Por Rodrigo Mendes Ribeiro
Discutir questões como a formação cívica, nacionalismo e patriotismo não é uma das tarefas mais triviais no Brasil contemporâneo. A República Opinião, empresa de pesquisa de opinião pública especializada na alma do brasileiro, concluiu uma pesquisa nacional – o Projeto Brasilidade, primeiro da série Estudos da República e que se baseia na pesquisa minuciosa da autopercepção do brasileiro – que revela que 58,4% da população não sabe cantar corretamente o Hino Nacional. A sondagem mostra que existe uma correlação direta entre a baixa escolaridade e o não saber cantar o Hino. Dessa constatação emerge uma questão provocativa. Não seria importante a população saber cantar o Hino do País, já que nesse saber estaria em jogo a ideia de patriotismo como manifestação de adesão e de amor aos símbolos nacionais?
Antes de responder à questão, faz-se necessário deixar claro que o conceito de nacionalismo está sendo entendido como uma ideologia nacional; a visão do Estado nacional que não deve ser confundida com governo. Essa ideologia se assenta na ideia de unificação e unidade de um território; de um povo que fala a mesma língua; que tem tradições e culturas razoavelmente compartilhadas. Estou falando de um Estado soberano em que o poder está na mão do cidadão: legítimo e único detentor da soberania popular teorizada por Jean-Jacques Rousseau. Portanto, um Estado que pertence ao povo, que elege regularmente seus governantes.
Quando cito unificação, ressalto que na Nação existe uma lei maior – a Constituição, que vale para todos. Em outros termos, deixo claro que existe igualdade jurídica e que todos têm os mesmos direitos democráticos. Como cidadãos, todos estamos aptos a participar dos rumos da Nação e das definições das políticas do Estado. Nesse sentido proposto, e mesmo que a realidade muitas vezes se afaste bastante da proposição ideológica, o nacionalismo ganha contornos positivos. Algo desejável, a ser fortalecido entre nós. Ao mesmo tempo, não sou ingênuo ao ponto de ignorar que nacionalismo pode ser desvirtuado para o xenofobismo – comportamento que gera preconceitos contra os que vêm de fora, a exemplo do está ocorrendo em alguns países da Europa. É óbvio que o nacionalismo pode ser utilizado por algum governo como arma para manipulação de massas populares, descambando para um nacionalismo populista e autoritário como acontece hoje na Venezuela de Hugo Chavez. Entretanto, esse extremismo não é a essência do nacionalismo.
No Projeto Brasilidade fica claro que o sentimento de brasilidade e de orgulho de ser brasileiro é muito forte hoje: 78% dos brasileiros têm essa opinião. As pessoas estão esperançosas e avaliam que o Brasil está melhorando e se transformando. Podemos dizer que o nacionalismo está em alta? Mas como ele conviveria com uma adesão tão baixa a um dos símbolos do País, o Hino Nacional? Essa aparente contradição é explicada pela pesquisa e revela uma verdade chocante: a desigualdade educacional é o maior fosso a separar os brasileiros.
A diferença no nível educacional – fruto e matriz das condições socioeconômicas – é o que gera cidadãos de primeira e segunda classes. Gera, também, alguns eleitores críticos e que participam da vida da comunidade; produz, ainda, uma imensa maioria de alienados que vivem à margem do sistema. A solução para a construção de uma real unidade nacional – para além de uma ideologia nacionalista –, é um forte investimento na educação, na qualidade da educação. Um truísmo hoje, talvez um consenso nacional, mas um desejo social ainda muito distante da realidade.
O verdadeiro lugar da transformação social e da construção da Nação, é na sala de aula; no pátio das escolas. Esse deve ser o novo legado, um presente que vai além da comemoração do Dia das Crianças. As crianças e os jovens precisam conhecer o País; os direitos e deveres; os símbolos e tradições; precisam saber o que é cidadania e democracia, porque é importante participar da vida da comunidade. Isso é algo que tem que ser ensinado.
Não seria o caso de retomar o conteúdo de disciplinas como a antiga Organização Social e Política do Brasil (OSPB), mantendo, logicamente, a Sociologia e a Filosofia? Como registro, ressalto que a disciplina foi instituída no currículo escolar pelo Conselho Federal de Educação, em 1962, no governo de João Goulart, e ganhou conotação muito diferente na ditadura militar – razão pela qual é mal vista hoje, o que resultou na extinção em 1993.
Defendo que precisamos superar a visão de que patriotismo e nacionalismo são coisas da ditadura militar! Não é inteligente ou civilizado acreditar que hastear a bandeira e cantar o Hino Nacional sejam heranças de um passado que se quer esquecer. Patriotismo e nacionalismo não são parte do “Brasil do ame-o ou deixe-o”.
Não é razoável a crença de que comemorar a data a Independência do Brasil, o 7 de Setembro, seja assistir a desfiles militares. Para contextualizar, vale lembrar que o nacionalismo surgiu com a Revolução Francesa, tendo por origem uma força progressista e libertária. É preciso, portanto, rever o nacionalismo e o patriotismo como uma ideologia revigorada pelo novo sentimento de brasilidade que ganha força entre nós. Devemos ver o nacionalismo como recurso das estratégias locais contra o domínio da globalização avassaladora.
O Brasil precisa repensar o nacionalismo como força da cidadania; como parte importante de uma cultura cívica que precisa ser cada vez mais vigorosa.
Rodrigo Mendes Ribeiro é sociólogo e cientista político com MBA em marketing e mestre em ciência política pela Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG). Ribeiro é diretor-geral da República – Opinião dos Brasileiros, empresa de pesquisa de opinião pública. Desde 2004, o sociólogo e cientista político, que participou de mais de 500 projetos de pesquisa em todo o Brasil, coordena as pesquisas de concepção e avaliação da campanha de esclarecimento ao eleitor “Vota Brasil”, do Tribunal Superior Eleitoral (TSE).
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