Em entrevista exclusiva concedida para o Responsabilidade Social.com, o gerente da Área de Conhecimento do Grupo de Institutos Fundações e Empresas (Gife), Andre Degenszajn, fala sobre a quinta edição do censo da entidade, que traz os dados do último biênio (2007 – 2009) e a projeção para 2010 do setor. Na avaliação da instituição em termos de volume, o investimento social no Brasil tem crescido de forma satisfatória, mas o país tem potencial para crescer ainda mais.
“Podemos identificar dois elementos que emperram o aumento desse investimento. Um deles é a cultura de filantropia, que no Brasil ainda é incipiente. O segundo ponto é o marco regulatório do terceiro setor, que na maioria dos casos não incentiva o investimento”, avalia.
Andre também explica porque a crise financeira internacional pouco interferiu nos investimentos sociais privados realizados no Brasil e explica a diferença entre essa prática e as ações de assistencialismo e de responsabilidade social. Confira.
1) Responsabilidade Social – Segundo dados divulgados pelo Grupo de Institutos Fundações e Empresas (Gife), no mês passado, o Investimento Social Privado (ISP) deve crescer mais de 6% neste ano no Brasil em relação a 2009, alcançando a marca de R$ 2 bilhões. Como o senhor avalia a preocupação das empresas brasileiras com o social? Há um movimento consistente?
André Degenszajn – Em termos de volume de investimento, a nossa avaliação é de que vem aumentando. Mas é importante destacar que esses números se referem apenas aos 124 associados do Gife, que reúne muitos dos maiores investidores, mas não é a totalidade do investimento social brasileiro. Estudos do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), que realiza a pesquisa mais abrangente na área, indicam que o investimento social no Brasil esteja em torno de R$ 8 bilhões. E a tendência que a gente observa é de que esses recursos têm aumentado, mas existe um potencial para um crescimento ainda muito maior.
2) RS – E, na sua avaliação, o que impede esse crescimento?
AD – O investimento social privado é mais abrangente do que o investimento empresarial. No Brasil, o peso que o investimento empresarial tem é muito grande (80%), mas 20% são outros investidores privados, como fundações independentes, fundações comunitárias, fundações familiares, entre outros. Uma realidade muito diferente dos Estados Unidos, por exemplo, onde a origem empresarial é menos de 20% do total do investimento social privado.
Dessa forma, podemos identificar dois elementos que emperram o aumento desse investimento. Um deles é a cultura de filantropia, que no Brasil ainda é incipiente. Ela é mais desenvolvida no âmbito empresarial do que por outros arranjos de investimento.
O segundo ponto é o marco regulatório do terceiro setor, que na maioria dos casos não incentiva o investimento. No Brasil, a legislação é mais favorável ao investimento empresarial do que ao investimento individual. Então o aperfeiçoamento do marco regulatório é um passo fundamental para se ampliar e aperfeiçoar o investimento social que é realizado no Brasil. E aí a gente não fala só incentivos do tipo Lei Rouanet ou Lei do Esporte. Essas não são as únicas formas de potencializar ou promover o investimento social, podemos pensar também em imunidades e isenções fiscais, por exemplo.
3) RS – A quinta edição do censo da entidade também apontou que a educação ainda permanece como o setor que mais recebeu recursos no biênio 2007-2009. Mas, de uma maneira geral, como estão divididos os investimentos sociais no país hoje?
AD – As três áreas que concentram os maiores investimentos são educação (82%), seguida de cultura (60%) e investimento associado a jovens, e principalmente voltado para a formação para o trabalho (60%).
4) RS – Geograficamente, a distribuição dos recursos está mais concentrada no Sudeste, seguido pela região Sul. Para o senhor, o que deve ser feito para que os investimentos sociais privados não permaneçam apenas nos locais e regiões em que são geradas as riquezas?
AD – Durante o 6º Congresso Gife sobre investimento social privado, realizado no Rio de Janeiro no início de abril, foi lançada a “visão ISP 2020”, que planeja o setor para 2020. Essa visão é composta por três eixos. O primeiro se refere a relevância e legitimidade do segmento, que serão construídas por gestão, governança, transparência e impacto.
