital humano e em capital social (como o DLIS).
6) RS – Quais os principais projetos da AED para 2003?
AF – Acho que aqui também vale a pena, para os interessados, dar uma passeada no portal http://www.aed.org.br. Em 2003, a AED está passando por uma grande transformação, com a consolidação de cerca de 20 produtos de educação para o desenvolvimento, com a criação da AED Net (que viabilizará o trabalho à distância por meio de uma VPN desenvolvida pelo nosso próprio pessoal), da AED Inn (um espaço de criação que está sendo montado a 7 km do Paranoá, cidade satélite de Brasília) e do ‘Sistema AED’- um sistema de agentes de desenvolvimento, latu sensu, conectados em uma rede de parceiros, com o objetivo de viabilizar a implantação do DLIS em localidades do Brasil ou de outros países, e a realização ou aplicação de produtos de educação para o desenvolvimento humano e social sustentável. Queremos chegar a 1.200 localidades (10% das localidades brasileiras, em termos de comunicação) até o final de 2004. O objetivo geral de tudo isso é promover o empoderamento molecular das populações periféricas e estimular a inteligência coletiva de comunidades.
7) RS – Como se dá a participação da sociedade no projeto da AED?
AF – A AED trabalha em estreita ligação com agentes de desenvolvimento, multiplicadores e participantes de atividades comunitárias.
8) RS – O que o senhor entende por Responsabilidade Social?
AF – O tema da responsabilidade social corporativa já está na pauta. Nos últimos anos, esforços vêm sendo feitos por algumas organizações do terceiro setor para difundir e materializar a idéia. No entanto, a responsabilidade social não deve ser colocada apenas como um apelo às empresas; não pode ser vista principalmente como uma nova face da filantropia stricto sensu; e não pode ser “vendida” somente como um bom negócio em termos de marketing social. Responsabilidade social é, principalmente e antes de tudo, responsabilidade das comunidades, do cidadão e de suas organizações. Responsabilidade social é responsabilidade pelo desenvolvimento social. Essa responsabilidade é dos governos em todos os níveis, das empresas e das organizações da nova sociedade civil; ou seja: de todos os setores da sociedade. É possível mostrar que, em última instância, a responsabilidade social é uma responsabilidade política com o desenvolvimento social e que tanto governos, quanto empresas e organizações do terceiro setor são igualmente sujeitos da responsabilidade social. Um argumento para fundamentar esse novo conceito de responsabilidade social poderia ser construído, de modo sucinto e esquemático, da seguinte maneira: primeiro, a responsabilidade do cidadão é complementar — e não apenas suplementar — ao dever do Estado; segundo, o cidadão exerce sua responsabilidade individualmente e coletivamente, na ação em comunidade e por intermédio de suas organizações; terceiro, quando assumem responsabilidades sociais, os sujeitos se transformam em agentes sociais; quarto, desenvolvimento é um movimento para melhorar a vida das pessoas, de todas as pessoas, das que vivem hoje e das que viverão amanhã; quinto, desenvolvimento é desenvolvimento social; sexto, agentes sociais são agentes do desenvolvimento social; sétimo, a responsabilidade social fundamental do cidadão, de suas comunidades e organizações é a responsabilidade pelo desenvolvimento social; oitavo, desenvolvimento social é mudança social; nono, mudança social é um domínio político; décimo, logo a responsabilidade social fundamental é uma responsabilidade política pelo desenvolvimento social; e, décimo primeiro, governos, empresas e organizações da nova sociedade civil tornam-se igualmente agentes do desenvolvimento ao assumirem sua responsabilidade política pelo desenvolvimento social. Na minha opinião, o exercício da responsabilidade social pelos governos deveria ser normatizado como uma obrigação. Se, para os governos, pode existir Lei de Responsabilidade Fiscal, por quê não podem existir também leis de responsabilidade social? Por outro lado, o exercício da responsabilidade social deveria ser exigido como contrapartida pelo Estado em qualquer contrato ou convênio celebrado com empresas e organizações do terceiro setor. Programas governamentais também deveriam exigir contrapartidas de seus beneficiários ou participantes em termos de exercício da responsabilidade social, mesmo quando executados em cumprimento de dever legal ou voltados para a satisfação de direitos garantidos pela Constituição — segundo aquela máxima de Anthony Giddens: “Nenhum direito sem responsabilidade”.
9) RS – Como o senhor avalia a atuação do Terceiro Setor no Brasil? Que iniciativas podem ser tomadas para otimizar os resultados nesse setor?
AF – Acho que o terceiro setor está amadurecendo muito depressa. Deixando de ser um conjunto de entes e processos voltados para ações assistenciais e se engajando no desenvolvimento humano e social sustentável de setores e localidades. Creio que é necessário mudar o padrão de relação entre Estado e sociedade para impulsionar o terceiro setor e, obviamente, dar continuidade ao processo de reforma do marco legal do terceiro setor.
Site: www.augustodefranco.org
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