O segundo trata sobre abrangência. O diagnóstico do Gife é que há uma concentração muito grande no Sul e Sudeste. A economia também está concentrada em algumas regiões e o investimento tende a acompanhar isso. Dessa forma é importante despertar a atenção dos investidores sobre a importância de se investir em outras regiões, mostrar a defasagem que existe. E o governo, dentro do seu papel, também pode criar incentivos específicos para isso.
Mas o investimento não está só concentrado em termos geográficos, como também em termos temáticos, como você apontou. Como a origem do investimento no Brasil é empresarial, associá-lo à marca de uma empresa impõe certas limitações. É mais difícil uma instituição associar sua marca a temas como equidade racial, direitos de homossexuais, direitos humanos e questões de presídio e tortura, por mais legítimos que eles sejam, do que à educação e à cultura. Esses são temas mais consensuais na sociedade e dessa forma o investimento tende a ser concentrar nessas áreas. Então, essa diversificação precisa ser não só geográfica, mas também temática.
5) RS – Qual foi o impacto da crise financeira mundial nos investimentos sociais no Brasil?
AD – Foi menor do que a gente imaginou. Os dados do censo mostram que na rede Gife a queda foi de cerca de 5% e o investimento projetado para 2010 já retoma o patamar de 2008. No Brasil, a diminuição não foi tão grande devido às características do investimento social brasileiro. Nos Estados Unidos, por exemplo, a maior parte dos investidores ou das fundações tem fundos patrimoniais. Isso significa que as entidades aplicam seus recursos próprios no mercado financeiro e investem no social parte dos rendimentos. A crise afetou o mercado financeiro de uma forma direta, o que resultou numa queda de cerca de 30% do patrimônio dos fundos dessas fundações.
Como no Brasil, essa prática de fundos patrimoniais não é disseminada, são poucas as associações que têm seus recursos aplicados no mercado financeiro. A maior parte das empresas opera a partir de repasses anuais para composição dos orçamentos e não de fundos próprios. Então isso explica em parte, além da questão do Brasil ter sido menos afetado pela crise.
6) RS – Para o senhor o tema da Responsabilidade Social estará na pauta política deste ano de uma forma mais forte? Que peso essas questões terão nos planos governamentais dos candidatos?
AD – A candidatura da Marina Silva (PV) foi muito forte para isso e a adesão de pessoas ligadas ao Ethos à candidatura dela forçou os outros candidatos a colocarem esse tema na agenda política. A candidatura da Marina Silva vai catalisar um pouco esse debate. Esse tema, sem dúvida, estará na agenda política brasileira deste ano.
7) RS – Atualmente praticamente todas as empresas alegam ser responsáveis sob o ponto de vista social e ambiental. É possível avaliar quem é sério e quem apenas faz propaganda?
AD – Essa pergunta é muito pertinente. Essa questão foi levantada em uma plenária da Conferência do Ethos, instituição com quem compartilhamos um pouco da agenda de atuação. Até o ano passado eles desenvolviam um trabalho com os associados voltado para ampliar a discussão sobre a importância da responsabilidade social. Após a conferência de 2009, eles redirecionaram um pouco essa estratégia a partir de uma análise de que o discurso da sustentabilidade já estava sendo difundido, só que havia e há, ainda, uma distância muito grande entre o discurso e a prática.
Essa é a questão que chamamos de “green washing”. Muitas empresas adotaram o discurso, mas não têm uma prática consistente, ou seja, a prática não ampara o discurso. Se as empresas têm uma boa comunicação elas até podem transmitir uma imagem positiva, de que são conscientes em termos de responsabilidade social. Mas o público e a sociedade estão cada vez mais bem informados e têm cada vez mais instrumentos de monitoramento. Se as organizações distanciam o discurso da prática em algum momento essa informação virá a público, e, com isso, a imagem da empresa vai sofrer muito.
A orientação que a gente passa para os nossos associados é de fazer propaganda do seu investimento social, da ação em si. Divulgar os resultados do trabalho, os parceiros, o problema, a causa e não divulgar a empresa em cima disso. Ao divulgar a causa, naturalmente a imagem da empresa vai se beneficiar. Se a divulgação da marca estiver acima da divulgação da causa ela tende a gerar uma distorção.
8) RS – O trabalho desenvolvido pelo Gife é respeitado em todo o país e também no exterior. A que o senhor atribui esse respeito? Qual a sua avaliação do trabalho realizado pela entidade ao longo desses 15 anos?
AD – O Gife começou com a visão e com o objetivo de se constituir como um espaço de diálogo, de troca de experiências e informações entre investidores sociais privados. Começamos com um grupo pequeno, que se expandiu até chegar ao número de associados que temos hoje. A associação conseguiu crescer muito em função do apoio dos seus associados, que são muito maiores do que o próprio Gife. Esse apoio, essa confiança dos nossos associados foram muito importantes e fundamentais para que o grupo se tornasse uma referência, inclusive internacional.
O Gife é uma das associações de fundações mais sólidas da América Latina e está articulado com outras associações similares. Também somos associados a uma rede de associações e de fundações mundial, em que o Fernando Rossetti, que é o secretário-geral do Gife, é o presidente.
E dentro dessa rede o Gife traz uma experiência importante, em função do investimento empresarial brasileiro que é muito desenvolvido. Sem dúvida, o nosso investimento ainda precisa ser diversificado e crescer, mas em termos comparativos, mesmo com países desenvolvidos, o investimento social brasileiro é muito sofisticado. Temos práticas que são referências fora do Brasil. Essa combinação é o que construiu a imagem sólida da associação.
9) RS – Quais as metas do Gife para os próximos anos?
AD – O Gife vai se orientar nos próximos anos por essa visão de dez anos. As metas serão orientadas pelos três eixos estratégicos que compõem essa visão, que são: legitimidade, abrangência e diversidade de investidores.
10) RS – O que o senhor entende por responsabilidade social e qual a diferença desse conceito para investimento social privado?
AD – Quando esses conceitos começaram a aparecer na década de 90, a prática era de tentar separar ao máximo o investimento social privado da responsabilidade social. Porque a análise que se fazia era que a empresa, pensando no investimento social empresarial, deveria fazer seu investimento privado o mais longe possível do negócio, para que o investimento não fosse contaminado pelos interesses privados da empresa, e isso era feito com a criação de fundações e institutos.
Com o tempo esses conceitos se aproximaram. Por um momento foi importante mostrar que eles eram diferentes, mas tendo clareza das suas diferenças, eles estão cada vez mais articulados. Claro que não é uma regra. Muitos investidores ainda separam muito bem essas duas coisas e isso não é ruim. São opções estratégicas que os investidores lançam mão. Organizações como o Banco Real e o Santander claramente têm uma opção de associar as duas coisas. Não existem as fundações Banco Real ou Santander. O investimento é feito pela própria empresa e muito ligado ao próprio negócio do banco.
Mas, como definição, nós temos como referência a definição do Ethos. Dessa forma, responsabilidade social empresarial é a forma de gestão que se define pela relação ética e transparente da empresa com todos os públicos com os quais ela se relaciona e essa relação deve ser pautada por uma série de princípios.
Já o investimento social privado é definido como o repasse voluntário e sistemático de recursos privados de forma planejada e monitorada para projetos sociais de interesse público. Esses elementos são fundamentais para diferenciar o ISP da filantropia, que no Brasil está muito associada ao assistencialismo. E o assistencialismo pode ser entendido como as doações feitas para aliviar os sintomas do problema, como doações de comida, cobertores e abrigos, por exemplo.
Mas é importante destacar que isso não é desqualificar a filantropia mais clássica. É importante que ela continue existindo. Mas para alterar as condições que geraram os sintomas de fome e de falta de abrigo, é necessário investir em transformações sociais mais estruturais.
Grupo de Institutos Fundações e Empresas (Gife) – Tel.: (11) 3816-1209
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